segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

Com sua intervenção sobre os ritos a serem obedecidos no processo de tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal Federal atravessou o Rubicão, passando por cima do voto do relator, Edson Fachin, e fez ouvidos moucos à veemência com que o ministro Dias Toffoli sustentava não passar dos limites, que o Poder Judiciário deveria reservar-se diante dos atos emanados do Poder que representa a soberania popular – dois ministros a que não se podem atribuir posições adversas ao governo e a seus dirigentes. Finda a votação, um País perplexo pôde constatar que mais um passo tinha sido dado em direção a um governo de juízes – às favas os escrúpulos com as obras de Habermas e de Dworkin, referências cultuadas entre magistrados –, categoria agora elevada ao status de um pontificado laico, com a confirmação de que não há mais limites para a patológica judicialização da política reinante entre nós.

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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio, ‘O pontificado laico e a República’, O Estado de S. Paulo, 3.1.2016

Aécio Neves: Ano Novo

- Folha de S. Paulo

Em tempos difíceis, o cultivo da esperança implica renovar o nosso estoque de confiança na humanidade. É preciso acreditar que podemos fazer melhor do que já fizemos. Essa é uma boa forma de começar o ano novo.

O ano que passou foi dramático, no mundo e no Brasil. A imagem do menino sírio inerte nas areias da praia turca escancarou a tragédia dos refugiados do Mediterrâneo –e estamos longe de equacionar este drama. Já são mais de 60 milhões os refugiados e deslocados no planeta em função de conflitos étnicos, tribais e políticos.

Não há como não se comover com o retrato de nossa impotência em conter os desmandos e a intolerância que tornam insuportável a vida para boa parte da população mundial. Mas a comoção não basta. Da mesma forma, quando extremistas fanáticos perpetram atos abomináveis de violência, seja na Síria, na Nigéria ou na França, somos conclamados a agir.

Agir significa cuidar do que está ao nosso redor. Dizer não ao radicalismo e à barbárie implica compromisso com a vida, a dignidade, a justiça. Ao longo de 2015, vivemos episódios lamentáveis no Brasil, como a tragédia ambiental de Mariana, a maior de nossa história, e o massacre rotineiro de nossos jovens, como o assassinato de cinco inocentes fuzilados numa triste noite brasileira.

Encerramos o ano imersos no fracasso econômico, fruto de uma gestão política temerária e equivocada. Demos vexame em crescimento, empregos, inflação e equilíbrio fiscal, a ponto de sermos rebaixados e perder o título de bons pagadores.

Sofremos, agora, com uma epidemia de microcefalia que promete ser uma das maiores crises da história da saúde pública no país.

No entanto, as ruas mobilizadas de paixão e vontade, de um lado, e a solidez de nossas instituições, de outro, são indicadores de que nem tudo está perdido.

Mesmo o mundo nos deu boas novas, como o reatamento das relações entre EUA e Cuba e as eleições na Argentina e Venezuela, que sinalizam um distanciamento das ideologias populistas que acabam prejudicando justamente aqueles em cujo nome dizem agir. Há pouco tempo, a Conferência Mundial do Clima terminou com um acordo histórico. São sinais que devem nos animar.

A decisão recente do papa Francisco de canonizar Madre Teresa de Calcutá, Nobel da Paz em 1979 e símbolo maior da caridade e da dedicação desmedida aos esquecidos do mundo, nos enche de esperança nestes dias propícios à reflexão.

Sim, podemos fazer mais. Escassas, as boas notícias devem ser construídas com obstinação, coragem, generosidade. Façamos o bem e o certo. Com gestos e atitudes. Com escolhas. Sempre em direção a uma sociedade mais justa e solidária. A um futuro melhor.

Teremos o 2016 que soubermos construir.
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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

José Roberto de Toledo: As chances dos prefeitos

• Segundo pesquisa exclusiva do Ibope, menos de um terço dos brasileiros pretende votar no prefeito da cidade onde mora

- O Estado de S. Paulo

Em geral, a eleição de 2016 não será fácil para os atuais prefeitos. É o que dizem os próprios eleitores. Segundo pesquisa exclusiva do Ibope, feita a pedido da coluna, menos de um terço dos brasileiros pretende votar no prefeito da cidade onde mora (22%) ou no candidato indicado por ele (8%). A maior parte prefere alguém de oposição (40%) ou diz que não votará em ninguém (16%). O restante não sabe ou não respondeu.

O resultado é ruim para quem está no poder, mas poderia ser pior. Cerca de um terço dos eleitores está indeciso, contrariado com todos os partidos ou nem pensou em eleição. É aí que os candidatos governistas buscarão os votos que lhes faltam. Como será uma campanha curta e sem doações empresariais oficiais, candidatos mais conhecidos levam vantagem – em tese.

A tendência oposicionista reflete problemas locais e a crise nacional, mas a pesquisa mostra que uns prefeitos terão mais dificuldade do que outros. As chances variam segundo a região do País: candidatos de oposição têm maior vantagem no Norte/Centro-Oeste (46%, contra 23% dos governistas) e no Sudeste (42% a 24%) do que no Sul (27% a 33%) e no Nordeste (39% a 41%).

Depende também do partido do prefeito.

Os prefeitos petistas (17%) e seus candidatos (5%) têm, em média, apenas 22% de intenção de voto, contra 33% declarados para candidatos de oposição. É nas cidades administradas pelo PT, porém, que há a maior taxa de indecisos: 29% dizem que não votarão em ninguém, e 16% não souberam responder. Aos prefeitos do PT resta tentar resgatar parte dos 45% de eleitores perdidos pelas incontáveis denúncias de corrupção envolvendo o partido.

A situação talvez seja até pior para o PMDB. Em média, a intenção de voto nos prefeitos do partido (14%) e candidatos apoiados por eles (10%) é tecnicamente igual à dos petistas, mas a declaração de voto em candidatos de oposição aos prefeitos peemedebistas é a mais alta entre todos os partidos: 49%.

Por conta da crise do governo federal, poderia se imaginar que o PSDB seria favorito nos pleitos municipais. Mas a pesquisa Ibope também mostra dificuldade para os prefeitos tucanos. Embora eles tenham taxas de apoio mais altas do que petistas e peemedebistas (26% + 6% a candidatos apoiados por eles), a parcela dos eleitores de municípios governados pelo PSDB que declaram intenção de voto em candidatos de oposição é alta: 45%.

Segundo o Ibope, as eleições nas capitais e nos municípios ao seu redor, ou seja, na periferia das regiões metropolitanas, estão mais abertas do que nas outras cidades.

Nas metrópoles, o eleitor se mostra mais em dúvida sobre em quem votar: 40% não têm candidato ou não sabem responder, contra 23% no interior. Explica-se: nas cidades menores, o eleitor está mais perto dos políticos, os conhece pessoalmente, sabe quem é quem. Como consequência, os alinhamentos eleitorais são mais precoces.

Nos municípios interioranos, 44% declaram preferência por um candidato a prefeito de oposição à atual administração. É uma taxa maior do que nas capitais (33%) e periferias (36%). Mas o apoio aos prefeitos no poder ou a seus candidatos também é maior nas cidades do interior: 33%, contra 27% nas capitais e 24% nas cidades do seu entorno. O resultado da eleição nessas cidades menores dependerá, portanto, do número de candidatos fortes.

Na grande maioria dos municípios do interior não há segundo turno, porque o eleitorado não chega a 200 mil pessoas.

Teoricamente, a diferença de 11 pontos a favor da oposição detectada pelo Ibope seria suficiente para um oposicionista conquistar a prefeitura. Mas isso só acontecerá se a oposição se unir. Com, em média, 37% das intenções de votos nas cidades de até 50 mil habitantes, o governista tende a vencer se os 40% de oposicionistas se dividirem entre dois candidatos ou mais.

Valdo Cruz: Melado azedo

- Folha de S. Paulo

Jaques Wagner é visto como um dos petistas mais abertos ao diálogo e confiáveis dentro do PT até pela oposição, que chega a dizer que, se ele tivesse virado chefe da Casa Civil desde o início do governo, a presidente Dilma Rousseff estaria hoje em melhor situação.

Suas avaliações, por vezes, causam desconforto entre seus pares por serem realistas e não fugirem do assunto. Foi assim ao dizer que o PT errou ao adotar métodos antigos da política ao analisar os efeitos da Operação Lava Jato sobre a sigla.

