domingo, 17 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Ancelmo Gois

É chato insistir. Mas não é honesto comparar aspectos da Lava-Jato com a ditadura, como faz agora o manifesto de alguns advogados. Na ditadura, repito, não havia habeas corpus, ministros do STF eram cassados, e os presos civis, que sobreviviam à tortura e à morte, eram levados a uma corte militar. Se é para falar de “abusos” do instrumento da prisão provisória e do princípio da presunção de inocência, talvez fosse o caso de criticar os EUA, que enjaularam, por cinco meses, na Suíça, um velho de 83 anos, o ex-governador e ex-presidente da CBF José Maria Marin, que, aliás, apoiou a ditadura. Com todo o respeito.
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Ancelmo Gois, jornalista, ‘Ponto final’, O Globo, 16.1.2016

Luiz Sérgio Henriques*: A autocrítica bloqueada

- O Estado de S. Paulo

Muito difícil, para indivíduos e organizações de qualquer natureza, o exercício da autocrítica. Por implicar avaliação rigorosa dos próprios atos, sem cancelar os aspectos problemáticos e até negativos, costuma dar a ideia de fraqueza: é como se, no caso dos organismos políticos, se abrisse o flanco ao inimigo, mostrando os pontos frágeis que tornariam possível um contra-ataque arrasador. Coisa de ingênuos, diriam os que abraçam uma concepção cínica (“maquiavélica”) da política.

O acúmulo de erros que marcaram o petismo no poder, especialmente visíveis quando passou a bonança propiciada pela emergência do gigante chinês, suscitou, de vários comentaristas, a observação de que tem faltado ao partido dominante, para remate de males, esse tipo de avaliação de si mesmo. Evidenciou-se algo que Leandro Konder, um intelectual comunista que deixou marcas, chamou a seu tempo de “atrofia conservadora da autocrítica” (O Marxismo na Batalha das Ideias, Nova Fronteira, 1983).

Konder sabia do que falava. Para se preservarem, mesmo partidos ditos progressistas se especializaram em autocríticas rotineiras, impondo-as mecanicamente aos militantes. Comum, por exemplo, a admissão formal de culpas, como quando se confessavam sucessivos e inexplicáveis “desvios de direita” e “de esquerda”, que levavam ao afastamento da “linha justa”. Esse tipo de engano, aliás, é mais universal do que parece. Certo político conservador brasileiro, inquirido sobre erros cometidos, informou, impávido, ter tido sempre o defeito de estar à frente do seu tempo, o que lhe trazia dificuldades de comunicação com os contemporâneos...

A presidente Dilma Rousseff não parece longe desses modelos, ou antimodelos, ao se dizer vítima, em primeiro lugar, de circunstâncias externas desfavoráveis, o que em parte é verdadeiro, e em segundo, da má vontade das oposições, inconformadas com as urnas e dispostas a explorar oportunisticamente a conjuntura difícil. O ministro Jaques Wagner, na estratégica e aparentemente amaldiçoada chefia da Casa Civil, vai pelo mesmo caminho, criticando o “impeachment tapetão”, metáfora futebolística para aludir ao que seria a banalização deste remédio legal por parte das oposições depois de perdido o jogo dentro das quatro linhas.

Sem considerar a viabilidade ou a oportunidade deste lance oposicionista, é mais do que pertinente pedir contas ao PT da quase dúzia e meia de pedidos de impeachment apresentados nos governos Fernando Henrique Cardoso. Em sua grande maioria, tais pedidos não foram assinados por “qualquer do povo”, mas por dirigentes, deputados e juristas reconhecidamente ligados ao PT. Teriam sido, na época, recursos também extralegais ou “antiesportivos”? Pela sua reiteração contumaz, seriam índices de um DNA golpista do então grupo político de oposição?

A crítica, mesmo dura, ao impeachment de agora ganharia mais substância se acompanhada do reconhecimento, pelo PT, do caráter desajuizado da sua oposição em passado nem tão remoto. Ou devemo-nos acostumar a um duplo padrão de comportamento?

O ministro Wagner foi só um dos últimos dirigentes a declarar que o erro maior do seu partido residiu em não ter feito milagrosa e regeneradora “reforma política” já no primeiro mandato do presidente Lula. Tal como o político conservador lembrado por Konder, aqui o exercício hipócrita da autocrítica desliza quase automaticamente para o autoelogio. O petismo, neófito nas práticas patrimonialistas “tradicionais”, ter-se-ia deixado enredar por métodos viciados do passado. Por excesso de virtude, o partido viu-se desarmado diante do que inesperadamente viu à sua frente, uma vez chegado ao poder.

Nenhuma palavra sobre a degeneração político-partidária novíssima, protagonizada – ai da democracia, ai de cada um de nós, cidadãos! – pelo partido dominante a partir de 2003. Degeneração elevada a método de poder, em circunstâncias que uma operação destinada a fazer história, como sua congênere italiana, a Mãos Limpas, desvenda cotidianamente, para espanto geral. Um partido e um governo que, segundo testemunhos insuspeitos, como o do ex-ministro das Comunicações e decano da Câmara dos Deputados Miro Teixeira, decidiram desde o início, em suas instâncias máximas, encaminhar as relações com o “Congresso burguês” em termos “orçamentários”, não em termos de debate e negociação com os demais partidos, inclusive os da oposição mais responsável – que havia.

Partido dominante, dissemos, não propriamente dirigente. Só quem verdadeiramente dirige é capaz de levar a cabo reais reformas políticas, com o fito de reforçar a democracia dos partidos e o regime representativo. Palavras voam e escritos (e ações) permanecem: o partido cujo horizonte é a mera dominação logo se obstinaria, como se obstinou e provavelmente continuará a fazê-lo, em esvaziar um dos protagonistas do centro democrático, o PMDB, estimulando suas facções, cooptando-o subordinadamente ao sistema de poder em construção ou mesmo favorecendo franquias, como o PSD, para desarticular o jogo partidário.

A democracia brasileira necessita vitalmente de uma forte participação da esquerda política, quer como força de governo, quer como fermento das lutas sociais e motor da inovação. Pode perfeitamente acontecer que uma das suas figuras históricas – o PT de Lula – esteja rigorosamente aquém desse papel vital. Não à toa, na conjuntura de 2005 houve vozes, na verdade, inconcludentes, que falaram em “refundação” partidária. Mais recentemente circulou a tímida exigência de um “exame de consciência”. É pouco: para oxigenar e, quem sabe, renovar ares excessivamente pesados, melhor desbloquear o mecanismo impiedoso da autocrítica, resguardado, naturalmente, o exercício da crítica por parte dos demais atores, o que vem a ser a alma da esfera pública em regime de liberdades.
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* Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Ferreira Gullar*: Matar ou morrer

- Folha de S. Paulo

O ano de 2016 será decisivo para o futuro do governo de Dilma Rousseff. Será decisivo por várias razões, e uma delas é por não poder repetir a inoperância desastrosa que o caracterizou em 2015, com uma estimativa de queda do PIB de 3,7% e uma inflação que ultrapassou os 10%. As situações econômica e política a que chegou o país são tão graves que até mesmo Dilma, que não costuma dizer a verdade, chegou a admitir, em entrevista a um grupo de jornalistas, que de fato errou.

É certo que não confessou o erro verdadeiro –que foi, entre outras coisas, valer-se das pedaladas para garantir sua reeleição–, mas admitir que errou já é uma atitude realmente inesperada para quem não erra nunca. Mas o que aconteceu para que ela adotasse, tão inesperadamente, tal atitude? Não tenho dúvida de que se trata de uma questão de vida e morte. Ou seja, Dilma só a adotou porque viu nela o único caminho para se livrar da situação crítica a que, em função de seus erros, conduziu o país.

Não é que basta admitir ter errado para, com isso, superar as dificuldades nas quais o país se debate. Não basta, claro, mas é o primeiro passo para ela tentar ganhar credibilidade junto à opinião pública e poder enfrentar o seu agora mais sério adversário: o PT. O leitor provavelmente ficará surpreso com esta minha afirmação, mas é que, em política, tudo pode ocorrer, especialmente quando se trata de situações como esta que o populismo petista criou no Brasil.

O leitor certamente se lembra de quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação: o primeiro para ajudar na educação dos filhos de trabalhadores e o segundo para pagar-lhes a comida quando desempregado. Lula, na época, foi contra esses programas mas, eleito presidente, os manteve, fundindo-os no Bolsa Família e triplicando o número de beneficiados. Com isso, onerou os cofres públicos e bagunçou o coreto, tornando inviável o controle da concessão dos benefícios. É que o objetivo do populismo não é resolver os problemas dos necessitados, mas explorá-los para manter-se no poder.

Assim fizeram Lula e Dilma, valendo-se do dinheiro público em programas assistencialistas e outras medidas equivocadas que contribuíram para a grave situação na qual nos encontramos hoje. Com o propósito de manter-se no poder, os presidentes petistas, em vez de investirem no crescimento econômico do país, estimularam o consumismo, chegando ao ponto de usar recursos públicos para financiar empresas privadas e assim garantir preços acessíveis ao consumo popular. Para isso e para outros procedimentos irresponsáveis, usaram recursos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do BNDES, contribuindo assim para a situação crítica em que se encontra hoje a economia brasileira.

