quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Tudo será como antes? - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• O objetivo da Lava-Jato é romper com o patrimonialismo, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e políticos

“A Operação Lava-Jato é importante, mas ela sozinha não mudará nada”, dispara o sociólogo Luiz Werneck Vianna na última frase da entrevista que concedeu a Patricia Fachin para a revista do Instituto Humanitas, a propósito dos 80 anos de publicação de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Nela, o professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica faz uma releitura dessa obra que ajuda a entender a crise pela qual o país está passando e, em particular, o choque frontal entre o Ministério Público Federal e o Congresso Nacional. Na madrugada passada, a Câmara desfigurou a proposta de 10 Medidas Contra a Corrupção e incluiu uma emenda contra o abuso de autoridade, que prevê punições para juízes e procuradores da Operação Lava-Jato.

Os procuradores reagiram duramente e ameaçaram renunciar aos cargos se a lei for aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Michel Temer. A ameaça foi feita pelo procurador da República Deltan Dallagnol, da Lava-Jato. Seria uma dose dupla de ingenuidade, pois o Congresso é suscetível às pressões populares, mas não a esse tipo de ameaça. Tudo o que os parlamentares que aprovaram as medidas desejam é se livrar dos delegados, procuradores e juízes da operação. Foi ingenuidade acreditar que o Congresso endureceria uma legislação que já está sendo utilizada para punir duramente os políticos investigados.

O pacote de 10 medidas anticorrupção era um projeto de iniciativa popular, proposto pelo Ministério Público Federal, que reuniu assinaturas de cerca de 2,3 milhões de apoiadores antes de ser enviado ao Congresso. A punição a juízes, promotores e procuradores não estava no relatório aprovado na comissão especial da Câmara criada para transformar as 10 medidas em lei. A proposta foi tão desvirtuada que o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) afirmou que seu relatório virou “picadinho”.

No fim da tarde de ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), atropelou as comissões e os líderes da Casa e submeteu ao plenário um pedido de urgência para votar ontem a proposta aprovada na Câmara. Sofreu uma derrota acachapante. Senadores não se elegem com voto de legenda, precisam de voto majoritário. Diante da situação, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, emitiu nota defendendo a independência do Judiciário. “A democracia depende de Poderes fortes e independentes. O Judiciário é, por imposição constitucional, guarda da Constituição e garantidor da democracia (…) Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”, destaca a nota. Renan é réu em um processo que será julgado hoje pelo Supremo.

Ibéria ou América
A entrevista de Werneck sobre a obra de Sérgio Buarque contextualiza a Operação Lava-Jato no eixo da relação entre os conceitos de iberismo e americanismo, cordialidade e civilidade no Brasil. Destaca que os procuradores da Lava-Jato não são homens da catolicidade, mas da reforma. “Seus principais personagens são ligados à Igreja Batista, como é o caso do Dallagnol. Nesse sentido, eles fariam parte desse movimento americanista, uma categoria com a qual o Sérgio Buarque trabalha, que estariam em oposição à Ibéria.”

“Acho esse um dado interessante para ser analisado, e que mostra bem a contemporaneidade das análises de Sérgio Buarque (…) Cada geração vai relendo-a do seu modo, de tal forma que podemos entender a Lava-Jato como um canal através do qual o processo da civilidade se impõe sobre o da cordialidade. Eu diria que o alvo principal da Lava-Jato é esse de romper com o patrimonialismo, entre essas relações entre Estado e mercado, Estado e interesses, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e os dirigentes políticos do Estado. Essas forças, ao que parece — está se mostrando agora —, tiveram um papel na montagem desse sistema.”

Werneck cita como exemplo o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e as relações pessoais com os empresários da construção civil. “Essa nossa dialética é complicada, porque nós nascemos da Ibéria e estamos numa trajetória em direção à América. Estamos fazendo, ao longo do tempo, essa trajetória, mas não em direção à América deles (norte-americana), mas à nossa América (…) E uma das nossas marcas de origem seria isso que chamamos de cordialidade, essas características de ações dominadas pelo afeto, pelo coração. O que não quer dizer que nós não devamos avançar no sentido de uma relação cada vez mais civil, de que a civilidade triunfe entre nós e que nós derrotemos o patrimonialismo. Mas nós não nascemos do mundo da reforma; o nosso mundo é o da catolicidade.”

Para Werneck, essa mudança não será catastrófica, mas um processo longo: “Nós estamos vivendo isso de forma atribulada e agora conhecemos esse atropelo da Operação Lava-Jato, que tem a intenção de nos afastar de vez da matriz da cordialidade, da matriz patrimonial. Como um empreendimento radical, isso é possível? Fica a pergunta. Isso não quer dizer que estou desqualificando essa intervenção. Ao contrário, eu a valorizo.”

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