Chegou a afirmar que sua legenda acabou como naquela velha história: "Quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza".

Tal frase, em especial, não deve ter agradado nem um pouco os petistas, mas deveria servir de reflexão se eles querem reerguer a sigla que chegou ao poder como a mais identificada com a luta contra a corrupção. Hoje, está bem enrolada no escândalo do petrolão.

O fato é que a cúpula petista teima em negar o que se tornou público. Seria bem melhor fazer um mea culpa e consertar os estragos causados pelo desvio de caminho.

Justo reconhecer que a postura avestruz do PT em nada difere da de outras legendas, mais bem treinadas no quesito negociatas como bem disse Wagner. Mas aí estaria o diferencial que o partido mostraria ao país, fazendo jus à sua origem.

O ministro diz que o erro original do PT foi não ter batalhado pela reforma política tão logo conquistou o poder. Tinha, ali, capital político para mudar a estrutura política brasileira. Hoje, não tem mais.

O que dificulta uma reforma política e reforça, como lembra Jaques Wagner, a profecia de Ulysses Guimarães. Se você reclama do atual Congresso, espere o próximo, ele será pior. Nada mais verdadeiro.

Hoje, os presidentes das duas Casas estão sob investigação. Deputados trocam tapas e tentam destruir cabines de votação no plenário. Se o próximo for pior, socorro!!!

Marcos Nobre: A loucura política tem método

• Interessa ao sistema político que o ano não termine

- Valor Econômico

Um dos poucos consensos do momento atual é a certeza de que 2015 precisa acabar. E, no entanto, o ano findo ameaça se esticar. Em especial, março de 2016 surge desde já como momento de continuidade no que 2015 teve de pior. Será um mês de confluência de instabilidades de procedências diferentes e perigosas. Qual a chance de um processo de impeachment prosperar em um ambiente de alta instabilidade como esse? Não, essa não parece ser a pergunta mais pertinente. O que importa perguntar é: que sentido tem o impeachment em um quadro como esse? É só aí que se vê o quanto o impeachment serve ao caos lógico em que se encontra o sistema político. Mantém a instabilidade sem se comprometer com uma saída concreta específica rumo a alguma estabilização.

Um impeachment mantido em rédea curta é a expressão perfeita da insanidade lógica que tomou conta do sistema político desde o início de 2015. Eduardo Cunha colocou a carta na mesa, mas o jogo ele mesmo foi suspenso. O presidente da Câmara acolheu um pedido de impeachment e o Congresso entrou em recesso em seguida. Lá se foram em recesso, como se um instituto de último recurso como o impeachment pudesse ser tratado com um projeto de lei de denominação de rua.

É já loucura para ninguém botar defeito. Mas, como diz o falso conselheiro Acácio de Hamlet, Polonius, há método nela. Em um contexto de grande incerteza, manter o impeachment em banho-maria é ficar com um pé em cada barco para poder pular na hora certa, quando estiver claro que o outro vai afundar de vez. A Lava-Jato ainda não decretou definitivamente quem fica e quem cai, a grande maioria dos partidos não sabe quanto dura o equilíbrio interno atual, as lideranças têm caráter provisório.

E isso vale também para um partido que conta como sendo de oposição, o PSDB. Os tucanos devem continuar fraturados de maneira irremediável. A frágil unidade do partido em torno do impeachment durou o tempo de seu anúncio público por Fernando Henrique Cardoso. Para a parte do PSDB vinculada ao projeto do senador José Serra é preciso manter o impeachment vivo a todo custo. Para quem está com Aécio Neves, o projeto do impeachment já foi abandonado e só será novamente aceito (a contragosto) caso as ruas fiquem entupidas de gente querendo a cabeça de Dilma Rousseff. Para Aécio, as energias se voltaram para tentar a cassação (altamente improvável) no TSE da chapa vencedora da eleição de 2014. Ou mira já diretamente a eleição de 2018. Geraldo Alckmin está acuado pela ruína geral das finanças dos Estados e municípios e por uma baixa expressiva em sua taxa de aprovação. Quer apenas condições para apresentar uma candidatura presidencial viável em 2018.

O sistema político como um todo virou as costas para a economia, para o sofrimento social, para as finanças públicas. Só o que se pensa é quem vai conseguir adiar a própria degola. Pior, também não falta quem perca tempo em calcular quem vai ganhar com essa desgraceira toda. Parece longe a percepção de que ninguém vai ganhar com isso. Não se trata apenas de lembrar que também figuras importantes de oposição apareceram e continuam a aparecer nas bordas da Lava-Jato - oposição que está tanto dentro do governo como fora dele, aliás. Faz mesmo parte da insanidade lógica da situação atual a ilusão que haverá ganhadores. É uma ilusão tão poderosa que empurra o sistema para uma fragmentação cada vez maior.

Tudo ficou para março. Mas não há como esticar 2015 indefinidamente. Há um limite temporal para a desfaçatez do sistema político. É altamente improvável que um processo de impeachment seja levado a coincidir com as eleições municipais do segundo semestre. Também é altamente improvável que aconteça depois de decorridos dois anos de mandato, já que, nesse caso, a substituição da atual presidente e do atual vice-presidente seria por eleição indireta, pelo Congresso. O limite para o processo de impeachment é julho, portanto.

Mas se, como é provável, Eduardo Cunha for afastado da presidência da Câmara até o mês de março, sua saída coincidirá com alguns outros acontecimentos que provocarão tumulto ainda maior no sistema político. Sendo improvável que o sucessor imediato de Cunha no comando da casa venha a assumir o cargo, haverá nova eleição para Presidente da Câmara. Não bastasse uma confusão desse porte, também será em março a Convenção Nacional do PMDB que deverá decidir se fica ou se rompe com o governo. Para colocar ainda mais lenha na fogueira, uma das grandes novidades da baderna legislativa promovida por Eduardo Cunha em 2015 é que o prazo de filiação partidária para concorrer às eleições foi reduzido para seis meses.

Feitas as contas, o prazo se encerra em primeiro de abril, com piada pronta e tudo. Também o STF deu sua contribuição, ao fixar que a fidelidade partidária diz respeito apenas a mandatos obtidos em eleições proporcionais. Estão liberados do compromisso presidente, governadores, prefeitos, vices e senadores. Ou seja, a revoada partidária e seu rastro de destruição também acontecerá em março. Sem nem mesmo contar o agravamento do sofrimento social, fica patente que será um mês de completo desgoverno, em que quase qualquer coisa poderá acontecer.

O sistema político está esfacelado e continuará a se esfacelar ainda mais. Sequer faz mais sentido falar em governo e oposição. Não há como formar base de apoio ao governo nem como formar uma aliança alternativa, capaz de derrubar o governo e constituir um novo, sem Dilma Rousseff. O impeachment se tornou uma escolha entre a desgraça conhecida e o infortúnio incógnito. Mais grave ainda, o instituto mesmo do impeachment se desmoralizou. Recurso constitucional legítimo e da mais alta importância, tornou-se sinônimo de farsa e de alheamento do sistema político à mais severa crise social e econômica em mais de duas décadas. 2015 não é ano para ser esquecido. Pelo contrário, seus estragos precisam ser urgentemente reparados. Mas isso só será possível quando deixar de prevalecer o interesse do sistema político de que 2015 não termine.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Lionel Zaclis: O impeachment no Senado da República

- O Estado de S. Paulo

Ao votar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.° 378, o ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou que a competência do Senado abrange “a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara”, o que se basearia em três ordens de argumentos: 1) ser essa a única interpretação possível à luz da Constituição de 1988; 2) corresponder à interpretação adotada pelo STF em 1992, quando do impeachment do presidente Collor; e 3) tratar-se de entendimento que, mesmo proferido sem força vinculante, foi incorporado à ordem jurídica.

Com a devida licença, tais fundamentos não se compatibilizam com o decidido no Mandado de Segurança n.° 21.564-DF, impetrado pelo então presidente Collor. Senão, vejamos. O relator sorteado, ministro Gallotti, deferiu o pedido tal como formulado, porém o ministro Carlos Velloso divergiu, para o fim de restringi-lo ao aumento do prazo de defesa do impetrante perante a Câmara dos Deputados.