A situação já era essa em 2014, quando Dilma, para se reeleger, afirmava que a economia brasileira ia de vento em popa. Como havia mentido, ao começar o novo mandato, teve de tomar as medidas necessárias para evitar o naufrágio. Foi então que convidou Joaquim Levy, cuja visão de economista é contrária à sua, para o ministério da Fazenda. Levy, então, propôs medidas necessárias à superação da crise, medidas essas que, inevitavelmente, visavam cortar despesas e fazer o ajuste fiscal. Noutras palavras, o contrário do que o populismo petista havia feito nestes 12 anos de governo.

Imediatamente, o PT se opôs a elas. Claro, porque contrariavam quase tudo o que o os governos petistas fizeram para se perpetuar no governo e, consequentemente, caso fossem postas em prática, atingiriam os seus interesses políticos e levariam inevitavelmente à sua derrota eleitoral, particularmente se impostas por Dilma, membro do partido. Resultado: quase todas as medidas propostas por Levy foram inviabilizadas por eles, e até Lula, que inventara Dilma, atuou contra elas. Sim, porque, sem as benesses do populismo, o lulapetismo estará perdido. Mas o governo Dilma, como fica? Se a estagnação de 2015 se mantiver, ela dificilmente se sustentará no poder. Em face disso, só há uma saída: fazer o contrário do que o PT pretende que se faça. Não por acaso, ela declarou na tal entrevista: "Não governo para este ou aquele partido, governo para a sociedade". Vai morrer gente!
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*Ferreira Gullar, ensaísta, crítico de arte e poeta

Fernando Gabeira: Armadilhas da visão

- O Globo

É preciso não se perder no mar de denúncias. O primo do ex-deputado pernambucano Pedro Correia foi visitá-lo na prisão em Curitiba. O relato da visita, numa entrevista ao programa “Geraldo Freire”, é interessante. Clóvis Correia, o primo, é também juiz de direito. Ele sempre aconselhou Pedro a fazer delação premiada. Os advogados não queriam. O primo constatou, com alegria, que Pedro, finalmente, decidiu fazer uma delação premiada, contando tudo o que sabe, desde o período Sarney.

Segundo o visitante da cadeia de Curitiba, os policiais e procuradores trabalham sem parar porque há uma fila de delatores, inclusive alguns que virão de outros escândalos, como o publicitário Marcos Valério. Ainda não houve tempo para ouvir as histórias de Pedro. O primo Clóvis afirma que, apesar das barbaridades do PT, seria interessante ele contar tudo para se traçar um panorama da corrupção desde a retomada da democracia.

Um dia, Pedro falará e ficaremos sabendo, aos pouquinhos ou de uma vez só, tudo o que ele fez e conseguiu ver ao longo dos anos em que esteve perto do poder. A entrevista do primo de Pedro me faz voltar à suposição original de que já temos muitas informações sobre os escândalos no Brasil. Não só falta tempo para processálas, cruzando atenciosamente os dados, como para completá-las, pois o fluxo não cessa com a fila de delatores e o desdobramento de suas confissões.

Nunca se soube tanto. Até as chances de alguém ter feito a fortuna que Eduardo Cunha declarou foram calculadas: uma em 257 septilhões. É possível demonstrar matematicamente que Eduardo Cunha é mentiroso. Jamais me daria a esse trabalho.

Para quem ouviu falar no Big Data, este oceano de informações que o mundo digital proporciona, fica sempre o temor de que a atração do jogo de dados acabe ofuscando os objetivos. Pode-se trabalhar indefinidamente, com números, conexões, novas hipóteses. Mas as grandes empresas são pragmáticas. Toda vez que ligo o computador aparecem na timeline anúncios de produtos que pesquisei como comprador.

É inegável que trabalhar com uma grande quantidade de números e relações entre eles pode sempre levar a novas descobertas. Mas é preciso não se perder na floresta. Os dados da Lava-Jato nos chegam aos pedaços. O PT usa isso para afirmar que são vazamentos seletivos. Mas, em termos de partidos, eles já alcançaram quase todos os grandes, inclusive o PSDB. Não se passa um dia sem que algo seja acrescido. As informações se bifurcam, se entrelaçam, iluminam com sua pequena centelha outros cantos escuros da sala.

Temo que tenham se tornado uma distração. Tenho vontade de perguntar aos procuradores: se as chances da fortuna de Cunha forem apenas uma em 300 septilhões, vocês o prenderiam? É preciso um número redondo para fechar a conta? Para que servem os dados se não levam às consequências? No caso mais amplo do Petrolão é fantástico supor uma quadrilha organizada apenas por José Dirceu.

Acossado pelo processo do Mensalão, preso durante algum tempo na Papuda, é preciso imaginar um vilão de história em quadrinhos para supor que José Dirceu coordenou sozinho o assalto à Petrobras. Onde estão os outros? Onde está Lula, onde está Dilma, onde está o restante da cúpula do PT?

Um dos grandes problemas do acúmulo de dados é a maneira de associá-los, de buscar as conexões corretas para responder aos enigmas. O computador não resolve sozinho. Se Janot precisa demonstrar que as chances de Cunha não ser bandido são uma em 257 septilhões, quanto septilhões precisaremos para enquadrar Dilma e Lula?

Sérgio Moro, que não é suspeito de partidarismo como Janot, já disse que não há nada contra Lula, embora os vazamentos, aqui e ali, indicam que há quase tudo contra ele, desde a escolha dos dirigentes da Petrobras à própria montagem do esquema de rapina. O último vazamento foi a delação de Cerveró. Uma cópia, segundo as notícias, teria sido encontrada na gaveta de Delcídio Amaral.

Não só as delações premiadas como o avanço na tecnologia nos enchem de dados novos. Em tese, posso concluir através deles que, em 22 % dos contratos os corruptos celebraram tomando o vinho Angelica Zapata ou que suas mensagens eletrônicas cresciam 46 % no horário noturno. E daí? Se não tentamos responder às perguntas certas vamos mergulhar nos dados com a mesma alegria com que o velho time do América tramava seus ataques diante do gol. Lindas e complexas jogadas. Ninguém chutava para marcar.

Isso vale para todos nós. Muitos divulgaram que Cerveró denunciou Wagner por ter financiado sua campanha construindo um prédio da Petrobras em Salvador. Ninguém foi lá saber que empreiteira construiu o prédio, se é correta a indicação de Cerveró. Um novo vazamento ofuscou o primeiro. Agora é um negócio entre Wagner, OAS e fundo de pensão dos funcionários da Caixa.

Podemos seguir, de vazamento em vazamento, como se tivéssemos nas mãos um controle remoto de TV ou uma tecla do computador. E dormir, em seguida, como fazemos todas as noites. A visão é, ao mesmo tempo, um privilégio ou uma armadilha. Depende da nossa escolha.

Merval Pereira: O bônus do impedimento

- O Globo

Vai ser lançado esta semana, pelo economista Reinaldo Gonçalves, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ, o primeiro estudo sobre os reflexos econômicos de um eventual impedimento da presidente Dilma. Com base em casos ocorridos em 15 países da América Latina, Gonçalves chega à conclusão de que o impedimento interrompe e reverte o processo de desequilíbrio decorrente de crises políticas e institucionais.

Com o impedimento, inicia-se um processo de reequilíbrio que implica, entre outros fatores, melhora do desempenho macroeconômico. A evidência indica, ressalta o estudo, que o “bônus macroeconômico” manifesta-se, principalmente, com a elevação da taxa de crescimento da renda, queda da taxa de desemprego, melhora das finanças públicas e ajuste das contas externas.

Dado o impedimento de Dilma Rousseff em 2016, projeções da taxa de variação da renda real indicam redução da recessão em 2017 e retomada do crescimento a partir de 2018. A retomada implica taxas de crescimento médio anual do PIB próximas à taxa secular (4,5%).

A ideia central do trabalho é a hipótese de que interrupções de presidências têm impacto positivo, partindo do princípio que procedimentos como o impedimento do presidente são instrumentos constitucionais de resolução de crises de governo.

Essas crises, relata Gonçalves, frequentemente deságuam em crise sistêmica (ética, social, econômica, política e institucional). Nos anos subsequentes ao impedimento, o estudo demonstra que há um processo de reequilíbrio que envolve um “bônus macroeconômico”, decorrente do crescimento econômico, da queda do desemprego, do ajuste das finanças públicas e das contas externas em relação ao período crítico (2015-16).

O artigo apresenta, ainda, exercícios de simulação que indicam efeitos macroeconômicos favoráveis decorrentes do impedimento de Dilma Rousseff em 2016. O estudo discute tipologias referentes a mecanismos de interrupção de governos em distintos regimes e sistemas políticos, causas de presidências interrompidas e consequências de processos de interrupção de presidências.

O trabalho examina empiricamente o desempenho macroeconômico dos países após a interrupção de presidências na América Latina no período pós 1985. O painel inclui 15 situações de interrupção de presidências em sistemas democráticos em nove países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela).

A partir dessa análise empírica, alguns exercícios de simulação (variação da renda) são feitos para a hipótese de impedimento de Dilma Rousseff em 2016. Com o referencial analítico da experiência latino-americana a partir do final dos anos 1970, o estudo chega à conclusão de que o impedimento é um “freio de arrumação” que interrompe e reverte o processo de desequilíbrio.

