domingo, 18 de dezembro de 2016

Supremos salários

• Nas Câmaras das dez maiores cidades do país, remunerações chegam a R$ 59 mil

Silvia Amorim - O Globo

Entranhados também no Legislativo, os supersalários do Congresso são apenas o topo de uma pirâmide de abusos que se estende até as menores estruturas legislativas do país. Nas Câmaras municipais, há funcionários recebendo todo mês mais que o dobro do teto constitucional. São remunerações que chegam a R$ 59 mil, garantidas a servidores de diversas funções, como contador, procurador, auditor, taquígrafo e médico.

Para barrar esses vencimentos que ultrapassam o limite previsto em lei, o Senado aprovou semana passada proposta que define quais benefícios podem ser considerados no cálculo do teto constitucional. Falta ainda a votação na Câmara, o que só deverá ocorrer ano que vem.

A ofensiva contra os supersalários no Senado foi interpretada como uma reação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), ao avanço da Operação Lava-Jato e ao Judiciário. O GLOBO revelou em outubro que três de cada quatro juízes receberam salários acima do teto constitucional neste segundo semestre.

As receitas para “furar” o teto nas Casas legislativas dos municípios são duas: o servidor consegue na Justiça uma liminar que lhe permite manter gratificações, mesmo que extrapolem o teto estabelecido pela Constituição; ou a Câmara recorre a uma ginástica aritmética na folha de pagamento e exclui, para efeito de cálculo da remuneração, indenizações, gratificações e outras vantagens pessoais.

Na esfera municipal, o teto salarial para o funcionalismo é o vencimento do prefeito, conforme a Constituição. “A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta (...) não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos municípios, o subsídio do prefeito”, diz o artigo 37. No ano passado, o Supremo, analisando essa regra, decidiu que vantagens pessoais podem ser cortadas quando superam o teto do funcionalismo.

MAIOR REMUNERAÇÃO EM SÃO PAULO
Não é o que se vê nas Câmaras municipais. O GLOBO analisou na última semana a folha de pessoal do Legislativo das dez maiores cidades do país: São Paulo, Manaus, Porto Alegre e Salvador têm, comprovadamente, funcionários ganhando mais do que deveriam. Em Recife, há potenciais remunerações acima do teto na folha de pagamento de novembro, mas não confirmados. No Rio, em Fortaleza e em Belo Horizonte não foi possível fazer o levantamento por falta de publicação de dados ou dificuldade de acesso. Curitiba e Goiânia foram as únicas em que nenhum funcionário recebeu no período analisado (outubro e novembro) salários maiores do que os dos prefeitos.

A maior remuneração bruta encontrada foi de R$ 59 mil na Câmara municipal de São Paulo, 146% mais do que ganha o prefeito: R$ 24.100. Ela pertence a um alto funcionário da Mesa Diretora, servidor de carreira há 28 anos. Nesse valor, pago em novembro, já está contabilizado um desconto de R$ 2.666 a título de abate-teto. Mas, como outros 139 funcionários da Casa, o dono do salário mais generoso do Legislativo paulistano obteve na Justiça o direito de manter o recebimento de penduricalhos que engordam sua remuneração mesmo extrapolando o teto constitucional. O médico da Câmara recebeu R$ 44 mil; o secretário de Gestão de Contratos, R$ 41 mil. Há ainda quem conseguiu na Justiça ficar anônimo na divulgação da folha de pessoal. Todos esses valores já excluem o pagamento de férias, 13º salário e abono permanência, como determina a lei para o cálculo do teto salarial.

Há muitas distorções na fixação dos salários, como subalternos com remuneração bruta maior do que a de suas chefias. O superior desse alto funcionário da Câmara paulistana, por exemplo, recebeu R$ 53 mil no mesmo mês.

O que chama mais a atenção para esses valores é que, além de ultrapassarem o teto salarial do município, eles são superiores aos vencimentos de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que ganha R$ 33.763 e deveria ser o máximo a ser pago a qualquer funcionário da administração pública no país. Em Manaus, O GLOBO identificou 23 supersalários. O maior deles é de uma auditora de controle interno, que recebeu no último contracheque R$ 45 mil, sendo R$ 4 mil a título de abono permanência, desconsiderado para o cálculo do teto, ou seja, remuneração bruta de R$ 41 mil. O supersalário também é sustentado por uma decisão judicial.

O estado do Amazonas tem uma peculiaridade. Os deputados estaduais fizeram uma alteração na Constituição estadual em 2010 em que fixaram como teto salarial nos Poderes estaduais e municipais o salário de desembargador do Tribunal de Justiça (R$ 30.471). Com isso, deixou de ser aplicado o salário do prefeito, que em Manaus é de R$ 18 mil, como limite para os pagamentos ao funcionalismo municipal.

Em Porto Alegre, também foram encontrados salários maiores do que o de ministro do STF. O Legislativo da capital gaúcha confirmou que existem 36 servidores que recebem acima do teto — lá o prefeito também ganha R$ 18 mil. São valores que chegam a R$ 41 mil, como o pago em outubro ao procurador-geral da Casa. Em setembro, o Ministério Público de Contas pediu explicações à Câmara para o pagamento dos altos salários. Desde então, a direção diz que está tomando providências para o cumprimento da lei, mas, até agora, nenhum corte salarial foi realizado.

TRANSPARÊNCIA PELA METADE
Apenas São Paulo, Curitiba e Manaus divulgam a folha de pagamento com todos os detalhes da remuneração do servidor que permitem identificar se os salários estão acima do teto. Recife, Porto Alegre e Goiânia disponibilizam na internet o extrato das remunerações, mas sem apontar a natureza de descontos, eventual abate-teto e penduricalhos.

Na Câmara da capital pernambucana, por exemplo, O GLOBO identificou na relação de salários remuneração bruta acima do que ganha o prefeito (R$ 14.635), mas não foi possível constatar se o abate-teto está sendo adotado.

Desde 2011, com a criação da Lei da Transparência, todo órgão da administração pública está obrigado a divulgar em seu site a relação de funcionários e os respectivos salários.

Em Salvador e Belo Horizonte, o problema é de outra ordem: a consulta às remunerações é uma tarefa quase impossível, porque é preciso consultar uma por uma a ficha de centenas de funcionários (na capital mineira) ou calcular os valores com base em códigos de cargos e gratificações (na capital baiana). A Câmara de Salvador admitiu, após questionamento do jornal, que tem “poucos casos” de salários acima do teto, mas não informou a quantidade. Já o Legislativo de Belo Horizonte negou que haja pagamentos acima do teto.

No quesito falta de transparência, os vencedores são as Câmaras do Rio de Janeiro e de Fortaleza. Ambas não publicam no site a remuneração de seus funcionários, descumprindo a Lei da Transparência. No ano passado, o Ministério Público denunciou o Legislativo carioca por desrespeitar o teto constitucional.

PROCURADORES: UMA POLÊMICA À PARTE
O caso da carreira de procuradores é uma polêmica à parte. Há um debate no Supremo sobre se o teto para essa carreira deve permanecer sendo o salário do prefeito ou a remuneração de desembargadores do Tribunal de Justiça. O julgamento começou, mas ainda não terminou. Diante da indefinição, sobram entendimentos diversos. Na Câmara de Manaus, procuradores já têm um teto salarial diferenciado, que são os R$ 33 mil do salário de ministro do Supremo. Já em São Paulo o limite é a remuneração de desembargador. Em Curitiba e Goiânia, o salário máximo aplicado à carreira é o mesmo que ganha o prefeito.

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