De acordo com o Regimento Interno do STF, o ministro Velloso foi designado para redigir o acórdão e a respectiva ementa, pois seu voto aglutinou a maioria dos votos no tocante à redução do âmbito do mandado. No capítulo concernente às competências da Câmara e do Senado, o ministro Velloso citou trecho de artigo do saudoso professor Miguel Reale em que afirma caber à Câmara editar um juízo político quanto à admissibilidade da acusação, enquanto é do Senado a competência exclusiva para o processo e o julgamento do acusado. E logo em seguida à transcrição do ensinamento de um dos nossos maiores juristas, jusfilósofos e advogados, prosseguiu o ministro Velloso dizendo: “Neste (no Senado) é que a denúncia será recebida, ou não”.

Uma leitura menos atenta de seu voto poderia até dar a impressão de que também a assertiva realçada comporia o artigo do professor Miguel Reale. Na realidade, porém, não é o que acontece, pois nada há nesse sentido no trabalho enfocado.

Portanto, tal afirmação reflete, simplesmente, uma opinião do ministro Velloso, que ao redigir a ementa do julgamento para lá a transportou, de modo que quem se limita a lê-la é levado a supor que reflete o entendimento da maioria vitoriosa, o que não corresponde à verdade.

Além de não contar com o apoio do professor Miguel Reale, destoa da posição dos demais ministros que trataram do assunto. Exemplo marcante é o voto do ministro Celso de Mello, no qual afirma que ao Senado Federal se impõe, ante a autorização da Câmara dos Deputados, a necessária instauração do processo, com todas as consequências jurídico-constitucionais daí emergentes. Aponta que esse caráter vinculado foi exposto pelo professor José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 473, 5.ª ed., 1989, RT), ao afirmar que o texto do artigo 86 da Constituição federal não deixa ao Senado a possibilidade de emitir juízo de conveniência sobre instaurar ou não o processo, pois que esse juízo de admissibilidade refoge à sua competência, já tendo sido feito por quem cabia.

Além disso, o ministro Celso de Mello invoca as lições de outros juristas, nacionais e estrangeiros, em especial a constante da obra do ministro Paulo Brossard (O Impeachment, pp. 7 e 10, itens 8a e 8f, 2.ª ed., 1992, Saraiva), para quem o impeachment do presidente da República por crimes de responsabilidade se desenrola no Senado, desde sua instauração até o julgamento final, após autorização da Câmara dos Deputados, sendo que, uma vez autorizado, não pode deixar de instaurá-lo.

O ministro Sepúlveda Pertence deixou claro que a autorização da Câmara vincula, e não apenas libera o Senado, mesmo porque tem o significado de recebimento de denúncia.

Por sua vez, o ministro Néri da Silveira declarou, expressamente, que acompanhava o voto dos ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard. O outro integrante da maioria, ministro Sidney Sanches, não se manifestou a respeito do assunto. Desse modo, internamente à maioria constituída, a verdade é que apenas o ministro Carlos Velloso mencionou – e mesmo assim apenas en passant, sem invocar nenhum fundamento jurídico válido – a possibilidade de o Senado recusar-se à instauração do processo. Os demais votaram no sentido de que, uma vez autorizado pela Câmara, o processo deve ser necessariamente instaurado pelo Senado, ao qual não cabe a opção de recusá-lo.

Ora, sendo assim, não é curial que da ementa do v. acórdão no mandado de segurança em foco possa constar, em seu item III, o trecho segundo o qual “(...) neste (no Senado) é que a denúncia será recebida, ou não, dando que, na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusação, a partir da edição de um juízo político...”. Logo, a ementa examinada não retratou fielmente o resultado do julgamento.

Em vista do acima demonstrado, conclui-se, com a devida vênia, que nenhuma das três ordens de argumentos invocadas pelo ministro Barroso justifica seu entendimento de ser possível ao Senado Federal recusar-se a instaurar o processo de impeachment, uma vez autorizado pela Câmara dos Deputados. Em primeiro lugar, porque essa afirmativa decorre de uma interpretação jurídica e logicamente impossível do texto constitucional. Em segundo lugar, porque não corresponde à dada pelo STF no Mandado de Segurança 21.564, de 1992, aliás, muito ao contrário, de modo que a necessária segurança jurídica exige sua reiteração, pelo mesmo tribunal, no julgamento da ADPF 378. E em terceiro e último lugar, essa impossibilidade de recusa do Senado à instauração do processo reflete entendimento que, mesmo não tendo sido proferido pelo STF com força vinculante, se acha incorporado à ordem jurídica brasileira.

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Advogado, mestre e doutor em direito pela USP, Lionel Zaclis é conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo

Gustavo Loyola: Mais um ano perdido

• Políticas equivocadas jogam o país diante da perspectiva de ter mais uma "década perdida", saudades dos anos 1980

- Valor Econômico

Há cerca de um ano, na última divulgação do Boletim Focus de 2014, as previsões dos analistas para 2015 já não eram nada brilhantes. Previa-se em média um crescimento do PIB de 0,55%, uma inflação de 6,53% e um taxa de câmbio de R$ 2,80 em relação ao dólar americano no final do ano. Mas, a realidade acabou sendo muito pior. O ano passado ficou marcado por uma forte queda do PIB (em torno de 3,7%) e uma inflação que chegou perto dos 11%. Foi mais um ano perdido para os brasileiros, em que foram destruídos mais de um milhão de empregos formais, um indicador negativo que não ocorre há décadas.

Muitas coisas deram errado. A escolha de Joaquim Levy para Fazenda indicava que Dilma havia finalmente optado por abandonar a irresponsabilidade fiscal que marcara seu primeiro mandato. Porém, as expectativas otimistas logo se frustraram, diante da fraqueza política do governo em obter do Congresso Nacional as medidas necessárias para o ajuste fiscal. Logo essa frustração se transformou em desânimo quando se tornou claro que Levy tinha virado alvo de setores petistas viúvos da dupla Mantega e Augustin. Em meio à crise política, as expectativas desabaram continuadamente ao longo de 2015. O Brasil perdeu o grau de investimento. Como consequência de tudo isso, a economia padeceu, em 2015, simultaneamente de dois males terríveis: recessão e inflação.

As más recordações do ano terrível de 2015 poderiam ser mitigadas se as expectativas para o Ano Novo fossem otimistas. Infelizmente, não é assim. Voltando ao Focus, em sua derradeira divulgação de 2015, as previsões para 2016 são de continuidade da recessão e da inflação elevada. São esperadas uma queda do PIB de 2,7% e uma inflação de 6,5%. Com tais indicadores, o desemprego deve continuar aumentando ao longo do ano com um fechamento de vagas formais de trabalho em número igual ou superior ao observado em 2015.

O quadro pessimista para 2016 é fruto da combinação de dois fatores que se inter-relacionam. O primeiro é a absoluta incapacidade de os agentes econômicos anteciparem um cenário favorável no campo político. O processo de "impeachment" da presidente e as repercussões da "Lava-Jato" sobre as principais lideranças do Congresso sugerem um cenário conturbado e incerto totalmente desfavorável à adoção das medidas de ajuste e das reformas que se fazem necessárias para a normalização da economia. O segundo é o percebido enfraquecimento, no seio do próprio governo Dilma, da determinação de realizar o ajuste fiscal e de praticar políticas macroeconômicas responsáveis. O processo de fritura de Levy e sua substituição por Nelson Barbosa não sinalizam na direção da perseverança no ajuste, mas sim no rumo contrário, o do atendimento das reivindicações de setores do PT e dos governadores pela abertura dos cofres públicos à gastança geral.

Ao contrário do início de 2015, quando algum grau de otimismo ainda era possível, agora parece muito difícil crer numa virada favorável em 2016. Provavelmente, teremos mais um ano perdido para o Brasil. Para tornar as coisas ainda mais complexas, a inação no campo das reformas está levando as contas públicas a uma situação incontornável, tendo em vista as pressões demográficas sobre a Previdência Social e o crescente engessamento dos orçamentos públicos, prisioneiros de uma sociedade em que os incentivos para o "rent seeking" são crescentes. Além disso, as políticas equivocadas dos últimos anos e a ausência de investimentos estão derrubando o potencial de crescimento da economia brasileira, jogando o país diante da perspectiva de ter mais uma "década perdida" que pode deixar saudades dos anos 1980.