Com o impedimento inicia-se um processo de reequilíbrio que implica, entre outros fatores, a melhora do desempenho macroeconômico, afirma Reinaldo Gonçalves. As variáveis com maior resistência ao reequilíbrio são investimento e inflação. A evidência de que há melhoras significativas de desempenho macroeconômico também é informada pelo indicador-síntese de desempenho macroeconômico (IDM), medida criada por Gonçalves para o estudo.

O IDM aumenta entre 5% a 10% nos dois primeiros anos e 20% no 3º e 4º anos subsequentes à interrupção. Trata-se de um bônus macroeconômico de 20%. Para Reinaldo Gonçalves, a evidência disponível informa que os benefícios dos processos de impedimento superam os custos. Particularmente no que se refere à questão institucional, “as experiências recentes de interrupção de presidências mostram que pode haver ruptura de governos sem que haja ameaça à sobrevivência da democracia".

A conclusão do estudo de Reinaldo Gonçalves é que o eventual impedimento de Dilma é uma oportunidade não somente para a resolução da grave crise sistêmica (ética, social, econômica, política e institucional) como também para o desenvolvimento político e institucional do país.

Maiores e melhores?

Na coluna de ontem sobre o manifesto de advogados contra a Operação Lava-Jato, exagerei na generalização ao afirmar que os signatários representavam “os melhores” e “os maiores” advogados brasileiros.

Na verdade, alguns deles estão entre os “melhores e os maiores”. Um amigo advogado, que não assinou o manifesto, me manda um episódio de Rui Barbosa que ilustra bem a situação:

Certa feita, Rui Barbosa não alcançava pegar o livro na estante alta. O bibliotecário, solícito, ofereceu-se:

— Deixe que eu pegue pro senhor, Conselheiro: sou maior que o senhor. E Rui respondeu: — Maior, não. Mais alto, apenas.

Dora Kramer: Mãos atadas

- O Estado de S. Paulo

A fragilidade política da presidente Dilma Rousseff pôde ser medida (não só, mas também, e de maneira acentuada) na semana passada quando se viu obrigada a sancionar verba quase bilionária para o Fundo Partidário, ao mesmo tempo em que a crise econômica impõe cortes significativos de recursos destinados a programas sociais e a áreas como Saúde e Educação.

Para 2016, o Orçamento da União acabou reservando R$ 819 milhões para os partidos dividirem entre si, valor 163% superior ao que o governo se dispunha a destinar àquele fim, R$ 311,3 milhões. Legalmente, a presidente poderia vetar a alteração feita por deputados e senadores. Politicamente, contudo, ela não tem a menor condição de fazer isso sem correr o risco de ver o veto derrubado e, antes disso, arrumar mais confusão com um Poder Legislativo que lhe empresta o menor apoio desde os tempos de Fernando Collor.

A ela não restou alternativa a não ser aceitar a regra do jogo imposta pelos partidos que, pela primeira vez, enfrentarão este ano uma eleição em que as doações (as feitas por meio legais, bem entendido) de pessoas jurídicas estão proibidas. Dilma já tinha perdido uma batalha quando o Congresso conseguiu aprovar a regra segundo a qual o Executivo está impedido de reter a liberação do dinheiro proveniente de emendas parlamentares sem cortes equivalentes no restante do Orçamento.

Com isso, em tese há outros R$ 9 bilhões em emendas individuais à disposição dos congressistas. Sem contar os R$ 4,5 bilhões reservados para as emendas coletivas, apresentadas pelas bancadas estaduais, também de liberação obrigatória. As emendas são fruto do Orçamento Impositivo, mas a sanção sem choro nem vela à verba do Fundo Partidário decorre da total impossibilidade de a presidente se confrontar com um Congresso prestes a votar pedido de interrupção de seu mandato.

Na prática teremos um financiamento público e impositivo de campanhas eleitorais e uma presidente de mãos atadas frente às conveniências dos partidos, cujos caixas sofrerão sem dúvida uma boa redução. Em contrapartida, poderão contar com um bom naco do Orçamento, a despeito da necessidade de cortes de gastos. Cortes estes defendidos por boa parte dos 594 parlamentares dos 27 partidos com representação no Parlamento, sendo as maiores bancadas (PT e PMDB) as mais beneficiadas, em função do critério de proporcionalidade para a distribuição do Fundo Partidário.

Somado a tudo isso o montante resultante da renúncia fiscal dos meios de comunicação pela transmissão do supostamente gratuito horário eleitoral, é dinheiro público que não acaba mais destinado a entidades de direito privado (os partidos) que o público pagante de impostos é obrigado a bancar. E o PT, defensor de uma fórmula mais ampla e exclusiva de financiamento via Orçamento da União, ainda acha pouco.

União faz a força. Os advogados da presidente Dilma e do vice-presidente Michel Temer decidiram unir esforços no pedido de cassação de ambos que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, sob o argumento de desvio de dinheiro da corrupção na Petrobrás para a campanha de 2014.

Representa uma mudança de estratégia de Temer que até então preferia uma defesa baseada na tese da “separação de corpos”, alegando que as finanças de campanha foram independentes e que a Constituição trata presidente e vice como figuras distintas.

Os advogados chegaram à conclusão de que, desunidos, correm o risco de produzir prejuízos mútuos. Em caso de condenação, no entanto, o vice retomará a estratégia anterior para sustentar eventual recurso.

Vinicius Torres Freire: Dilma e a fala do trono

- Folha de S. Paulo

É muito difícil entender o que diz Dilma Rousseff. Assim, há riscos vários quando a presidente trata de temas sensíveis como empréstimos de bancos públicos e a solvência da Petrobras, por exemplo, como na sexta-feira, em entrevista coletiva.

Ainda assim, lida, relida e ouvida a entrevista, a presidente não disse que pode haver capitalização da Petrobras, como se aventou.

Dilma Rousseff, no entanto, não negou que possa fazê-lo. Não negou que o governo possa fabricar dinheiro e inventar uma gambiarra a fim de enfiá-lo no caixa da empresa. A pergunta do jornalista, porém, era direta (vai capitalizar?). A presidente teria se esquecido de negar?

É possível que o assunto principal se tenha perdido no discurso outra vez assintático, convoluto e aleatório de Dilma. O palavrório torna-se ainda mais tumultuário quando a presidente parece afligida pelo desejo de demonstrar que está à altura de si mesma, de se provar a gerentona onisciente e sabida, mistura viva de almanaque capivarol com googlepedia de qualquer assunto de governo, do comezinho ao abstruso.

Essa aflição, temperada com alguma presunção provinciana, não raro acaba em digressões tumultuárias e disparatadas, da saudação à mandioca a manias de engenheira. Na sexta-feira, um dos desvios acabou em uma conversa torta sobre "tight oil" e teorizações tais como "a queda da demanda [de petróleo] é o outro lado do excesso de oferta, por razões diversas".

Os assuntos econômicos da entrevista eram graves.

A situação da superendividada Petrobras é crítica. Caso o governo decida fazer dívida a fim de remendar a empresa, arrisca-se a queimar o último fiapo de credibilidade fiscal, por exemplo. O plano de estimular os bancos públicos a conceder mais crédito suscita as mesmas desconfianças, até porque não se tem ideia do que o governo possa fazer a respeito, do lunático ao irrelevante.

Qualquer discurso do governo sobre tais assuntos já tem impacto por si só, antes que se tome decisão. Calar, por vezes, é necessário. Mas o que disse Dilma? Coisas assim:

"O governo sempre estará preocupado com a Petrobras, principalmente quando os fatores que levam a esta situação são fatores exógenos a ela, que ela não controla. Então nós todos teremos de nos preocupar bastante com o que ocorrerá".

"É óbvio que o petróleo a níveis menores será sempre preocupante. O que nós faremos será em função do cenário nacional e do internacional. Nós não descartamos que vai ser necessário fazer uma avaliação, se esse processo continuar."

"...O que ela [Petrobras] tem feito? Ela tem se adaptado. Ela tem diminuído, por exemplo, seus investimentos, mas não porque ela queira. Mas porque, se ela não fizer isso, ela não sobrevive, então ela toma também as suas medidas."

A vaidade do poder rende mais palavrório em um ambiente como o nosso, de instituições carnavalizadas e de aversão a formalidades necessárias. Falavam demais FHC e sua vaidade intelectual, Lula e sua vaidade de encantador de plateias, Dilma e a vaidade de sua tecnocratice ingênua.

Conviria um pouco mais de recato e disciplina, tanto política quanto intelectual, "falas do trono" com mais prestações de conta e comunicações objetivas de planos de governo.

Eliane Cantanhêde: Volta dos que não foram

- O Estado de S. Paulo

O vice Michel Temer fez que ia, mas não foi. Ele avançou muito na direção oposta à da presidente Dilma Rousseff, estimulou a banda oposicionista do PMDB, divulgou a carta malcriada que enviou a Dilma e por um bom tempo deu sinais de apoio ao impeachment. Isso passou. Temer agora passa a sensação de estar recuando. O tom em relação a Dilma mudou.

