terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Viés institucional e o crescimento - Yoshiaki Nakano

- Valor Econômico

Deriva da reforma fundamental do governo uma tendência à estagnação e não a retomada

É óbvio que o desenvolvimento econômico sustentado depende da elevação da taxa de investimento e do aumento de produtividade. Surtos de booms de investimento têm ocorrido ao longo da história, com revoluções tecnológicas, clusters de grandes inovações capazes de provocar deslocamentos na economia em seu conjunto por meio da implantação de novos setores e posterior difusão das inovações tecnológicas para os demais setores, com aumento de lucratividade. No entanto, as revoluções tecnológicas representam novos paradigmas, e em regra, requerem novas instituições, valores e culturas diferentes das que prevaleciam no paradigma tecnológico anterior.

Daí por que o economista Joseph Schumpeter (1883-1950) falava que o desenvolvimento capitalista depende do processo de "destruição criadora". Sem a destruição das instituições e valores e do próprio capital produtivo do paradigma anterior e criação de novas instituições e valores compatíveis com o novo, o processo de desenvolvimento poderia ser postergado por até décadas. Por isso, a sua análise focava os ciclos longos de duração, em torno de meio século. Nesta visão estamos vivendo hoje a quinta revolução tecnológica com o desenvolvimento da tecnologia de informação. A crise de 2008 indica que estamos passando por um processo de destruição criadora para que o sistema financeiro torne-se funcional, para financiar as novas tecnologias e as instituições e valores que se tornem compatíveis com ela.

No Brasil e na América Latina, no paradigma anterior, a absorção de novas tecnologias se deu dentro do modelo que ficou conhecido como de industrialização pela substituição de importações. Aliás, este modelo com grande sucesso, em 1980, havia implantado no Brasil uma estrutura industrial moderna e complexa. Suas instituições, valores e cultura sobrevivem até hoje, com grande força, e são obstáculos para as reformas necessárias.

Além do mais, a crise dos anos 80 e a semi-estagnação subsequente reforçaram estas instituições e valores, muitas delas sendo incorporadas pela Constituição de 1988. Desde o início dos anos 90, com a hegemonia global do setor financeiro, as instituições e valores do modelo de substituição de importações sobrevivem até hoje e foram incorporadas sob nova forma e, com rearticulação de formas políticas, na política macroeconômica. Particularmente a política de juros elevados, flutuação cambial e metas de superávit primário, consistentes com a priorização da integração financeira e interesse maior do setor financeiro na solvência pública.

O viés contra o crescimento permeia a Constituição de 1988, iniciando na classificação da despesa pública: a despesa de pessoal e previdenciária é classificada como obrigatória e a de investimentos públicos como discricionária, fazendo com que as despesas de consumo cresçam obrigatoriamente. O ajuste tem ocorrido sempre comprimindo-se os investimentos. Daí o estado lamentável da nossa infraestrutura física e o déficit persistente do setor público, recorrendo sempre para o endividamento para fazer investimento público, que tem permanecido pífio.

Ao vincular o piso previdenciário e os benefícios assistenciais ao salário mínimo nacional, a Constituição de 1988 ampliou significativamente o lobby pelo aumento de salário mínimo, fortalecendo os políticos vinculados a estes grupos de pressão organizados.

Após um retorno muito rápido da confiança e recuperação nas expectativas, em função da mudança de governo, a hora da verdade está chegando, e sem reação na economia nem medidas efetivas de política econômica para a recuperação da economia, a confiança está se esvaindo e as expectativas estão sendo revistas para baixo.

A PEC 241 do teto de gastos, já foi aprovada na Câmara e deverá ser aprovada no Senado esta semana, mas tudo indica que apesar da sua importância vital para a solvência do setor público, e portanto para o setor financeiro, há um viés estagnacionista. A PEC usa conceitos como déficit (superávit) primário, adequados para medir a capacidade de pagamento da dívida pelo governo e não para medir o potencial de investimento público e, portanto o crescimento da economia.

Para isto, o governo deveria ter priorizado o conceito de déficit (superávit) em conta corrente, como define o sistema de contas nacionais. Neste conceito, o déficit público é medido pela diferença da receita corrente e a despesa corrente, neste último conceito inclui-se na despesa os juros pagos e, medindo-se a capacidade de investir do governo, sem recorrer a endividamento, ou seja mede-se a poupança pública.

Como os interesses da grande maioria da população brasileira são difusos, tais como baixa inflação, crescimento econômico sustentado e eficiência dos gastos públicos, e os interesses de grupos especiais são específicos e organizados, estes últimos capturam os políticos e prevalecem sobre o interesse geral da sociedade, como tem acontecido até agora. Assim, dado o viés institucional a que referimos acima, a PEC 241 resultará, sem dúvida, em redução adicional dos investimentos públicos, considerados discricionários. Portanto, deriva da reforma fundamental do governo uma tendência à estagnação do crescimento e não a retomada, como milhões de brasileiros esperavam.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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