Em meio ao desastre de 2015, é possível pinçar alguns fatos positivos que podem ser de alguma valia na difícil caminhada de 2016. Os preços administrados foram ajustados. A balança comercial voltou a ter superávits e o déficit em conta-corrente diminuiu, tendência que deve se manter neste ano. A política fiscal ganhou maior transparência e grande parte das "pedaladas" foi regularizada em 2015. O Banco Central mostrou ter mais autonomia na política monetária. Caso o novo ministro da Fazenda tenha a convicção e o apoio para manter a responsabilidade fiscal e o BC continue a operar de forma autônoma, é possível que a queda da inflação em 2016 e a percepção de uma melhora relativa nas contas públicas possam contaminar positivamente as expectativas e abrir espaço para modesta recuperação da economia a partir do segundo semestre do ano.

De toda maneira não devemos ter maiores ilusões. Tal recuperação, se houver, terá caráter cíclico e não significará a retomada do potencial de crescimento, nem a mudança do regime fiscal brasileiro. O problema continuará sendo fundamentalmente o da ausência de percepção entre os agentes políticos da urgência e da necessidade de mudanças na economia brasileira, por meio de reformas que estimulem o aumento da produtividade e do investimento. Tal situação, lastimavelmente, não deverá mudar pelo menos enquanto o PT estiver no poder.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

Vinicius Mota: Uma mãe para os ricos

- Folha de S. Paulo

O Tesouro Nacional está tomando dinheiro na praça com a promessa firme de pagar juros fabulosos, e por períodos longos, aos emprestadores.

Que tal quase duas décadas com remuneração de 6% ao ano acima da inflação, já abatidos impostos e taxas? O patrimônio real vai triplicar. Quem emprestar R$ 1 milhão ao governo terá de volta, ao final do período, seu dinheiro corrigido pelo IPCA e mais R$ 100 mil por ano, em média.

O Tesouro de Mamãe Rousseff fecha esse negócio da China, ou do Brasil, todos os dias. Não o faz por boniteza, mas por necessidade, derivada da voraz expansão estatal nos últimos seis anos.

Mamãe, entretanto, é apenas intermediária passageira nessa relação perpétua entre devedores e credores. Os empréstimos constituem obrigações intertemporais do mais amplo conjunto da população, que paga os impostos, com uma parcela menor e mais rica de poupadores.

Se em menos de 20 anos o patrimônio de felizardos credores da dívida pública poderá triplicar, a produção nacional vai levar quase 40 anos para multiplicar-se por três, sob a hipótese bastante otimista de que o PIB cresça 3% na média anual.

Não é difícil antever os efeitos sociais, econômicos e políticos desse descompasso: concentração da renda, freio na produtividade, exacerbação do conflito tributário e orçamentário, além da deterioração dos serviços prestados pelo governo.

A política da gastança produziu uma sociedade tendencialmente desigual e belicosa. A gestão Rousseff, mais isolada após a queda de Joaquim Levy, dificilmente mudará o curso do transatlântico. A opção remanescente é reduzir a marcha e retardar ao máximo o momento do impacto.

Resta torcer pelo bônus pedagógico. Talvez o trauma fique gravado na memória das instituições e dos cidadãos. Gastar com prudência o dinheiro da sociedade é um princípio progressista de governo.

Sujeito oculto – Editorial / O Estado de S. Paulo

Na gramática do governo petista, o responsável pela imensa crise atual é oculto por elipse. A presidente Dilma Rousseff cometeu erros primários, mas nem ela nem seus auxiliares são capazes de vir a público e assumir, em primeira pessoa, a autoria do desastre que se revela a cada novo balanço da economia. Tome-se, por exemplo, uma recente entrevista do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, na qual ele admitiu os “erros que foram cometidos em 2013 e 2014”. Não é preciso ser catedrático em análise sintática para perceber que a voz passiva serve para esconder o sujeito que senta na cadeira presidencial e que, por sua única e exclusiva responsabilidade, colocou o País na trilha do caos.

Na entrevista, dada à Rádio Metrópole, de Salvador, Jaques Wagner fez um diagnóstico preciso dos problemas criados pela gestão temerária da economia no governo Dilma. O ministro listou, entre os “erros que foram cometidos”, a “desoneração exagerada” e os “programas de financiamento que foram feitos num volume muito maior do que a gente aguentava”. Embora tratados pelo petista como se fossem obras do acaso ou tivessem caído dos céus, essas medidas são parte da chamada “nova matriz econômica”, monstrengo que assegurará a Dilma um lugar de honra na galeria dos piores presidentes da história do Brasil.

A tal matriz é obra do, por assim dizer, pensamento de Dilma, desde sempre convencida de que o Estado tem recursos infinitos e que, por essa razão, deve ser o grande responsável pelo desenvolvimento do País. Não há cofre público que baste para tamanha falta de juízo, como sabe qualquer estudante novato de economia, mas afinal não é possível discutir de forma racional com quem governa acreditando que basta “vontade” para que se realize a “justiça social”.

Como a “nova matriz econômica” é fruto de ideologia, e não de planejamento sensato, seus graves reveses são tratados não como se fossem um problema do modelo em si, e sim como resultado de uma combinação de fatores externos, sabotagem da oposição e, claro, má sorte. Mesmo quando reconhecem os erros, Dilma e seus ministros tratam logo de dizer que o problema é sempre dos outros. “Eu sei que isso não consola, mas no mundo inteiro nós estamos vivendo uma fase de economia complicada”, disse o chefe da Casa Civil na entrevista.

Quando resolveu dar um nome ao sujeito da crise, o ministro, previsivelmente, elegeu Joaquim Levy, visto pelos petistas como o verdugo dos pobres. Ministro da Fazenda, Levy foi o responsável por aplicar o “remédio que virou veneno”, que “mata o paciente”, disse Wagner. “O Levy tinha uma visão muito específica do livro-caixa, do cofre, então ele estava obcecado por aquilo ali”, opinou o ministro. “Aquilo ali”, enfatize-se, é o equilíbrio das contas públicas, sem o qual não é possível manter os programas sociais tão caros ao PT de Wagner.

Mas a farsa do ajuste fiscal – que não foi feito na dimensão necessária porque Dilma nunca o bancou para valer – serve bem aos propósitos populistas dos petistas. “Já cortamos neste ano mais de R$ 130 bilhões, entre programas e despesas. Mas chega um ponto em que, se você cortar mais, vai matar o paciente”, disse Wagner. E ele foi didático: “Tem seca no Nordeste, tem enchente no Sul, tem zika vírus com microcefalia, tem que gastar dinheiro para combater o mosquito. Isso tudo é dinheiro, o que vou fazer? Vou dizer para o cara: ‘Amigo, você está com microcefalia, mas meu ajuste fiscal diz que não posso lhe dar dinheiro, morra’. Não pode ser assim”.

Para os petistas, portanto, ajuste fiscal significa deixar morrer os doentes nos hospitais negando-lhes atendimento por economia de recursos, como se o dinheiro já não faltasse em razão justamente da irresponsabilidade dos governantes, a começar pela própria presidente Dilma Rousseff. Que ninguém se engane: a “autocrítica” malandra que Jaques Wagner ensaiou, calculada para dar a impressão de que vem aí uma nova fase no governo, nada mais foi do que um pretexto para reafirmar as mesmas crenças que empurraram o País para o abismo

Reforço na Lava- Jato

• Janot amplia grupo de investigadores de olho no aumento das ações contra políticos


Jailton de Carvalho - O Globo

BRASÍLIA - A Operação Lava- Jato, um pesadelo na vida de muitos políticos e empresários influentes há quase dois anos, vem ganhando reforços. No início de dezembro o procurador- geral, Rodrigo Janot, deu uma clara indicação do trabalho que terá pela frente: reforçou o grupo de trabalho encarregado das investigações sobre deputados, senadores e ministros com mais 4 investigadores e criou um grupo especial com 5 subprocuradores para atuar com exclusividade nos recursos da Lava- Jato no Superior Tribunal de Justiça ( STJ).

Uma fonte da investigação prevê que até julho os trabalhos em Curitiba ( PR), onde está concentrada parte da força- tarefa do Ministério Público, chegarão ao fim. Até lá, o juiz Sérgio Moro deverá ter concluído todos os processos abertos até agora, na avaliação dessa fonte. Porém, os desdobramentos da Operação Lava- Jato nas demais instâncias judiciais e a abertura de novas investigações contra políticos com foro privilegiado ainda não permitem prever um horizonte.