Há muitas possibilidades e infinitas versões para as idas e agora vindas de Temer rumo a Dilma e contra o impeachment, mas um traço da personalidade do vice permeia as discussões sobre motivações: o pragmatismo. O recuo não é por amor, mas por necessidade.

Quando o impeachment parecia uma opção real, o professor de Direito Michel Temer dizia que precisava estar pronto para cumprir suas “obrigações constitucionais”. Agora que parece irreal, o político Temer acha mais prudente tapar os buracos na relação com Dilma e pavimentar a estrada que leva o governo de ambos até 2018. Já que Dilma não deve cair, melhor ficar bem com ela. Ou menos mal.

Além disso, há a questão central: o PMDB. A prudência ensina que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Antes de almejar subir de patamar, da Vice para a Presidência, Temer precisa mostrar que ainda manda no partido que preside desde 2001. Senão, é melhor ter juízo e “obedecer” à hierarquia, torcendo para surgirem “fatos novos”.

Diante da crise ética, política e econômica que se abateu sobre o País em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma, Temer passou a ser cortejado pelos antipetistas do PMDB, velhos aliados do PSDB, empresários desesperados com a recessão e líderes sindicais acossados pelos índices de desemprego, todos querendo “uma solução para a crise”. Vaidoso e docemente constrangido, rendeu-se ao assédio.

Só que o tempo passou, o Planalto confirmou o poder da caneta, o PT está ferido, mas não morto, e o pior é que o PMDB continua apostando que “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Boa parte dos peemedebistas achou melhor voar baixo com a presidente do que não sair do chão com o vice e seus aliados.

Quando olhou em volta, Temer descobriu que podia virar uma ilha cercada de adversários. No Planalto, montou-se um quartel general para disputar o PMDB com ele. No Senado, o presidente Renan Calheiros e sua tropa aliaram-se ao Planalto contra Temer e Eduardo Cunha na Câmara. No Rio de Janeiro - único estado governado pelo PMDB no “triângulo das Bermudas” -,o governador Pezão alinhou-se com o prefeito Eduardo Paes a favor de Dilma, contra Temer.

Só esse cerco pode explicar o que parecia inexplicável: um novato inexpressivo como Leonardo Picciani derrotando as raposas Temer, Cunha, Eliseu Padilha e Moreira Franco e mantendo-se líder na Câmara contra eles. Picciani não é Picciani, ele é instrumento de Dilma, Jaques Wagner, cúpula do PT, Renan, Pezão, Paes, Eunício Oliveira...

Como a derrota na Câmara parece certa, Temer pretende sair de Brasília e viajar pelo País para se encontrar - ou se reencontrar - com os governadores que controlam as bancadas e os votos da convenção de março em que disputará mais uma reeleição à presidência do PMDB. Perde os anéis (a liderança na Câmara) e tenta salvar os dedos (o comando do partido).

A Lava Jato expõe as entranhas do governo Lula, a crise econômica escancara a incompetência do governo Dilma, as delações premiadas pegam de jeito o governista Renan e tudo isso pode gerar reviravoltas. Até lá, Temer continua distante de Dilma, mas quem espera críticas ácidas dele contra ela pode tirar o cavalinho da chuva. Se o impeachment subiu no telhado, o vice pulou de volta para o lado governista. Pelo menos até março.

Luiz Carlos Azedo: Máximas e mínimas da Lava-Jato

• O julgamento da Lava-Jato promete retomar algumas polêmicas sobre a Ação Penal 470 protagonizadas pelo ministro Lewandowski, revisor do processo, e pelo ministro Luís Barroso

- Correio Braziliense

Advogados e juristas, a maioria contratada por empresas e réus da Operação Lava-Jato, partiram para a ofensiva contra o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, e os investigadores do escândalo da Petrobras, mas o manifesto que publicaram sexta-feira nos principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro tem o claro objetivo de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a conceder habeas corpus aos empresários, políticos e lobistas que estão presos preventivamente pela Operação Lava-Jato.

Augusto de Arruda Botelho, Flávia Rahal, Jacinto Nélson de Miranda Coutinho, Lênio Luiz Streck, Maira Salomi, Nabor Bulhões Nélio Machado, Pedro Estevam Serrano, Roberto Podval e Técio Lins e Silva estão entre os criminalistas que subscrevem o manifesto. “No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava-Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, afirmam.

Segundo eles, a Operação Lava-Jato desrespeitaria a presunção de inocência, o direito de defesa, a garantia da imparcialidade da jurisdição e o princípio do juiz natural. Haveria desvirtuamento do uso da prisão provisória, vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, sonegação de documentos às defesas dos acusados, execração pública dos réus e desrespeito às prerrogativas da advocacia. “O que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição”.

Como era de se esperar, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contestaram os advogados. A carta, porém, antecipa o debate que será travado no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao escândalo da Petrobras. O ministro Teori Zavascki, relator do processo da Lava-Jato, rejeitou a maioria dos pedidos de habeas corpus, mas é de sua lavra a liminar que confinou as investigações da Operação Lava-Jato aos fatos relacionados à Petrobras. Outros casos, como o da Eletronuclear, saíram da alçada do juiz Sérgio Moro, que na sexta-feira teve uma decisão revogada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, no exercício do plantão da Corte.

Lewandowski concedeu habeas corpus para Ricardo Hoffmann, condenado pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). Entendeu serem infundados os argumentos adotados para a imposição da prisão preventiva, sendo suficiente a adoção de medidas cautelares, como a entrega do passaporte, recolhimento domiciliar e proibição de contato com demais acusados na ação penal. Sua liminar pode representar um novo paradigma no comportamento da Corte. “Constato a existência de constrangimento ilegal na manutenção da segregação cautelar do paciente, uma vez que se mostram insuficientes os fundamentos invocados pelo juízo processante para demonstrar a incidência dos pressupostos autorizadores da decretação da preventiva”, afirmou.

Hoffman foi condenado a 12 anos e 10 meses de prisão pela prática dos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Moro determinou a manutenção da prisão preventiva, mas o parecer do Ministério Público Federal, à época da condenação, foi favorável à adoção apenas de medidas cautelares. Em sua decisão, o ministro Ricardo Lewandowski entende não haver evidências de que, posto em liberdade, o condenado em primeira instância volte a cometer o mesmo delito, uma vez que já está afastado das funções profissionais exercidas anteriormente.

Polêmica
O julgamento da Lava-Jato promete retomar algumas polêmicas sobre a Ação Penal 470 protagonizadas pelo ministro Lewandowski, revisor do processo, e pelo ministro Luís Roberto Barroso, que trombaram com o então presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. Na introdução ao seu voto, no qual defende 13 teses, Barroso foi premonitório: “após o inquérito que resultou na AP 470 — com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança —, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade”.

Três “reflexões” de Barroso, porém, merecem muita atenção, pois podem representar o divisor de águas no julgamento da Lava-Jato. Primeira: “Sem reforma política, tudo continuará como sempre. A distinção será apenas entre os que foram pegos e outros tantos que não foram”. Segunda: “Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior. Dos ‘nossos’ e dos ‘deles’. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada”. Terceira: “Cada um deveria aproveitar esse momento, visto como um ponto de inflexão, e fazer a sua autocrítica, a sua própria reflexão pessoal, e ver se não é o caso de promover em si a transformação que deseja para o país e o mundo”.

Miriam Leitão: Corte seletivo

- O Globo

Em época de penúria dos cofres públicos é que faz mais sentido se perguntar qual é o custo de cada decisão e para onde vai o dinheiro coletivo. Esta é a hora, portanto. Há muito imposto que sai dos nossos bolsos para benefícios que não fazem sentido. Uma cervejaria inscrita na dívida ativa do Rio ganha R$ 687,8 milhões, e o governo do Rio corta na merenda escolar. Faz sentido?

Quando há abundância de recursos, as pessoas às vezes nem se dão conta de certos absurdos. Quando o cinto aperta, talvez seja uma oportunidade de fazer perguntas simples: para onde vai o nosso dinheiro? Nós concordamos com a destinação?

A presidente Dilma disse que para “reequilibrar o Brasil é preciso aumentar impostos”. Discordo novamente da chefe de governo. Primeiro seria preciso saber se gastamos bem o dinheiro já recolhido dos cidadãos, que neste momento estão com vários apertos, alguns provocados, como define Élio Gáspari, pela “doutora”. A inflação subiu por erros na condução da política de preços públicos. Ao subir, comeu parte do Orçamento. A recessão está dizimando empregos e o país tem hoje nove milhões de desempregados, apesar de, na campanha, ela ter se vangloriado de o país estar perto do “pleno emprego”.

Há formas de cortar gastos que são regressivas, atingem mais os mais pobres. Mas há despesas que podem ser eliminadas ou reduzidas e, desta forma, melhorar a qualidade do Orçamento. Por que o Brasil precisa destinar R$ 1,2 bilhão ao ano para subsídio ao carvão mineral? É um exemplo. Há vários deles, em qualquer nível da administração.

