segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Temer levou a Renan apelo de Cármen Lúcia

• ‘Temos de salvar o país evitando essas crises’, disse ministra; presidente respondeu: ‘Concordo inteiramente’

Jorge Bastos Moreno - O Globo

A presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu a Temer que intercedesse junto a Renan contra o projeto de abuso de autoridade de juízes, mas o senador recusou, conta O presidente Michel Temer recebeu no domingo passado um “apelo institucional” da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, para que transmitisse ao Poder Legislativo a solicitação de que não discutisse, nem votasse, o projeto que torna crime o abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público, porque isso poderia gerar uma grave crise entre os Poderes, com consequências imprevisíveis. Temer procurou no mesmo dia o presidente do Senado, Renan Calheiros, que, no entanto, manteve-se irredutível.

— O senador Renan Calheiros e alguns parlamentares, aos quais transmiti esse apelo, apresentaram fortes argumentos para que a matéria não fosse retirada da pauta. Eu tinha dito a eles que endossava totalmente as preocupações da presidente Cármen Lúcia. Mas eles, em função de seus argumentos, mantiveram-se irredutíveis — disse o presidente ontem ao GLOBO. PARA

“NÃO CONSTRANGER”
Temer destacou que respeitou a decisão de Renan de ter prosseguido nas tentativas para votar a matéria:

— Por temperamento, não tenho por hábito constranger ninguém. Como presidente da República é imperioso que eu respeite as decisões e a independência de outros Poderes. Aliás, essa também foi a preocupação da ministra Cármen Lúcia ao fazer esse apelo. Sendo assim, tive a cautela de não insistir no assunto.

O presidente relatou que naquele domingo, logo após a coletiva na qual anunciou que vetaria qualquer proposta de anistia ao caixa 2, viajou para São Paulo, a fim de participar de um evento da colônia libanesa no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. E foi lá que ele recebeu o telefonema da presidente do Supremo.

— A ministra e eu somos amigos de longa data, e isso facilita também a nossa relação institucional. E ela me ligou nestes termos: “Olha, temos que salvar o país, evitando essas crises”. Respondi-lhe: “Concordo inteiramente”. Hoje, por exemplo, com a colaboração do presidente da Câmara e do Senado, acho que conseguimos conter a justa indignação popular contra o caixa 2.

Temer disse a Cármen que, no mesmo dia, voltaria a Brasília e se reuniria com Renan e outros membros do Legislativo para transmitir o apelo. Ele disse que chegou à casa de Renan às 23h, e lá estavam Eunício Oliveira (PMDB-CE), José Sarney (PMDB-AP), Moreira Franco (PMDB-RJ) e Aécio Neves (PSDB-MG), entre outros.

Alvo de 11 inquéritos e, desde quinta-feira, uma ação penal, Renan Calheiros lidera uma cruzada pela aprovação de uma nova legislação sobre “abuso de autoridade”, que atingiria juízes e integrantes do Ministério Público. Além de autor da proposta, apresentada em julho, Renan deu máxima celeridade à votação do tema, indo contra, inclusive, a posição do primeiro relator, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que defendia que a votação só ocorresse ao fim da Lava-Jato. Alçado a líder do governo, Jucá deixou a relatoria, entregue ao senador Roberto Requião (PMDB-PR), notório defensor das medidas.

Apesar de ser autor da proposta que está no Senado, Renan viu uma oportunidade na última semana de colocar em votação a versão desfigurada das dez medidas contra a corrupção, aprovada na madrugada de quarta-feira pela Câmara. Por meio de uma emenda, os deputados incluíram artigos sobre o crime de “abuso de autoridade” por parte de juízes e integrantes do MP. Os integrantes da força-tarefa da Lava Jato reagiram e disseram que, se a proposta entrasse em vigor, haveria uma renúncia coletiva dos investigadores.

A grande preocupação, inclusive de advogados que usualmente militam no campo oposto ao dos integrantes da força-tarefa, é com a possibilidade de a proposta ser usada para coagir magistrados e procuradores, uma vez que os supostos crimes de “abuso de autoridade” são genéricos, como a atuação “de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro” e “com motivação político-partidária”.

Apesar das críticas, Renan se mobilizou na quarta-feira para aprovar um requerimento de urgência que permitiria a análise imediata da proposta vinda da Câmara. Diante da reação dura de senadores, e da mobilização nas redes sociais, o requerimento acabou sendo rejeitado. Assim, a medida aprovada pelos deputados vai tramitar normalmente nas comissões. Amanhã, no entanto, o plenário do Senado já deve começar a analisar a proposta de Renan. Na quinta-feira, em audiência no Senado, o juiz Sérgio Moro voltou a criticar a votação da medida neste momento e pediu que, ao menos, coloque-se uma emenda deixando claro que não pode ser considerado abuso a diferença de interpretação da legislação.

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