Com isso, a linha de frente das investigações sobre o envolvimento de políticos, empreiteiros, lobistas, doleiros e servidores públicos com a corrupção na Petrobras terá em 2016 um exército de mais de 30 procuradores, subprocuradores e promotores. Trata- se do maior número de investigadores, só do Ministério Público, destacados para atuar num mesmo caso. Nenhum outro escândalo do país mobilizou tanta mão- de- obra.

— Vem muita coisa forte por aí e não vai demorar muito — afirma a fonte vinculada ao caso, acrescentando que nos próximos meses, a forçatarefa deverá botar na praça mais uma grande operação.

A equipe com a missão mais espinhosa, o grupo de trabalho vinculado ao gabinete de Janot, era formado por nove investigadores, sob a coordenação do procurador Douglas Fischer. No início deste mês, Janot destacou mais quatro investigadores para reforçar o grupo, que tem como tarefa investigar deputados federais, senadores e ministros suspeitos de envolvimento ou de serem beneficiários das fraudes na Petrobras e em outras áreas da administração pública.

Frente para investigar políticos
Com base na apuração do grupo, Janot pediu no início do ano abertura de inquérito contra mais de 50 políticos, entre eles 13 senadores e 24 deputados federais. Masa demanda cresceu especialmente depois das delações do empresário Ricardo Pessoa e do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, e devem aumentara inda mais com novos acordos de delação premiada e com as recentes buscas realizadas em endereços do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), do ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Até agora já foram fechados 35 acordos de delação premiada.

— Teremos mais dois anos de tensão. Mas os efeitos da Lava- Jato podem se prolongar por mais cinco ou até dez anos — arrisca o chefe de uma das bancas de advocacia que atua na Lava- Jato.

A nova equipe do STJ é formada pelos sub-procuradores-gerais Francisco de Assis Vieira Sanseverino, Áurea Maria Etelvina Pierre, José Adonis Callou de Araújo Sá, Maria Hilda Masiaj Pinto e Mário José Gisi. Eles terão como missão fazer frente a demanda de habeas corpus e recursos especiais que estão chegando no STJ contra decisões da primeira instância.

A criação da força- tarefa foi sugerida pela 5 ª Câmara de Coordenação e Revisão e acolhida pelo procurador- geral. A ideia de Janot é defender a Lava- Jato num campo delicado: a confirmação no STJ das decisões do juiz Sérgio Moro, da 13 ª Vara Federal, de Curitiba.

— O que se prevê é que, a partir de agora, muitos recursos vão chegar ao STJ depois de passarem por tribunais regionais federais. Por isso, se criou essa força- tarefa — explica uma das autoridades do caso.

Desde o início do ano também, a equipe da vice-procuradora-geral, Ela Wiecko, já conduz, no âmbito do STJ, as investigações sobre o suposto envolvimento de governadores com desvios na Petrobras. No momento, estão abertos dois inquéritos no STJ contra os governadores do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e do Acre, Tião Viana ( PT), e um contra o ex- ministro Mário Negromonte, conselheiro do Tribunal de Contas da Bahia. Mas as investigações podem ser ampliadas se confirmadas as suspeitas contra um magistrado citado no início do caso.

A força-tarefa de Curitiba, coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol, conta com 12 investigadores. O grupo foi criado por Janot em abril do ano passado com um número menor, mas cresceu de acordo com a demanda. Com a supervisão do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o grupo costurou os primeiros acordos de delação premiada e com isso abriu as portas da corrupção entranhada na Petrobras. Desde o início dos trabalhos da Lava- Jato, há mais de 21 meses, já foram bloqueados R$ 2,4 bilhões em bens e dinheiro em contas bancárias de pessoas envolvidas no esquema de corrupção.

Delações refeitas
Os acordos com o ex- diretor Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef e o lobista Júlio Camargo, entre outros, levaram à prisão pela primeira vez na história do país donos de grandes empreiteiras e criaram as bases para as investigações contra deputados federais, senadores e ministros em curso no STF.

Colegas dos procuradores de Curitiba entendem, no entanto, que o trabalho não ficou completo. Depois da primeira fase dos acordos, procuradores do grupo de trabalho, de Brasília, tiveram que interrogar novamente alguns investigados, entre eles Júlio Camargo. Só então, Camargo abriu o jogo em relação dois importantes nomes, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB- RJ) e o ex-ministro José Dirceu.

Mais recentemente, a força-tarefa de Curitiba denunciou o fazendeiro José Carlos Bumlai por intermediar falsos empréstimos do Banco Schahin para o PT. O caso teve forte repercussão. Bumlai é suspeito de usar o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para intermediar negócios entre empresas privadas e o governo.

Parte das investigações da primeira instância já foi transferida para varas federais no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre outros estados. Ou seja, a Lava- Jato deverá reduzir o ritmo em Curitiba enquanto ganha fôlego em outras praças.

— Parece que a Lava- Jato não terá fim — conclui um procurador.

MP da leniência vai permitir recursos ilícitos a partidos, afirma procurador

Por André Guilherme Vieira – Valor Econômico

SÃO PAULO - A medida provisória 703 permitirá ao governo barrar o avanço das investigações da Operação Lava-Jato, garantindo que as empresas investigadas celebrem acordos sem revelar fatos novos, e que os partidos da base aliada preservem esquemas espúrios de financiamento ilícito. A avaliação é do procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da investigação federal com base em Curitiba.
A MP alterou a redação da lei Anticorrupção, mitigando o risco de que empresas corruptas sejam declaradas inidôneas e, consequentemente, impedidas de contratar novamente com o Poder Público.

"É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária atual", afirma Lima.

Para o procurador, um dos principais estrategistas dos acordos de delação premiada e de leniência celebrados na Lava-Jato, com a edição da MP 703 o governo mantém os acordos sob o seu controle e passa uma mensagem clara às empresas: "O Poder Executivo não só manietou a Controladoria Geral da União (CGU), colocando-a sob o tacão da Advocacia-Geral da União (AGU), como também avisou todos os agentes econômicos que, caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes".

Lima é categórico ao afirmar que a MP da leniência vai influenciar diretamente os trabalhos da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) para apurar a corrupção entre agentes políticos e econômicos.

"Essa medida provisória trará reflexo imediato no trabalho da força-tarefa Lava-Jato. Mas não um reflexo positivo, como seria de se esperar se essa medida fosse editada com base no interesse público. O que vai acontecer é um simulacro de procedimento perante a Controladoria-Geral da União", afirmou.

De acordo com Lima, a empresa pode escapar da inidoneidade "sem a entrega de dados novos sobre infrações e sem a obrigação, prevista na lei anterior, de que novos acordos com outras empresas somente poderiam ser celebrados se houvesse a apresentação de provas de novos crimes". A consequência, segundo Lima é que "todas as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras estarão livres de punições severas apenas com a admissão de sua responsabilidade em fatos já conhecidos".

Na opinião do procurador, está claro que o objetivo do governo federal é "evitar que novas empresas procurem o Ministério Público Federal para novos acordos de leniência, nos termos duros que buscam apenas o interesse público de se ampliar as investigações".

Ele condena a inserção facultativa do MPF como parte do acordo de leniência previsto na MP. "Somente o Ministério Público pode estabelecer se o conteúdo fornecido pela empresa leniente é suficiente do ponto de vista da prova, porque é o único órgão que possui a visão global das investigações, muitas delas realizadas sob sigilo de Justiça", disse, indagando em seguida: "como pode a CGU, ou a AGU, dizer que o acordo é suficiente em relação aos fatos investigados? ".

O procurador regional da República faz contundente crítica ao discurso repetido pelo governo federal de que é preciso "salvar" as empreiteiras flagradas em corrupção na Petrobras:

"Querem salvar essas empreiteiras? Então que suas ações sejam desapropriadas e que os valores devidos aos acionistas sejam bloqueados para o ressarcimento completo do prejuízo que esses mesmos acionistas causaram, na sua maioria, direta e dolosamente, ao patrimônio público. Depois, pouco a pouco, da forma que o mercado de ações permitir, essas ações podem ser democraticamente vendidas, com o retorno dos valores ao governo federal", propõe.