Os repórteres Chico Otávio e Luiz Gustavo Schmitt revelaram que, no Rio, o grupo Petrópolis, que faz a cerveja Itaipava, apesar de estar na Dívida Ativa, foi beneficiada em novembro passado por um decreto do governador Luiz Fernando Pezão. Em novembro, quem não soubesse da crise fiscal do país era um morador de Marte. O decreto incluiu a cervejaria no Rio Invest. Com isso, a empresa ganhou incentivos fiscais no valor de R$ 687,7 milhões ao longo de 10 anos. A mesma empresa é objeto de ações fiscais no valor de R$ 1 bilhão. É um exemplo, apenas, mas em um estado que está atrasando salário, que corta na merenda de crianças, em que hospitais entram em colapso, que sentido faz dar este ou outros incentivos fiscais aos empresários e especialmente a uma empresa que deve impostos? É distribuição de renda no sentido inverso do que deveria ser. Um Robin Hood às avessas.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, deu ao jornal “Valor Econômico” a informação sobre o custo do pleito do Movimento Passe Livre. Custa R$ 8 bilhões por ano o transporte público de graça na cidade. Seria como, disse o prefeito, se a prefeitura pegasse toda a arrecadação do IPTU para subsidiar o transporte de todos, os que podem pagar e os que têm dificuldade. Hoje, São Paulo já gasta R$ 2 bilhões subsidiando o passe livre dos estudantes e das pessoas com mais de R$ 60 anos. Faz sentido um subsídio pelo critério da idade? E os moradores de São Paulo querem gastar R$ 8 bilhões para atender à reivindicação dos manifestantes?

Talvez fizesse mais sentido haver subsídio para os mais pobres e cobrança de uma regulação eficiente sobre os concessionários de serviços públicos. Como é tolerável no Rio que as empresas ponham para rodar ônibus sem ar-refrigerado nesta sauna em que se torna a cidade no verão? Ter ônibus refrigerados é questão de saúde pública.

A presidente Dilma sancionou um aumento de 163% no dinheiro que vai para o Fundo Partidário, aceitando o argumento de que sem isso não haveria campanha municipal, já que há restrição ao financiamento das empresas. Faz sentido isso? Este momento de recursos mais magros deveria ser visto como uma oportunidade para campanhas menos cenográficas, em que não se pagasse fortunas para marqueteiros construírem imagens falsas dos candidatos. O Brasil precisa de relação mais direta e sincera entre o candidato e os eleitores. E isso seria mais barato.

Há inúmeras perguntas que deveríamos nos fazer neste momento de vacas magras. Os exorbitantes subsídios ao capital no Brasil, através do BNDES, precisam cair para se ter uma sociedade mais justa e um capitalismo mais eficiente. Se nada for mudado, teremos sempre custos públicos e benefícios privados.

Samuel Pessôa: Monogamia

- Folha de S. Paulo

A monogamia representa interferência do Estado nas possíveis formas de associação afetiva. O mercado de casamentos desregulado produz poligamia. Aplica-se a lógica dos demais mercados: aqueles que ganham mais adquirem maior quantidade.

As sociedades poligâmicas convivem com fortíssima tensão social: parte considerável da população masculina, os homens pobres, passará a vida sem se relacionar com mulheres. Entende-se por que em sociedades poligâmicas há tanto controle social para que homens e mulheres não interajam e que as mulheres só ocupem espaço público de forma passageira e totalmente cobertas. Veja o estudo de 2012 publicado no Philosophical Transaction of the Royal Society, volume 367, páginas 657-669 "The puzzle of monogamous marriage" (http://rstb.royalsocietypublishing.org/content/royptb/367/1589/657.full.pdf).

A monogamia representa, portanto, forte interferência do Estado no mercado. Como toda interferência, tem efeitos colaterais, que contornam a regulação: amantes e prostituição. Há dois caminhos possíveis. As sociedades podem avançar na regulação, proibindo-os, ou aceitá-los, como efeito colateral, e parar por aí.

A interferência nos mercados representada pela monogamia funciona, pois apresenta custo de transação baixo. Os arranjos poligâmicos são facilmente identificados. Já a proibição da prostituição e de amantes apresenta custo de transação bem maior.

Uma forma extrema de monogamia é a vedação ao divórcio. A experiência sugere que ela é ruim e que a monogamia sucessiva, ou monogamia ao longo do tempo, representa arranjo superior.

É comum desejarmos regular outros mercados. De fato, a regra pela qual quem tem mais pode mais é muito injusta. Por exemplo, o regime chavista da Venezuela, em razão das dificuldades do país, fruto da queda do petróleo, regulou o mercado de bens de primeira necessidade. O motivo é tentar garantir aos mais necessitados o acesso a alimentos.

A dificuldade é que esse tipo de regulação tem muitos efeitos colaterais: o controle de preços reduz o incentivo aos produtores, e o controle de quantidade sobre os consumidores produz mercado paralelo muito ineficiente. A impressão que se tem é que, no final das contas, os pobres estão ainda piores do que se não houvesse a regulação. De fato, esse tipo de regulação somente funciona em sociedades em guerra que possam punir exemplarmente o desvio -em geral com julgamentos sumários e pena de morte- e que aceitem com muita facilidade o erro jurídico, isto é, matar um inocente. É a forma de compensar os elevadíssimos custos de transação dessa regulação.

Há no Congresso Nacional agenda legislativa de regular novos arranjos familiares. Regulam arranjos de pessoas do mesmo sexo e arranjos mais variados, envolvendo mais do que duas pessoas, o poliamor.

Minha formação de professor de economia ortodoxo, meio intelectual, meio conservador, sugere que as alterações que faremos na legislação deveriam manter o princípio da monogamia sucessiva, permitindo o divórcio, independentemente da composição de gênero do casal, mas não recepcionar em lei os arranjos mais heterodoxos do poliamor.

Manifesto irrefletido- Editorial / O Estado de S. Paulo

Um grupo de advogados divulgou manifesto com duras críticas à Operação Lava Jato, na qual haveria um “regime de supressão episódica de direitos e garantias”. Não poupam palavras para externar o sentimento de indignação contra os processos judiciais em curso. “Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, afirmam os subscritores.

O manifesto não é uma expressão de legítimo interesse público, como tenta se apresentar. Nada mais é do que a defesa de interesses privados. O documento faz parte da atividade profissional de renomados advogados. Afinal, vieram a público defender os interesses de seus clientes, muitos dos quais frequentaram e frequentam o noticiário policial. Esses clientes, em resumo, protagonizam as operações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Se fosse apenas isso, nada haveria de reprovável. O documento seria um instrumento para a devida defesa de réus e condenados. Mas ele ultrapassa essa finalidade ao se tornar um libelo acusatório – sem provas que não as palavras dos signatários e à revelia dos fatos – contra instituições. E resvala para a molecagem quando imprime como subscritores nomes de advogados que não assinaram o manifesto.

Os verdadeiros signatários tratam levianamente a imprensa, como se os jornalistas que a compõem formassem uma massa amorfa de manobra, à disposição de quem queira moldá-la. Ousam dizer que há uma “estratégia de massacre midiático”, parte de “verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados”. Ora, seus clientes tiveram amplas e reiteradas possibilidades para explicar as denúncias que vieram a público. A imprensa tem informado lisamente a respeito do que ocorre. E os brasileiros têm o direito de saber, até porque foi do bolso de cada cidadão que saíram os bilhões de reais que os réus e acusados – que, segundo os advogados, padecem os tormentos da injustiça – enfiaram nas suas contas bancárias, aqui e no exterior.

A metralhadora acusatória dos advogados tem um alvo especial – o juiz Sérgio Moro. “É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação”, afirmam os advogados. É grave essa distorção dos fatos. Se os acusados e seus causídicos veem parcialidade em Sérgio Moro, os Tribunais Superiores têm confirmado em grande porcentual as decisões daquele juiz.

É lamentável que pessoas responsáveis e consequentes como as que assinaram o documento afirmem que “a Operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte”. A Operação Lava Jato está plenamente inserida nos caminhos institucionais. Se ela não estivesse dentro da mais plena legalidade, certamente muitos dos subscritores do manifesto, de notória capacidade profissional, já teriam obtido a nulidade dos processos. O que os preocupa é a consistência dos passos dados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

O documento revela diligência profissional por parte dos causídicos, que não poupam esforços na defesa de seus clientes. Mas o discurso acusatório é um equívoco. Causa involuntário mal à democracia usar palavras de forma arrebatada – e irrefletida. O documento afirma que “o Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial”. Ora, não se vislumbra qualquer ameaça ao Estado de Direito. As leis estão sendo cumpridas. Bem conhecem os subscritores a previsão legal da prisão preventiva e da delação premiada, por exemplo.

Se houve violações e abusos de direitos nas decisões judiciais, a legislação brasileira prevê generosamente amplos caminhos recursais para sua revisão. Nesse sentido, não há que se falar de supressão de garantias e direitos. Há de se reconhecer que poucos réus na história da Justiça brasileira tiveram a possibilidade de ser tão bem assistidos juridicamente quanto os atuais réus e investigados na Operação Lava Jato. Puderam contratar os melhores e mais caros advogados do País.

