Por Sergio Lamucci – Valor Econômico
SÃO PAULO - As projeções para a dívida pública nos próximos anos mostram um quadro preocupante, apontando para trajetória de crescimento acelerado. O endividamento bruto, que fechou 2015 em 66,2% do PIB, pode bater em quase 84% em 2018, nas projeções do Itaú Unibanco.
As estimativas também são negativas quando se excluem as reservas internacionais da dívida bruta. O indicador, que ficou um pouco abaixo de 42% do PIB no ano passado, pode superar 58% do PIB em 2018. Esse cenário contribui para a piora da percepção do risco Brasil, podendo levar a novos rebaixamentos do rating pelas agências de classificação de risco.
As previsões do Itaú consideram que o setor público continuará a ter déficits primários ao longo desse período, que deverá ser marcado por desempenho muito fraco da atividade econômica e juros reais elevados. Uma receita que segue em queda e o pouco ou nenhum espaço para cortar gastos levam a esse cenário de novos rombos no resultado primário, conceito que exclui despesas com juros.
O economista Luka Barbosa, do Itaú, diz que a dinâmica desfavorável da dívida brasileira está hoje em trajetória insustentável. Para ele, reverter os déficits primários, com reformas que combatam o crescimento estrutural de despesas como as da Previdência é fundamental para enfrentar o problema, afirma. "São necessárias reformas do lado das despesas", resume Barbosa, que vê a necessidade de superávit primário de 2,5% a 3% do PIB para estabilizar a dívida em relação ao tamanho da economia.
Barbosa estima que o resultado primário terá rombo de 1,5% do PIB em 2016, de 2% em 2017 e de 2,5% em 2018. O desempenho da economia também deve seguir ruim. Depois de retração de 4% neste ano, ele espera crescimento de apenas 0,3% no ano que vem, com expansão de 1,4% em 2018.
Com projeções um pouco menos pessimistas para o crescimento e o resultado primário, a Tendências Consultoria vê uma alta menos acentuada da dívida nos próximos anos. Em 2018, o indicador baterá em 78,3% do PIB, nas estimativas da empresa, que projeta retração da economia de 3% e déficit primário de 0,8% do PIB neste ano. Para 2017 e 2018, a Tendências vê um superávit primário de 0,3% e 0,5% do PIB, pela ordem.
Mas o analista de finanças públicas da Tendências, Fabio Klein, adverte que a consultoria deverá revisar para baixo as projeções de crescimento. Como isso implica um cenário pior para a arrecadação, a estimativa para o resultado primário também deve cair.
Nesse cenário, as projeções para a dívida bruta vão aumentar, diz Klein, que vê uma trajetória "preocupante" para o endividamento do governo. O panorama para as contas públicas deverá seguir complicado, uma vez que os gastos públicos deverão continuar a crescer e a receita a cair, num quadro de fraqueza da economia, afirma.
Alguns analistas preferem olhar para a dívida bruta descontando as reservas. Sócio e gestor da Kapitalo Investimentos, Carlos Woelz considera que essa medida reflete de modo mais adequado a qualidade do crédito do Brasil. As reservas são um ativo líquido do país, dizem Woelz e Barbosa. Com isso, faria sentido considerá-las quando se examina a situação fiscal.
Calculado pelo Banco Central, o conceito de dívida líquida tradicional exclui, além das reservas, ativos como os créditos do Tesouro junto aos bancos públicos, que cresceram muito nos últimos anos. Com isso, o indicador perdeu espaço entre os especialistas, por não refletir o impacto dos empréstimos do governo a instituições como o BNDES.
Em 2015, o conceito que abate apenas as reservas da dívida bruta subiu relativamente pouco - de 39,7% para 41,6% do PIB -, porque a disparada do dólar contribuiu para amortecer a alta do indicador. O movimento do câmbio inflou o valor das reservas quando convertidas em reais, impedindo assim uma elevação maior da dívida, excluindo os recursos em moeda forte. Para os próximos anos, não se espera um salto do dólar da mesma magnitude ocorrida em 2015, quando o dólar pulou da casa de R$ 2,65 para R$ 4. Nesse quadro, as estimativas são de alta forte também da dívida bruta abatidas as reservas. O Itaú Unibanco estima que o indicador vai atingir 58,2% do PIB em 2018.
Woelz, que trabalha com números parecidos ao Itaú, diz que o nível atual, na casa de 42% do PIB, não é alto demais. O problema é justamente a trajetória projetada para os próximos anos, que indica um crescimento insustentável, afirma ele.
Woelz aponta uma piora nas contas públicas a partir de setembro do ano passado, que o deixou mais pessimista quanto às perspectivas fiscais. A Kapitalo calcula o resultado primário excluindo operações extraordinárias, fazendo um ajuste sazonal e anualizando o saldo. Na média móvel de seis meses, que suaviza variações mais bruscas, o déficit em junho chegou a ficar próximos de zero, mostrando um esforço fiscal considerável, segundo Woelz. Na média dos seis meses até dezembro, porém, o rombo voltou a superar 1% do PIB, evidenciando a deterioração do resultado das contas públicas. Woelz observa que, quanto mais demorar o ajuste, maior terá que ser o aumento do superávit primário para equilibrar a situação das contas públicas, impedindo uma alta exagerada da dívida.
Economista do Banco Votorantim, Roberto Padovani prefere olhar para a dívida bruta, por ser o indicador mais comparável ao de outros países. Para ele, embora a situação das contas públicas exija atenção, o principal imbróglio é político. Se esse nó for desatado, abre-se espaço para se resolver a questão fiscal, por meio de algum aumento de impostos, de medidas como a reforma da Previdência e o limite aos gastos, além de mudanças que deem mais transparência e flexibilidade às contas públicas. Segundo Padovani, a preocupação principal dos investidores hoje em relação ao Brasil se concentra na crise política, e não se a dívida está em trajetória explosiva.