Para Lima, a intenção do governo está clara: "a pretensão verdadeira do governo, sob o 'non sense' de dizer que não se deve punir as empresas, mas sim os seus dirigentes apenas, é exclusivamente a de salvar o capital dos estimados financiadores das caríssimas campanhas eleitorais". O procurador afirmou que a lei anticorrupção deveria ser o começo de uma legislação mais ampla, que previsse também a responsabilidade penal da pessoa jurídica. "A Lei Anticorrupção existe sim para se punir empresas, existe sim para punir seus dirigentes, existe também para punir agentes públicos, sejam agentes políticos ou não. Ela deveria ser apenas o começo", afirmou.

Carlos Fernando dos Santos Lima considera ainda que o texto da MP da leniência é ambíguo, não deixando claro, por exemplo, se uma empresa por ela beneficiada estará isenta de eventual ação do MPF:

"Trata-se de uma redação propositadamente aberta, permitindo que as empreiteiras que venham a ser favorecidas pelo governo federal possam abrir inúmeras discussões judiciais acerca dos limites dos benefícios alcançados".

Três acordos de leniência com empreiteiras investigadas por corrupção na Petrobras foram firmados em 2015 com o MPF, antes da edição da MP 703. Eles envolvem a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e o Grupo Sog/Setal.

Destinos de Cunha e Dilma podem se definir em março

Por Vandson Lima, Thiago Resende e Maíra Magro – Valor Econômico

BRASÍLIA - Uma série de eventos decisivos para os rumos da política nacional tende a encontrar seu desfecho em um mesmo mês de 2016. A conclusão dos processos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, de cassação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética, da possível rejeição às contas presidenciais de 2014 por causa das chamadas "pedaladas fiscais" e até do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação aos processos que pedem a cassação da chapa presidencial que elegeu Dilma e Michel Temer (PMDB) devem convergir para março.

O próprio Cunha deu a senha ao afirmar, em café da manhã com jornalistas, que os desenlaces das ações podem se chocar e tendem a se influenciar mutuamente. O Legislativo retoma as atividades em fevereiro, mas já na segunda semana ocorrerá o Carnaval, que paralisa os trabalhos. Ao falar do impeachment, Cunha afirmou: "A nossa expectativa é, calculando com alguma cronologia, que até o fim de março a Câmara conclua seus trabalhos. (...) Além disso, tem o processo no Conselho de Ética. Pela previsão atual, a decisão final fica para março", avaliou. "Da minha parte, quanto mais célere a conclusão, melhor."

O prazo para Cunha apresentar sua defesa acaba no começo de fevereiro. Depois disso, o relator tem 40 dias úteis para a fase em que levanta provas e ouve testemunhas. Depois serão mais dez dias úteis para apresentar o parecer final. Este será o rito se Cunha não obtiver sucesso novamente em cancelar a sessão que abriu o processo contra ele. Um recurso do deputado Carlos Marun (PMDB-MS) foi apresentado contra a decisão do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), de negar um pedido de vistas ao parecer do deputado Marcos Rogério (PDT-RO) sobre a admissibilidade da representação, com o argumento de que o pedetista apenas acolheu as informações do relatório do deputado Fausto Pinato (PRB-SP), afastado da relatoria em uma manobra de aliados de Cunha.

No caso do impeachment, o processo terá de ser refeito após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender o rito definido por Cunha. A Corte decidiu anular a eleição em votação secreta de chapa alternativa, formada por deputados da oposição e dissidentes da base, e dar mais poder ao Senado, entendendo que a Casa não precisa seguir eventual decisão da Câmara de dar sequência ao processo.

Apesar da recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de rejeição das contas do governo Dilma em 2014, o relator na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), aliado do governo, deu parecer pela "aprovação com ressalvas". Seu relatório precisa ainda ser votado na CMO e no plenário do Congresso por deputados e senadores. Na CMO, os integrantes terão até o dia 13 de fevereiro para apresentar emendas e, em seguida, o relator terá até 15 dias para apresentar seu parecer final. Votado pelo colegiado, o texto segue para análise conjunta do Congresso.

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os processos terão novos andamentos a partir da segunda quinzena de fevereiro. Um deles é a ação de impugnação de mandato (Aime), em que o PSDB alega abuso político e econômico na campanha de Dilma em 2014. Até a segunda semana de fevereiro, Dilma e Temer, além do PT e do PMDB, terão que apresentar suas respectivas defesas. Cada um poderá indicar um rol de testemunhas a serem ouvidas. A partir daí, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, determinará a realização de diligências.

Também entre o fim de fevereiro e março, o TSE deve analisar a possibilidade de unificar a Aime com outros dois processos em que o PSDB pede a cassação de Dilma por atos que teriam gerado desigualdades entre os candidatos - as chamadas ações de investigação judicial eleitoral (Aije). Em uma delas, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o compartilhamento de provas com o TSE. Entre as provas compartilhadas está a delação premiada do dono da UTC, Ricardo Pessoa, acusado de supostamente ser o chefe do cartel de empreiteiras que fraudavam licitações da Petrobras. Pessoa afirmou em depoimentos que fez doações à campanha de Dilma após ter sido supostamente pressionado pelo então tesoureiro e atual ministro das Comunicações, Edinho Silva.

O procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, ainda deverá apresentar parecer do Ministério Público sobre o material relacionado à Operação Lava-Jato e seu impacto sobre a ação. A expectativa do presidente do TSE, Dias Toffoli, é que todas as ações que pedem a cassação da presidente Dilma sejam julgadas até o fim do primeiro semestre.

Eleição de 2016 será primeira sem doação empresarial

Por Folhapress - Valor Econômico

SÃO PAULO - Os eleitores dos 5.570 municípios do país vão às urnas em outubro para escolher prefeitos e vereadores. Será a primeira campanha política depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional a doação empresarial aos candidatos.

Após quase dois anos de discussão, o STF concluiu a análise do tema em 17 de setembro. A decisão não proíbe doações de pessoas físicas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir com até 10% de seu rendimento no ano anterior ao pleito.

Ainda em dezembro de 2013, votaram a favor da proibição: o relator do caso, Luiz Fux, o então ministro Joaquim Barbosa (substituído por Edson Fachin em 2015), Dias Tofffoli e Luís Roberto Barroso; Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski (em abril de 2014), além de Rosa Weber e Cármen Lúcia, em setembro, definiram o veto às doações empresariais. A favor votaram Teori Zavascki (abril de 2014), Gilmar Mendes (em setembro) e Celso de Mello.

Ministros do Tribunal Superior Eleitoral demonstram preocupação com eventuais "alternativas" que os políticos podem encontrar para o financiamento e cobraram atuação forte do Ministério Público Eleitoral para coibir irregularidades. O presidente do TSE, Dias Toffoli, afirmou que em todo mundo há temor de que dinheiro de organizações criminosas e narcotráfico abasteça candidaturas.

Crise derruba arrecadação de impostos e investimentos de prefeituras

Felipe Bächtold, Gabriela Ferenzi e Thiago Amâncio – Folha de S. Paulo

PORTO ALEGRE, SÃO PAULO - Na esteira da crise econômica que atinge o governo federal e os Estados, as maiores cidades do país amargam queda expressiva na arrecadação de impostos e passaram a cortar investimentos e enxugar gastos.

Levantamento da Folha aponta que, em 38 dos 50 municípios mais populosos, onde vivem mais de 60 milhões de pessoas, houve queda nas receitas de impostos. A comparação foi feita entre dados de janeiro a outubro de 2015 e 2014, com valores atualizados pela inflação. O levantamento abrange as cidades que disponibilizam dados completos das finanças.

Pressionados pela diminuição da atividade econômica e a consequente redução nos recursos do ISS (Imposto Sobre Serviços), uma de suas principais fontes de receitas, essas grandes cidades arrecadaram, juntas, 4% (R$ 2,7 bi) a menos em relação a 2014.

Os efeitos da crise de caixa são agravados pela redução das transferências estaduais. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal tributo cobrado pelos Estados, tem uma parcela (25%) destinada às prefeituras e costuma sofrer forte efeito da desaceleração da economia.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, outro "grande vilão" das prefeituras é o corte nos repasses da União. Entre as 50 cidades pesquisadas, 43 registraram queda nas transferências intergovernamentais.