Orçamento indexado inviabiliza ajuste – Editorial / O Globo

• Apesar de uma coleta de tributos menor, gastos previdenciários e outros foram corrigidos por uma inflação alta, criando despesa maior que a meta de superávit

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e equipe investem horas e horas de trabalho na tarefa de encontrar maneiras de incentivar a retomada do crescimento, mas sem que isso implique aumento dos gastos. Devem saber que o desequilíbrio fiscal construído principalmente no último ano do primeiro mandato da presidente Dilma acelerou a inflação, impôs um ciclo recessivo profundo ao país e esfumaçou o que restava de confiança de investidores e consumidores no governo.

O próprio Barbosa reafirma o compromisso de buscar a meta de superávit primário de 0,5% do PIB, este ano, fixada no Orçamento. Não será fácil, devido à própria recessão, causa da redução no recolhimento de impostos. Não só por isso. O governo Dilma finge que o grave assunto não existe — para não contrariar o PT e, certamente, as próprias convicções. Mas, enquanto ministro e equipe se debruçam sobre uma equação difícil de resolver, a simples aplicação dos índices de indexação sobre aposentadorias e outros benefícios criou uma despesa que torna praticamente impossível o governo alcançar a meta do 0,5% do PIB. A não ser que, a depender da recomposição da base governista, no segundo semestre, o Planalto consiga aprovar mais uma daquelas flexibilizações estatísticas, para deduzir bilhões da meta. Mesmo assim, será preciso cautela, dada a quase nula credibilidade da presidente neste campo. Maior a criatividade estatística, pior a reação dos mercados. Mais inflação e juros.

Obedecida a indexação pelo salário mínimo ou inflação das aposentadorias, os segurados do INSS que recebem um SM ganharam um reajuste de 11,6%, enquanto aqueles benefícios superiores ao mínimo subiram 11,28%. Foi transposta a inflação para os benefícios, mesmo com recessão e queda na coleta de impostos. O efeito dessa indexação será, em 2016, uma despesa de R$ 41,1 bilhões — bem mais que o R$ 30 bilhões que o governo esperava arrecadar no ano passado, de abril a dezembro, com a ressurreição da CPMF. E mais que os R$ 30,5 bilhões do superávit de 0,5% do PIB. 

A conta é maior, porque há outros gastos que são remarcados todo início de ano. Na terça, o governo anunciou que, a partir de amanhã, por exemplo, o teto do seguro-desemprego passará de R$ 1.385,91 para R$ 1.542,24, aumento de pouco mais de 11%. Está exposto, agora na prática, o grande obstáculo a um ajuste fiscal que representam a superindexação do Orçamento e sua vinculação a gastos específicos — saúde e educação, por exemplo. Além de se engessar o administrador público, impede-se que despesas sejam avaliadas pelo critério salutar da sua eficácia. Gasta-se naquilo porque se gastou no ano passado.

A parcela de 90% do Orçamento está engessada. E grande parte destes bilhões encontra-se indexada pelo salário mínimo ou inflação. Daí crescerem, mesmo na recessão e na diminuição da coleta tributária. Não há ajuste fiscal efetivo que seja possível. E, sem ele, impede-se a retomada do crescimento, num trágico círculo vicioso.

E não se move – Editorial / Folha de S. Paulo

Segundo informações divulgadas pelo IBGE na sexta-feira (15), o rendimento médio do trabalho começou a cair em outubro -baixa de 1%. O número de pessoas empregadas diminuiu 0,3%.

Dada a degradação da economia, a piora ainda não é expressiva, mas não há motivo para acreditar que a situação não se tenha agravado desde então.

A combinação de menos empregos e menor renda produziu a primeira queda significativa do total de rendimentos desde que se dispõe da informação em âmbito nacional, 2012. As vendas do comércio, porém, já vinham encolhendo.

Até novembro do ano passado, o varejo vendera 4% menos que em 2014. Se considerados também o comércio de veículos e de material de construção, a queda vai a 8,4%.

O desemprego nacional passou de 6,6% para 9% em um ano, alta devida mais ao aumento do número de pessoas que voltaram ao mercado de trabalho do que às demissões. O excesso de mão de obra disponível deve contribuir para redução ainda maior do salário médio.

O ceticismo generalizado entre empresários e consumidores, os maus prognósticos para salários e comércio, a inoperância do governo e a perspectiva de crise política contínua eram bastantes para angustiar os cidadãos.

Novos tumultos internacionais, todavia, tornam o quadro mais sombrio.

Renovadas dúvidas sobre o grau de redução do ritmo da economia chinesa são um dos fatores principais da tensão, que provoca onda de descrédito em relação aos emergentes. Dada a instabilidade doméstica, o Brasil se vê atingido com intensidade maior -aumentou muito a percepção de que é arriscado investir aqui.

Como se fosse pouco, a turbulência na China ainda contribui para derrubar os preços do petróleo, deprimido pelo excesso de oferta.

O barateamento da energia seria benéfico se não fosse o estado ruinoso da Petrobras, que se desfaz de patrimônio e corta investimentos a fim de continuar respirando.

Dadas a importância da empresa, seu tamanho e o fato de o governo ser na prática o garantidor de suas finanças, a derrubada de preços do petróleo prejudica ainda mais o crédito do Brasil, encarecendo o custo dos empréstimos internacionais e afetando o valor do real.

Além da deterioração objetiva das condições financeiras, a confiança é ainda mais abatida. O governo da presidente Dilma Rousseff (PT), diminuído pela penúria de recursos políticos, econômicos, administrativos e intelectuais, permanece letárgico, outra vez adepto de medidas pontuais, incapaz de reagir à gravidade da situação.

Elio Gaspari: O Brasil que dá certo fica escondido

- O Globo

Os jovens que disputam a Olimpíada de Matemática continuam ensinando ao Brasil a força de sua gente. No ano passado, soube-se da história das trigêmeas Loterio, de 15 anos, que viviam numa casa sem internet, a 21 quilômetros da escola, na zona rural de Santa Leopoldina (ES). Elas conseguiram os três primeiros lugares na classificação de seu Estado. Matriculadas no ensino médio, voltaram à Olimpíada e conseguiram uma medalha de prata (Fabiele) e duas de bronze (Fábia e Fabíola). Esse era um caso de dedicação ajudado pelo estímulo de uma professora, Andréia Biasutti. Conseguiram isso num município assolado por roubalheiras de políticos e empresários.

Pouco depois, soube-se do caso de Lucy Maria Degli Espositi Pereira, de 27 anos. Ex-freira, ela voltara ao colégio, em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), e conseguiu uma medalha de ouro na Olimpíada de 2014. Em agosto, Lucy completou dois meses sem aulas porque uma greve de motoristas suspendera o transporte escolar. Para quem frequentava o curso noturno, pois durante o dia ajudava o pai em serviços de pedreiro, era um tiro na testa. Engano. Ela participou da prova de 2015 e repetiu o ouro. Se pararem de atrapalhar a vida de Lucy, ela continuará trabalhando na construção civil, como engenheira.

Pela sabedoria convencional, Lucy e as trigêmeas Loterio caíram numa das armadilhas da sociedade. Uma ficou sem aulas e as outras viviam numa área isolada. Elas sacudiram a poeira e deram a volta por cima. Se não existisse a Olimpíada de Matemática, seriam boas alunas anônimas em cidades do interior. Graças a essa simples iniciativa, a cada ano o Brasil é surpreendido pela força do seu povo.

Quem quiser ver o discurso de Barack Obama na sessão de reabertura do Congresso americano poderá perceber que a fala do governante da nação mais poderosa do mundo pouco tem a ver com o blá-blá-blá de seus similares nacionais. O companheiro mostrou a força de sua gente. Num costume inaugurado por Ronald Reagan em 1982, todo ano o presidente americano convida um pequeno grupo de cidadãos para ouvi-lo, sentando-os na galeria e mencionando-os no discurso. Neste ano, Obama levou um casal que atravessou a recessão, formou-se num colégio comunitário e aprumou sua vida. Em 1997, Bill Clinton convidou dois estudantes que venceram competições internacionais de ciência e matemática. Eles estudavam no mesmo colégio, e o convite de Clinton foi estendido à professora.

Uma rara boa notícia, para hoje e amanhã
Numa época em que só se colhem notícias ruins, aconteceu uma coisa boa no mercado do café. As exportações vão bem e o consumo interno cresceu 0,9%. Não é nada, mas é alguma coisa.

A melhor notícia relaciona-se com o futuro. O consumo de café no mundo passa pela revolução tecnológica das cápsulas. Em menos de um minuto, produzem um cafezinho, não sujam e dão ao freguês uma inédita variedade de escolhas. O consumo de café em cápsulas tem 25% do mercado francês, mas no Brasil ainda é desprezível (0,6%).

Essa revolução começou há décadas, e o Brasil estava numa situação vexaminosa, importando algum café torrado da Suíça e da França, onde não há um só pé da fruta. Medidas espertas do governo, liberando a importação de máquinas para os lares, e investimentos da iniciativa privada, a construção de duas fábricas de cápsulas, colocam o Brasil numa boa posição, saindo de um atraso que vem do século 19.

Em vez de exportar sobretudo café verde, poderá exportar cápsulas. O grão puro e simples vale R$ 10 por quilo, o café das cápsulas rende R$ 300 pelo mesmo quilo.

Os bons cafezais brasileiros produzem tipos de grãos capazes de competir com quaisquer sabores de outros países. Se ninguém atrapalhar, dá certo.