"A despesa no município é diferente daquela da União porque é 'incomprimível'. Não pode deixar de dar merenda escolar, tirar o lixo da rua ou fornecer remédio. Não pode fazer o que a União está fazendo: não pagar ninguém, atrasar programas", diz.

À exceção de Brasília, as transferências às cidades mais populosas caíram, em média, 5,7% (mudança contábil no balanço da capital federal impede sua comparação com outros locais nessa rubrica).

Com a falta de verbas, um dos principais alvos dos cortes são os investimentos (aplicação de recursos em obras ou aquisição de equipamento e instalações), que caíram 16% nesses 50 municípios.

A queda é mais acentuada nas cidades que sediaram a Copa do Mundo em 2014, que fizeram obras de infraestrutura para receber o torneio.

A exceção é o Rio, que se prepara para sediar a Olimpíada em 2016. As outras 11 cidades-sede da Copa registraram queda de investimentos que, somadas, chegam a quase R$ 3 bilhões, 40% a menos. Em São Paulo, por exemplo, o recuo nos investimentos foi de 24%. Em Natal, a queda foi de 91%.

"O endividamento do município teve expressiva elevação para suprir investimentos da Copa", explica o controlador-geral de Natal, Dionísio Gomes. Em 2015, a cidade não fez novos empréstimos."Os R$ 35 milhões de investimentos foram feitos com recursos próprios, volume expressivo em função da crise."

Economias
Para fechar as contas, prefeituras têm buscado fazer cortes. Em Manaus, o prefeito Arthur Virgilio Neto (PSDB) vai fechar nove escolas que funcionavam em prédios alugados, afetando 2.300 alunos, para economizar R$ 7 milhões ao ano.

A capital amazonense registrou arrecadação tributária 7,7% menor. Segundo a prefeitura, a diminuição acontece sobretudo pela queda na arrecadação do ISS –a principal fonte do PIB local é o Polo Industrial de Manaus, impactado pela crise.

Em Goiânia, cuja receita tributária caiu 4%, o prefeito Paulo Garcia (PT), em busca de uma economia de R$ 7 milhões, reduziu o horário de funcionamento das repartições para o período entre 7h e 13h como forma de diminuir gastos com luz e telefone.

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, esse tipo de iniciativa se tornou comum pelo país. A entidade fez uma enquete respondida por 73% das prefeituras em que a maioria diz que precisou cortar funcionários comissionados, por exemplo.

Embora as despesas correntes, que incluem gastos com pessoal, juros da dívida e custeio, tenham caído na maioria dos grandes municípios, os gastos com salários ainda ultrapassam o que a Lei de Responsabilidade Fiscal chama de "alerta" (48,6%) ou de "prudencial" (51,3%) em 21 das 50 localidades.

Quatro delas superam o "limite máximo" (54%). A campeã é Nova Iguaçu (RJ), que gasta 60,8% de sua receita corrente líquida com pessoal.

Planalto tenta blindar novo titular da Fazenda de pedaladas fiscais

• Nelson Barbosa, considerado fundamental para gestão tentar recuperar credibilidade na economia, é novo foco de preocupação

João Villaverde - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O pagamento das pedaladas fiscais pelo governo Dilma Rousseff não foi suficiente para afastar o fantasma das manobras em 2016. O novo foco de preocupação do Palácio do Planalto no Tribunal de Contas da União (TCU) é o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.

Até março, o TCU vai realizar a última parte do julgamento do caso e definir, portanto, a atribuição de responsabilidade para cada uma das 17 autoridades do governo arroladas no processo. Entre as penas que o tribunal pode atribuir estão desde multas até a inabilitação para o serviço público, o que exigiria a demissão imediata dos condenados. Barbosa é considerado fundamental para o plano do governo de recuperar credibilidade na área econômica neste início de ano e o Palácio do Planalto já trabalha por sua preservação no caso das pedaladas.

Uma eventual condenação do novo titular do Ministério da Fazenda jogaria, na avaliação do governo, mais insegurança e incerteza no mercado.

Segundo apurou o Estado, Nelson Barbosa deve usar a seu favor o ofício assinado pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público de Contas, que isentou o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), de responsabilidade na edição de decretos com a liberação de gastos.

Conforme o procurador, Temer não pode ser culpado por ter assinado decretos idênticos aos de Dilma e que estão citados no processo de impeachment na Câmara dos Deputados, uma vez que ele apenas seguiu a diretriz estabelecida pela presidente. O vice alega que a política econômica é definida pela chefe de Estado. Foi a mesma lógica apontada pelo procurador, destacando que Temer assinou como presidente interino.

Os dois pontos – a edição desses decretos e as pedaladas fiscais – fazem parte do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff aberto na Câmara dos Deputados e que será analisado a partir do mês que vem.

Lista. Também são alvo dos processos os presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, do Banco Central, Alexandre Tombini, e da Petrobrás, Aldemir Bendine (ex-presidente do Banco do Brasil), além do ex-presidente da Caixa, Jorge Hereda, hoje secretário de Desenvolvimento Econômico na gestão do governador petista Rui Costa, na Bahia. Estão citados ainda a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, e o ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi.

O procurador Júlio Marcelo de Oliveira é, também, o responsável pelo processo das pedaladas. Ele será o encarregado pelo pedido de punições. Caberá ao relator do processo, ministro José Múcio, definir se seguirá ou não os pedidos de Oliveira, que devem ser apresentados até o fim de fevereiro.

Múcio apresentará seu voto em plenário e os demais ministros da corte podem seguir ou não. Será a última parte do julgamento, que começou em abril do ano passado, quando os ministros condenaram as pedaladas de forma unânime.

O governo vai fazer uma força-tarefa junto a Múcio para evitar uma condenação grave de seus ministros, o que envolveria um constrangimento para a equipe econômica e poderia dificultar ainda mais as negociações com o Congresso para medidas do ajuste fiscal. Para a Advocacia-Geral da União, os atos não eram considerados ilegais quando praticados, entre 2013 e 2014, no primeiro mandato de Dilma.

Decisão dramática. O novo julgamento das pedaladas será dramático, avalia o Palácio do Planalto, pelo potencial de aumentar a temperatura do processo de impeachment, que poderá estar sob análise durante o mesmo período, mas na Câmara dos Deputados.

O afastamento da presidente Dilma Rousseff é pedido pela oposição com base nas pedaladas, que teriam constituído crime de responsabilidade.

As negociações com o TCU esbarram na jurisprudência criada pelo próprio tribunal. Depois que o Estado revelou as pedaladas, no primeiro semestre de 2014, o Ministério Público de Contas abriu requerimento solicitando auditoria da equipe econômica. A inspeção foi realizada e as pedaladas foram comprovadas.

O julgamento começou em abril de 2015, quando os ministros do TCU condenaram a manobra, de forma unânime, ao considerar que elas infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo entrou com recurso, rejeitado pelos ministros novamente de forma unânime.

Resta, agora, somente a atribuição de responsabilidade para que o julgamento seja concluído. No meio do caminho, as pedaladas ensejaram também a reprovação das contas federais de 2014. Foi a primeira vez em 78 anos que a Corte rejeitou contas de um presidente da República.

Trunfos. O governo, no entanto, avalia ter “trunfos” a seu favor. Segundo afirmou ao Estado o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a zeragem das pedaladas, com o pagamento integral de todas as dívidas do governo no BNDES, Banco do Brasil, Caixa e FGTS, “demonstra” que o governo segue as orientações do TCU. O pagamento ocorreu no fim de 2015, depois de concluída a análise técnica pelo tribunal de contas.

Outro ponto favorável ao governo é o parecer do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), relator do processo de análise das contas de 2014 na Comissão Mista de Orçamento. Diferentemente do TCU, que recomendou ao Congresso a rejeição das contas por causa das pedaladas, Gurgacz decidiu aprovar o balanço federal, em parecer apresentado há duas semanas. A decisão final caberá ao Congresso.