Boa ideia
O governador Geraldo Alckmin brilha quando honra a plateia com suas platitudes. Na semana passada, ele saiu da banalidade e reclamou da mobilização da rua.

Disse o seguinte:

"O que se verifica é vandalismo, e ainda um vandalismo meio seletivo, porque a correção da tarifa em São Paulo é menor do que a inflação. E é estranho, a energia elétrica aumentou 70% e não teve nenhum vandalismo."

Noves fora que nem todo manifestante é vândalo, fica a impressão que o doutor quer mais manifestações, sobretudo contra as tarifas de energia. Boa ideia.

Cerveró 1954
O depoimento de Nestor Cerveró na Lava Jato cai como uma luva na piada do sujeito que matou a mulher na manhã de 24 de agosto de 1954 e seu advogado disse à polícia que havia relação entre aquele crime e o suicídio de Getúlio Vargas, que acabava de ser anunciado.

Faz tempo que a defesa da turma das petrorroubalheiras trabalha com a ideia de tumultuar o inquérito para reduzir as condenações do juiz Moro nas instâncias de Brasília.

Depoimentos conflitantes de pessoas que colaboram com a Justiça para reduzir suas penas são trufas para o risoto dos comissários e dos empreiteiros.

Mein Kampf
É pura perda de tempo a discussão em torno da legalidade da publicação do Mein Kampf, de Adolf Hitler. A íntegra do "Minha Luta" está na internet, em todos os idiomas, de graça.

Numa época em que o Estado Islâmico tem uma produtora de vídeos mostrando suas barbaridades, o livro de Hitler é apenas um documento ilustrativo do antissemitismo nos anos 20 do século passado.

Madame Natasha
Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, pela seguinte charada, incluída na carta que enviou ao ministro da Fazenda sobre o estouro da meta da inflação:

"O Banco Central entende que o processo de ajuste macroeconômico em curso, intensificado por eventos não econômicos, contribuirá para uma dinâmica menos pressionada da inflação, ao auxiliar na quebra da resiliência de preços. Em termos do conjunto de indicadores de ociosidade da economia, nota que medidas convencionais de hiato do produto encontram-se em território desinflacionário, em linha com a evolução recente da atividade –menores que as estimativas de crescimento potencial da economia."

O doutor não tinha o que dizer e nada disse. Natasha sabe que o estilo críptico dos bancos centrais foi levado às últimas consequências por Alan Greenspan, presidente do Fed americano de 1987 a 2006. Greenspan é incapaz de se expressar com clareza até em conversas pessoais, como na hora de propor casamento à namorada.

O hermetismo do Banco Central brasileiro é um truque destinado a blindar hierarcas e confundir a plateia. O Fed emite notas crípticas, mas a cada cinco anos divulga a transcrição das fitas onde estão gravadas as discussões do seu comitê de politica monetária, documentando a responsabilidade de cada participante da reunião. Em Pindorama isso não acontece, porque responsabilidade é coisa estranha a Brasília.

Celso Lafer*: Atualidade política de Nabuco

- O Estado de S. Paulo

Balmaceda é um livro de Joaquim Nabuco de 1895, que tem sua origem em artigos publicados no Jornal do Commercio da então capital federal. Examina o que foi a crise política no Chile proveniente da conflitiva presidência de José Manuel Balmaceda, que levou a uma guerra civil e culminou no suicídio do presidente.

Na bibliografia de Nabuco, esse livro não se situa no mesmo plano de Minha Formação, um dos pontos altos da narrativa autobiográfica brasileira, de Um Estadista do Império, que oferece o melhor acesso ao entendimento das instituições políticas do Brasil de dom Pedro II, ou de O Abolicionismo, que faz do autor, ao examinar o legado da escravidão, um dos grandes pensadores do Brasil.

Mas Balmaceda é uma relevante obra de análise política na avaliação de autores como Evaldo Cabral de Mello e Francisco Iglesias. Em momentos de crise política aguda em países da América do Sul, ler Balmaceda, que mereceu em 2008 apurada reedição com a chancela da Editora Cosac Naify, traz ensinamentos úteis.

São múltiplos os ângulos a partir dos quais sua relevância e seu significado podem ser examinados. Trata-se de obra que transcende as circunstâncias e os embates da época da sua elaboração e publicação, ligados à crítica política dos primeiros anos da República e aos desmandos autoritários da Presidência Floriano Peixoto.

Quero chamar a atenção para dois pontos relevantes: a importância atribuída por Nabuco à América Latina para a política externa brasileira, como um dos desdobramentos da implantação da República, e a sua aguda análise dos desafios da governabilidade em nossa região.

Na maior parte do século 19, desde a independência, o Brasil foi o diferente nas Américas: um Império em meio a Repúblicas; uma grande massa territorial de fala portuguesa, que permaneceu unida num mundo hispânico que se fragmentava, tendo no Hemisfério Norte os Estados Unidos expandindo-se territorialmente. Foi a República que sublinhou a relevância da inserção do Brasil nas Américas.
Dizia nesse sentido o Manifesto Republicano de 1870: “Somos da América e queremos ser americanos”. Essa é uma das razões por que o advento da República trouxe uma “americanização” da política externa brasileira.

Daí a importância do conhecimento da América Latina para o Brasil, indicada com clareza e precisão nas páginas finais de Balmaceda: “O interesse que antes já me inspiravam as coisas sul-americanas aumentou naturalmente depois da Revolução de 15 de Novembro. Desde então começamos a fazer parte de um sistema político mais vasto... Desse modo o observador brasileiro, para ter ideia exata da direção que levamos, é obrigado a estudar a marcha do Continente, a auscultar o murmúrio, a pulsação continental”.

A República, no âmbito da “pulsação continental”, ao trazer a negação dos critérios de organização do espaço público do Império, inaugurou um período de dilatada incerteza política, que explica a entropia de seus anos iniciais, caracterizados pelo desafio da governabilidade.

Quando Nabuco escreveu Balmaceda, o caminho para lidar com a governabilidade, apontado pelos adeptos do positivismo de Augusto Comte, era a ideia de “ditadura republicana” advogada por Júlio de Castilhos, tendo como lastro um demiúrgico cientificismo político. Esse é o pano de fundo brasileiro do capítulo IV do livro, intitulado Ensaio Geral da Ditadura, que examina por que Balmaceda em 1890 “propunha praticamente a onipotência do Poder Executivo e a degradação do Congresso”.

Nabuco discute, nessa conjuntura, o espírito de reforma, que combina conservação e aperfeiçoamento, contrastando-o com o radicalismo dos que buscavam impor a realidade, em nome da “ciência”, o caminho único de uma chave teórica. O ímpeto do “metodismo científico” foi uma inspiração propulsora da ação de Balmaceda.

Levou-o a “introduzir insidiosamente no esplêndido organismo chileno o gérmen do militarismo político” e dele fez “um caráter imperioso em que o mando absoluto embotara todas as outras faculdades”, inclusive o discernimento do bom juízo político. Dele fez um integrante da família política dos que “lavram suas utopias na sociedade a tiro de canhão quando é preciso”.

“Os despotismos”, aponta Nabuco com precisão, “não se defendem contando tudo ao país e contando com ele, defendem-se nas trevas com o dinheiro, com o terror e com o silêncio.” Nesse contexto, antecipa o tema contemporâneo da cláusula democrática na nossa região. Afirma, em observação que transcende o que se está passando na Venezuela: “Os chefes de Estado têm o direito de defender a sua autoridade legal – não era o caso de Balmaceda –, mas esse direito não vai ao ponto de acumular por toda parte ruínas sobre ruínas, de arrasar a sociedade, de proscrever a opinião oposta, de privar a nação do direito de se inclinar para o lado contrário e dos meios de gritar pela paz”.

As citações acima retêm plena atualidade política. São as de um pensador que prenuncia o que veio a ser no âmbito da esquerda o debate político reforma x revolução. Para esse debate, a História do século 20, como uma “era de extremos”, deu as duríssimas respostas dos desastres humanos inspirados pelos demiurgos e profetas do caminho único da mudança por métodos revolucionários. Antecipa, igualmente, os riscos na nossa região da tendência à “tábula rasa” dos fundacionismos qualificados como “bolivarianos”.

Esclarece como reformista o desafio da governabilidade democrática em nossa região. Este é o do fazer, e não o do azabumbar do marketing político do falar. E o de levar adiante políticas públicas consistentes, que permitam democraticamente avaliar os governantes pelo resultado da sua administração, vale dizer pelo inventário de que encontraram ao assumirem as responsabilidades do poder e o que deixaram para seus sucessores.
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* Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

Ancelmo Gois: ‘É carnaval, é folia/nesse dia ninguém chora...’

- O Globo

Como eu ia dizendo, o “Financial Times” — que entende tanto de samba quanto eu de corrida de cachorros greyhound — vaticinou que o carnaval não será bom porque os brasileiros não estão em clima de festa. A historiadora Rosa Maria Araújo, que é do ramo, rebate com veemência o vetusto jornal inglês:

— A crise econômica é grave, mas nunca afetaria a alegria da festa, principalmente no coração do Brasil: o Rio. Carnaval é brincadeira. É o momento de esquecer a dureza do dia a dia e cair na folia. O camelô vira marajá, a faxineira vira princesa.

O coleguinha Marcelo de Mello, autor do livro “O enredo do meu samba”, faz suas as palavras de Rosa. Para ele, é uma bobagem considerar a animação dos foliões diretamente proporcional à situação política e econômica do país.

— Pelo contrário, a crise pode até servir de combustível, porque faz parte da mística do carnaval a superação da tristeza.

Mello lembra que, em 1984, fim do regime militar, a Mangueira foi à Praça da Apoteose e voltou, sendo campeã num desfile arrebatador; e que, em 1985, a Caprichosos ironizou a frustração pela rejeição da emenda das diretas no sambão “E por falar em saudade”, que dizia assim: “Diretamente, o povo escolhia o presidente...”

Isso sem falar em dois grandes sambas do Império Serrano cantados em momentos críticos: o primeiro é “Aquarela brasileira”, de Silas de Oliveira, em 1964, em plena agitação que resultou no golpe militar, dois meses depois do carnaval; e “Bum-bum paticumbum prugurundum”, de Aluisio Machado e Beto Sem Braço, em 1982, quando a equipe econômica vivia indo ao FMI de pires na mão. É aquele que diz: “Vem meu amor, vem meu amor/Manda a tristeza embora/É carnaval, é folia/Nesse dia ninguém chora...”.

Rosa argumenta que a criatividade supera a escassez de recursos para o visual:

— Uma festa não é boa pelo visual, pela comida. Se tem pipoca, cachorro-quente e cerveja, o povo se diverte.

Ela lembra que, nestas três semanas que faltam para o carnaval, centenas de blocos estão empolgadíssimos. Há muitas disputas de sambas (mais marchinhas do que sambas), com obras deliciosas. Há o Simpatia, o Bloco de Segunda, o Tá Pirando, Pirado, Pirou! e tantos outros.

— No desfile principal das escolas, temos os melhores sambas-enredos dos últimos tempos — Ou seja: os barracões estão a mil por hora e as quadras fervilham, argumenta ela.

Em 1912 , uma semana antes do carnaval, o país foi tomado por uma comoção por causa da morte do Barão do Rio Branco. O governo resolveu adiar o carnaval para abril.

Alegou, como diria o “Financial Times”, que não havia clima para festa. Resultado: o povo comemorou o carnaval em dose dupla. No dia previsto anteriormente e no dia oficial.

Aliás, atribui-se ao Barão a frase “Existem no Brasil apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o carnaval”. Mas isto é outra história.

PP desviou R$ 358 mi dos cofres da Petrobrás, afirma Janot

• Doações oficiais disfarçaram propina na Petrobrás, sustenta Rodrigo Janot, em denúncia formal da Lava Jato contra deputado Nelson Meurer, um dos líderes do esquema operado pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef, em nome da legenda; PGR quer de parlamentar perda o cargo

Por Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que o esquema de corrupção sustentado pelo PP na Petrobrás, que tinha como principais operadores o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, desviou R$ 357,9 milhões dos cofres da estatal, entre 2006 e 2014 – 161 atos de corrupção em 34 contratos, 123 aditivos contratuais e quatro transações extrajudiciais. O balanço está descrito na denúncia contra o deputado Nelson Meurer (PP-PR) oferecida ao Supremo Tribunal Federal. Segundo a acusação formal do Ministério Público, doações oficiais à legenda ocultaram propina.

O PP é o primeiro partido a ter seu esquema de corrupção devassado pela força-tarefa da Lava Jato. A investigação em Curitiba concentra seus trabalhos também na atuação do PT e do PMDB no esquema. As três legendas, conforme o Ministério Público Federal, agiam como controladoras de áreas estratégicas da Petrobrás, por meio do controle de diretorias, e beneficiárias diretas de desvios.

“Os valores ilícitos destinavam-se não apenas aos diretores da Petrobrás, mas também aos partidos políticos e aos parlamentares responsáveis pela indicação e manutenção daqueles nos cargos”, disse Janot na denúncia contra Meurer, no Inquérito 3.997, que ainda será analisada pelo Supremo.

A propina era repassada aos políticos “de maneira periódica e ordinária, e também de forma episódica e extraordinária, sobretudo em épocas de eleições ou de escolhas das lideranças.” “Em épocas de campanhas eleitorais eram realizadas doações ‘oficiais’, devidamente declaradas, pelas construtoras ou empresas coligadas, diretamente para os políticos ou para o diretório nacional ou estadual do partido respectivo”, afirmou Janot. “Em verdade, (as doações) consistiam em propinas pagas e disfarçadas do seu real propósito.”

A linha acusatória da Procuradoria é a mesma da força-tarefa da Lava Jato, que vai, neste ano, acionar na Justiça, via ação cível pública, os partidos por desvios na Petrobrás. Até agora, só pessoas físicas foram imputadas.

Além das doações oficiais como forma de ocultar propina, a Procuradoria diz que ao menos outras três formas eram usadas: entregas em dinheiro em espécie levadas por “mulas” que escondiam as notas no corpo, transferências eletrônicas ou pagamentos de propriedades e remessas para contas no exterior.

Peça-chave. O doleiro Alberto Youssef foi a peça-chave nessa sistemática de desvios e corrupção do PP na Petrobrás, disse Janot. Ao menos R$ 62 milhões desse montante pago pelas empreiteiras ficaram ocultos em contas de empresas de fachada e de firmas que forneciam notas frias para a “lavanderia de dinheiro” do doleiro, responsável por administrar um verdadeiro “caixa de propinas do PP”.

Segundo Janot, o esquema na Petrobrás é fruto do loteamento político da estatal, entre partidos da base, promovido pelo Planalto para garantir a governabilidade e a permanência do poder a partir de 2004. Conforme a denúncia, PT, PMDB e PP eram os responsáveis pelas três áreas que concentravam os maiores investimentos na Petrobrás. Por meio do controle de cada uma das áreas, cobravam de 1% a 3% de propina em grandes contratos, em conluio com empreiteiras. Entre elas, as maiores do País, como Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Camargo Corrêa. A constatação é resultado de quase dois anos de trabalhos da força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, em Curitiba – sede da Lava Jato.

“No mínimo entre 2004 e 2012 (mas gerando pagamentos espúrios até 2014), as diretorias estavam divididas entre partidos, que eram responsáveis pela indicação e manutenção dos respectivos diretores”, escreveu Janot. “Esses políticos, plenamente conscientes das práticas indevidas que ocorriam na Petrobrás, não apenas patrocinavam a manutenção do diretor e dos demais agentes públicos no cargo, como não interferiam no cartel existente.”

Cassação de mandato. O procurador-geral da República pediu a perda do mandato do deputado federal Nelson Meurer. O parlamentar é acusado pelo desvio de R$ 29 milhões, do total de R$ 357,9 milhões que teriam sido parte da cota do partido no esquema na Petrobrás.

Meurer é acusado por dar sustentação ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, ao lado de outras lideranças do PP.

“Entre 2006 e 2014, em Brasília/DF, em Curitiba/PR, em São Paulo/SP e no Rio de Janeiro/RJ, o deputado federal Nelson Meurer, na condição de integrante da cúpula do Partido Progressista, PP, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com pelo menos José Janene, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, fornecendo o apoio e a sustentação política necessários à manutenção deste último na Diretoria de Abastecimento da Petrobrás”, escreveu Janot na denúncia.

Foram 161 atos de corrupção em favor do partido, políticos, agentes públicos e operadores de propina, segundo a acusação formal. No caso de Meurer, pelo menos duas doações oficiais, no valor total de R$ 500 mil, foram propina desviada da Petrobrás, conforme Janot.

Divisão. A Procuradoria-Geral da República montou um esquema de como era feita a divisão da corrupção, na Diretoria de Abastecimento, então cota do PP na Petrobrás. “Sobretudo a partir de 2006, em todos os contratos celebrados com empresas cartelizadas houve o pagamento de vantagens indevidas de pelo menos 1% do valor total contratado.” Essa cobrança envolvia ainda aditivos de contratos, segundo a investigação.

Desse valor, havia uma regra geral para divisão interna na legenda: 60% eram para o caixa do PP; 20% reservados para custos operacionais, tais como notas fiscais, tributos; 20% para divisão entre o diretor de Abastecimento e os operadores do esquema. Desse custo dos operadores, 70% ficavam com Paulo Roberto Costa e 30%, com o ex-deputado José Janene (morto em 2010) e, posteriormente, com Youssef.

Meurer e seus filhos Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer foram denunciados pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Com a palavra, o PP
O PP não respondeu aos questionamentos feitos pelo Estado. Em outra ocasião, o partido divulgou nota em que declarou não admitir “práticas de atos ilícitos e que confia na Justiça, de modo que os fatos sejam esclarecidos”. O presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PP-PI) – também alvo da Lava Jato –, não foi localizado.

Com a palavra, o criminalista Michel Saliba, que defende o deputado Nelson Meurer
Negativa. Procurado, o deputado, por meio do criminalista Michel Saliba, não quis comentar a acusação formal. “Vamos responder a denúncia nos autos, no seu devido tempo. Negamos de modo peremptório as imputações apresentadas pela denúncia.”