No Planalto, a avaliação é que o TCU deve concentrar as condenações no ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, responsável direto pelas pedaladas, e seu braço direito, Marcus Aucélio, além do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Novos e-mails reforçam elo entre Lula e Odebrecht

• Mensagens, segundo a PF, indicam a tentativa de empreiteiro em usar a influência do ex-presidente para fechar negócios no exterior

Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Mateus Coutinho - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Uma série de e-mails trocados entre Marcelo Odebrecht e executivos afastados do grupo mostra como o empreiteiro usava de sua proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-diretores da Petrobrás para tentar obter contratos em outros países. Anexadas aos autos da Operação Lava Jato em dezembro, as mensagens tratam de negócios da Odebrecht na Argentina, Bolívia e Peru.

Em uma das trocas de e-mails destacadas pela Polícia Federal, Marcelo Odebrecht – afastado da presidência do grupo em novembro, após ser preso pela Lava Jato em 19 de junho – conversa com os executivos do grupo Carlos Brenner, Roberto Prisco Ramos, Márcio Faria e Rogério Araújo. O assunto tratado, negócios da Braskem – petroquímica da empresa em sociedade com a Petrobrás – no Peru e uma visita do ex-presidente Lula.

Para a PF, o documento indica a tentativa de Odebrecht de usar a influência do ex-presidente para fechar o negócio. Quem também participa da troca de mensagens é o ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró e o ex-gerente da estatal Luís Moreira.

Em 25 de janeiro de 2008, Brenner escreve para Roberto Ramos. “Vi no jornal que o Lula estará em Lima em 5/3 para encontrar-se com Alan García (ex-presidente peruano). O foco é a discussão de relações bilaterais. Já pensou se conseguirmos incluir na agenda a assinatura do MoU???”, diz. O negócio buscado pelo grupo, “MoU”, era um acordo para a instalação de um polo petroquímico no Peru que envolvia a parceria entre Petrobrás e Petroperu. O projeto, segundo a Braskem, previa a industrialização de etanol.

Cinco dias depois, em 30 de janeiro, Ramos envia a Rogério Araújo – preso na Lava Jato e suposto operador de propinas do grupo – mensagem sobre o caso. “Só para sua informação. O ideal era voltar ao assunto depois do carnaval e ver se conseguimos combinar com nosso amigo Nestor (Cerveró) estar em condições de assinar o protocolo durante a visita de Lula!”

No mesmo dia, Araújo repassa o e-mail de Ramos intitulado “Lula no Peru” a Cerveró – preso pela Lava Jato e delator – com a mensagem: “O que você acha desta estratégia?”.

Um dia depois, 31, o ex-diretor de Internacional responde a Araújo e copia o ex-gerente da Petrobrás em seu e-mail funcional: “Este assunto já foi acertado com o Cesar Gutierrez (presidente da Petroperu) na minha reunião da última semana, quando estive em Lima. Acho boa ideia e vamos andar rápido com o assunto”. A troca de mensagens é copiada para Marcelo Odebrecht. “Apenas para inf. Assunto em evolução.”

Em 7 de fevereiro, o próprio dono da Odebrecht responde aos executivos. “Ótimo. Estes eventos com Lula são bons pois criam um deadline.” O acordo buscado pela Braskem foi assinado durante a visita de Lula.

Argentina. Nos e-mails anexados a um dos inquéritos em que executivos da Odebrecht são investigados, há também a atuação de Marcelo Odebrecht em visita de Lula feita em fevereiro de 2008 à Argentina. No relatório da PF, foi destacado trecho de mensagem enviada por Odebrecht a Henrique Valladares, executivo do grupo, em 4 de fevereiro. “Preciso (de) uma nota sobre Garabi para preparar a ajuda memória final que quero enviar para Lula até amanhã, referente à visita dele a Argentina.” O projeto é o da usina hidrelétrica Garabi-Panambi, a ser construída na fronteira entre Brasil e Argentina.

Marcelo Odebrecht recebe o material e responde: “Roberto (Ramos). Um terço de página apenas ou o cara não lê”. Para a PF, o empreiteiro se referia a Lula. “Pela dimensão e importância dos projetos atualmente em execução e em estudo pela Odebrecht na Argentina, havendo oportunidade, seria importante que o presidente Lula pudesse reforçar, junto à presidente Cristina (Kirchner), a confiança que tem na Odebrecht”, diz outro trecho de mensagem.

Bolívia. Nas mensagens tratando sobre interesses da Odebrecht na Argentina, há referência ao presidente da Bolívia, Evo Morales. “Sugere-se ao presidente Lula comentar com o presidente Evo Morales sua satisfação em relação à boa evolução do projeto.” O negócio de interesse naquele país era um polo de gás químico. O encontro entre Lula, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner e Evo Morales ocorreu em 23 de fevereiro de 2008.

O ex-presidente Lula não é investigado na Lava Jato, mas sua atuação em favor de empreiteiras que são alvo da operação tem sido apurada.

Empresa diz que mensagens estão fora de contexto. A Odebrecht informou que mantém “relações institucionais transparentes” com presidentes “de forma condizente com a importância do cargo em benefício de interesses nacionais”. Segundo a empresa, a prática é comum nos EUA e França, cujos chefes de Estado promovem suas empresas na busca por uma maior participação no comércio global.

A Odebrecht diz lamentar “que se repita o expediente de vazamento de mensagens descontextualizadas de ex-executivos da empresa” e afirma que elas “expressam fatos absolutamente normais”, como o fornecimento de subsídios para viagens a países onde empresas mantêm operações. “Tenta-se promover uma leitura maliciosa de mensagens em que o ex-presidente da holding Odebrecht se mantém informado sobre investimentos do acionista. Previsões de mercado são propositalmente confundidas com informações privilegiadas.”

A Braskem afirma que um acordo para a instalação de um polo petroquímico no Peru “já estava em gestação desde antes da visita do ex-presidente Lula ao país”. “O acordo foi efetivamente assinado durante a visita, dentro do rol de acordos bilaterais comum a missões presidenciais.”

O Instituto Lula não respondeu aos questionamentos. Lula já negou “tráfico de influência” em favor da Odebrecht e afirmou que “presidentes e ex-presidentes do mundo inteiro defendem as empresas de seus países no exterior”

Mercado prevê 2016 com queda do PIB de 2,9% e inflação de 6,8%

Na última pesquisa de 2015, analistas pioram previsão para o PIB de 2016

• Focus indica que economia recuará 2,95%; expectativa de inflação sobe

Por Andrea Freitas – O Globo

RIO - O último relatório Focus de 2015, com data do dia 31 e divulgado nesta segunda-feira pelo Banco Central (BC), mostra mais uma piora nas expectativas para o desempenho da atividade econômica e da inflação este ano.

A queda prevista para o PIB se intensificou pela 13ª semana seguida, passando de 2,81% para 2,95%, encostando na casa dos 3%. A pesquisa com analistas do mercado financeiro também piorou levemente a previsão para o PIB de 2015, que passou de um recuo de 3,70% para 3,71%.

Já a previsão para o IPCA foi mantida em 10,72% em 2015. A inflação oficial do ano passado será divulgada na sexta-feira pelo IBGE. Para 2016, houve uma alta de 0,01 ponto percentual na previsão, que chegou aos 6,87%. O resultado previsto para este ano é superior ao teto da meta do governo, que é de 6,5%.

A Selic para este ano foi mantida inalterada frente ao relatório da semana anterior. A expectativa do mercado é que a taxa básica de juros termine 2016 em 15,25% — um ponto percentual acima dos atuais 14,25% determinados pelo BC.

Relatório da Gradual Investimentos também divulgado hoje indica que os recentes reajustes no valor dos transportes públicos, somados à alta do salário mínimo, que passou a R$ 880, e ao conjunto de desafios climáticos, os o conjunto dos preços não vai ceder no início deste ano como previamente esperado.

“Sendo assim os juros reais não devem aumentar e — ato contínuo — os modelos da Autoridade Monetária não vão apontar convergência da inflação à meta no horizonte relevante. Mais que isso: a persistente desancoragem do IPCA em relação à meta de 2017 sugere que o BC deve agir já na reunião de janeiro. Na verdade no último mês houve uma piora sistemática das inflações projetadas pra 2017 até pelo menos 2019”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual.

Como os dados do Focus foram coletados no último dia do ano, a previsão para o dólar de 2015 já não constou do relatório. A moeda americana fechou o ano cotada a R$ 3,95, acumulando alta de 48,4% no ano. Para este ano, a expectativa foi elevada em um centavo, para R$ 4,20.

Fernando Pessoa: A Criança que ri na rua

A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo -

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo