terça-feira, 26 de abril de 2016

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna

O PSDB faz seus cálculos, porque os partidos querem sobreviver. O PSDB está muito dividido em relação à candidatura para a presidência, e os nossos partidos, além de estarem formados por esse maneirismo de base, estão dominados por lideranças egocêntricas, que calculam os interesses do país a partir da chave particular das suas pretensões eleitorais. Esse é um país em que todo mundo quer ser califa. Então, sei lá o que vão fazer, mas acho que vão se alinhar com esse sentimento de mudanças políticas, que são mudanças epocais.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo e professor de PUC-Rio, em entrevista

PSDB precisa participar da gestão Temer, defende FHC

PSDB deve indicar nomes para o governo de Temer, diz FHC

Fábio Zanini, Natuza Nery – Folha de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende a entrada do PSDB num eventual governo Michel Temer, com indicação de cargos. Segundo ele, o partido tem "responsabilidade política" e não pode se recusar a participar.

O partido está rachado: FHC coloca-se ao lado do senador José Serra, cotado para o governo, na defesa de indicação de ministros. Do outro lado está o governador Geraldo Alckmin, que advoga apenas apoio congressual. O partido tomará uma decisão no próximo dia 3.

Apesar de defender o impeachment, FHC diz que a presidente Dilma não é "criminosa" e afirma que "é bom" que o PT se mantenha como força política. Otimista, diz que sua confiança de que Temer fará uma boa gestão atinge 7, numa escala de 0 a 10. "Mas sou realista também. [Temer] É o que tem".

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Folha - O PSDB deve ter cargos em um governo Temer?

Fernando Henrique Cardoso - Não se pode colocar o carro adiante dos bois. Temer não é presidente ainda. Sendo presidente, tem que dizer o que quer. Na situação atual, tem que pensar no país. Tem que ver qual é o núcleo fundamental do governo, decidir quais são as áreas e qual o programa.

Esse programa do Temer, "Uma Ponte para o Futuro", tem corte liberal. O PSDB se sente confortável com ele?

É mais liberal. Mas depende de que venha outro da área social. Tem que ver como eles vão equilibrar isso aí. O PSDB tem responsabilidade política pelo que está acontecendo, porque apoiou o impeachment. Então não pode simplesmente dizer não entro [no governo]. Eu sou propenso a entrar desde que as condições sejam explicitadas. Entrar como partido, indicando nomes, porque a situação do Brasil é mais grave do que aparece.

Não é ruim ser sócio minoritário de um governo que não é seu, numa situação de crise?

A política é um jogo arriscado. Quem está nessa tem de estar sempre preparado para sair do governo. Se não for por um certo caminho, você não tem razão para continuar. Não pode, por exemplo, interferir na Lava Jato.

O senhor tem medo que algum acordão aconteça?

Não acredito que haja condição de acontecer.

Mas acha que vão tentar?

Que vão tentar, vão. Não por ser governo do PMDB, é porque abrange tanta gente que certamente vão tentar. O PSDB deve estar disposto a dizer: "nessa eu não entro".

É possível entrar num governo que promete corte de gastos, desvinculação orçamentária, talvez reduzir Bolsa Família?

Não se trata de cortar, se trata de dar um sentido mais realista e eficiente aos programas. Todos os programas do Brasil padecem da falta de avaliação. Isso não é ser de esquerda nem de direita, isso é ser racional. O governo, queira ou não, não tem mais de onde tirar dinheiro. Eu nem vou discutir aumento de imposto, porque vai haver.

É inevitável?

Inevitável. Basta olhar as contas. Se depender de mim, o PSDB apoiaria [aumento]. Depende de qual, né?

CPMF?

Não sei. CPMF é muito regressivo, eu fiz e depois defendi a queda dele. Precisa ver. Se eu fosse o presidente colocaria no Ministério da Fazenda alguém que entendesse de duas coisas: política fiscal e Congresso.

O sr. colocaria o Serra?

O Serra é um que poderia. Mas tem vários que podem.

Henrique Meirelles?

O Meirelles é mais política monetária do que fiscal. Nós não temos problema cambial neste momento. O Armínio também entende [da área fiscal], o Pedro Parente, tem várias pessoas.

Até que ponto pode atrapalhar o fato de Temer não ter a legitimidade de ter sido eleito como cabeça de chapa?

Isso é um fato. Ele tem a legitimidade democrática, porque teve tantos votos quanto a Dilma, embora muitas pessoas não saibam. Agora, como é que ele pode ter legitimidade, ser aceito? É pela realização, é pelo que fizer. Depende, em grande medida, da capacidade que tem em aglutinar.

O senhor se referiu a Dilma como uma mulher honesta.

Sempre.

Parece justo o impeachment de uma mulher honesta?

A Dilma não é criminosa. O processo é político. Com base jurídica, mas é político. Quando você perde a capacidade de agregar e de dar direção ao país, fica numa posição frágil. Infelizmente, o governo da presidente Dilma se desmilinguiu. Ela cometeu crime de responsabilidade fiscal e contra lei orçamentária, são ações concretas.

O sr. foi uma espécie de primeiro-ministro de Itamar. Temer deveria ter um também?

Se o Temer souber falar com o país, não precisa de primeiro-ministro nenhum.

Não parece ser o perfil dele...

As pessoas têm de usar a ocasião e mudar.

Se o Temer fizer uma gestão satisfatória, pode disputar a reeleição em 2018?

Se o povo quiser, não há o quer fazer. É bom para o PSDB? Não, o PSDB quer ir direto para o governo, mas se Temer for bom, e o Brasil quiser isso...

Como o sr. vê o futuro do PT?

O PT tem enraizamento, portanto ele vai permanecer. E é bom que permaneça. Erradicar o PT, criminalizar o PT não tem o meu apoio.

Numa escala de 0 a 10, qual o grau de confiança de que o governo Temer vai funcionar?

Sete.

Quanto otimismo, hein?

Eu sou otimista, pelo Brasil. Se não acreditarmos nas coisas, você não muda nada. E sou realista ao mesmo tempo. É o que tem. Não é minha escolha. A situação é essa.

FH não se opõe a PSDB em governo Temer

• Serra volta a defender participação do partido, e Aécio avalia que discussão de cargos agora é irrelevante

Tiago Dantas, Maria Lima, Cristiane Jungblut e Mariana Sanches - O Globo


- SÃO PAULO E BRASÍLIA - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem dito a interlocutores que não se opõe à participação do PSDB em um eventual governo do vice- presidente Michel Temer. Por outro lado, FH não tem incentivado a indicação de nomes do partido para ministérios. O PSDB deve decidir, na próxima semana, se participa diretamente de um novo governo ou se apenas dá apoio a Temer em votações no Congresso.

Políticos próximos ao ex- presidente acham pouco provável que ele tente influenciar publicamente a decisão do partido e dizem que FH está mais interessado em dar conselhos sobre como deve ser a transição caso prospere o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, ele tem sido procurado por aliados de Temer para debater o assunto.

O senador José Serra ( SP), que deve voltar a se reunir com Temer ainda esta semana, voltou a defender a ocupação de cargos e considerou “sem sentido” a proposta de alguns dirigentes do PSDB de que tucanos que queiram assumir cargos num eventual governo de transição se licenciem do partido.

— A licença é uma posição sem sentido. Uma coisa é certa: vou tratar de apoiar o governo para que ele dê certo. Se ele assumir, temos o dever de ajudar o Brasil. O PSDB deve apresentar os pontos mínimos ao vice- presidente Temer. E, se Temer aceitar, deve, sim, participar do governo. Seria primeiro um entendimento em torno de ideias — defendeu Serra.

Aécio rejeita “patrulhamento”
O vice- presidente do PSDB, Alberto Goldman (SP), foi além e afirmou que o partido tem o dever de integrar um novo governo:

— O PSDB esteve à frente de todo o processo ( de impeachment). A partir do momento que ele é aceito, é natural que o PSDB participe do governo. Não podemos nos pautar por interesses de lideranças do partido nas eleições de 2018. Não tem cabimento se pautar por processo eleitoral — afirmou Goldman, que completou: — Claro que não vamos participar do governo sem colocar pautas mínimas, mas não participar me parece contrassenso.

Já o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), reuniu- se ontem com os líderes do partido no Senado, Cássio Cunha Lima ( PB), e da Câmara, Antônio Imbassahy ( BA), e definiu o discurso de que discussão de cargo agora é irrelevante, e que o foco é negociar com Temer um documento programático, com oito a 10 temas, baseado no tripé “moral, econômico e social”.

— Vamos resolver isso com calma, discutindo o assunto de forma institucional na hora certa, dando tempo ao tempo e deixando a poeira baixar — respondeu Aécio ao ser questionado sobre a defesa feita por Serra e pelo senador Aloysio Nunes Ferreira ( PSDB- SP) da participação efetiva no futuro governo Temer.

Sobre as críticas de que o PSDB estaria fugindo à responsabilidade de colaborar com o governo de transição depois de apoiar o impeachment, Aécio disse que não aceita “patrulhamento” porque foi o partido que alertou sobre as “pedaladas” e propôs a ação de impugnação da chapa Dilma- Temer ao Tribunal Superior Eleitoral.

A interlocutores, Serra não esconde seu desconforto com a ação de Aécio e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para minar sua possibilidade de ocupar uma posição de “força” no futuro governo e embaralhar o jogo da sucessão presidencial em 2018.

Apesar do desejo de ter o PSDB em um eventual governo seu, Temer se preocupa com o que aliados apelidaram de “efeito FHC”: ser eclipsado por um ministro da Fazenda capaz de gerar soluções a ponto de se impor como nome à sucessão e retirar do PMDB o protagonismo na chapa presidencial de 2018. Em 1992, no governo Itamar Franco, a estabilização da moeda e a queda da inflação com o Plano Real cacifaram Fernando Henrique a se eleger em 1994.

FHC quer participação tucana em nova gestão

• Decisão do partido será anunciada após uma reunião da executiva do partido marcada para o dia 3 de maio

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

O ex presidente Fernando Henrique Cardoso revelou a interlocutores apoiar que o PSDB ocupe cargos em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, como aconteceu no governo Itamar Franco.

A posição reforça a tese defendida pelo grupo do senador José Serra, que é cotado para assumir uma pasta de peso.

A decisão do partido será anunciada após uma reunião da executiva do partido marcada para o dia 3 de maio.

Grupo. Dividida sobre a participação em um eventual governo Michel Temer (PMDB), a cúpula do PSDB criou um grupo no aplicativo de mensagens Whatsapp para que os integrantes de sua direção executiva, que conta com 37 membros, debatam internamente a questão antes da reunião decisiva da sigla, marcada para o dia 3 de maio.

Em uma indireta ao senador Aécio Neves e ao governador Geraldo Alckmin, que são contra o partido aceitar cargos, o ex-governador Alberto Goldman (SP), vice presidente do PSDB, diz que, nesse momento, o ano de 2018 "não pode estar no horizonte".

"O PSDB entra com tudo ou nada. Não adianta colocar meio corpo. 2018 não pode estarem nosso horizonte", afirma.

Aécio diz que PSDB vai apresentar a Temer agenda de ações 'emergenciais'

• Senador voltou a afirmar que o apoio do partido a um eventual governo do peemedebista não está condicionado a cargos, mas não negou que tucanos possam vir a ocupar ministérios ou outras funções

Luísa Martins e Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (PSDB-MG), se comprometeu a apresentar ao vice-presidente Michel Temer uma agenda de ações que considera "emergenciais para a recuperação do País". As propostas serão entregues após a reunião da direção executiva do partido, marcada para 3 de maio.

"Vamos apresentar um conjunto de propostas para um eventual futuro presidente Temer. As propostas serão colocadas à disposição do vice-presidente e esperamos que ele dê seguimento a elas caso assuma o governo com o afastamento de Dilma", disse o senador.

Aécio voltou a afirmar que o apoio do PSDB a um eventual governo Temer não está condicionado a cargos. "Não pedimos cargos, pedimos compromissos com as propostas. A distribuição de cargos não é a questão central para o PSDB.

Esperamos apoio à agenda independentemente disso." Aécio não negou, no entanto, que membros do PSDB possam vir a ocupar ministérios ou outros cargos em uma nova administração federal.

Sem entrar em detalhes sobre as propostas, o tucano afirmou que os projetos serão discutidos com as bancadas da Câmara e do Senado. O conjunto de ações - que terão entre 10 e 15 temas centrais - será divulgado no dia da reunião da executiva.

Centrais cobrarão de Temer reformas que não prejudiquem direitos

Thais Arbex – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em encontro com vice-presidente Michel Temer (PMDB) nesta terça-feira (26), em Brasília, dirigentes de quatro centrais sindicais –Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CSB (Central Sindical Brasileira) e Nova Central Sindical de Trabalhadores– cobrarão que o peemedebista se comprometa com uma reforma da Previdência que não mexa nos direitos dos trabalhadores.

Os sindicalistas dirão a Temer que não apoiam e nem apoiarão qualquer proposta similar à do governo Dilma Rousseff (PT), que estabelece, entre outros pontos, idade mínima para a aposentaria.

Em seu programa "Uma Ponte para o Futuro", o PMDB pede, no entanto, idade mínima para aposentadoria para aliviar as contas públicas.

No programa com propostas econômicas lançado em outubro do ano passado, o partido diz que "é preciso ampliar a idade mínima para a aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados".

O documento peemedebista sustenta ainda que é "preciso introduzir, mesmo que progressivamente, uma idade mínima que não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova escalada futura.

"Temos uma agenda trabalhista voltada para o desenvolvimento e o crescimento econômico e queremos debater isso como o Temer", afirmou àFolha o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força.

No documento que será entregue ao vice-presidente no encontro no Palácio do Jaburu, as centrais dizem também que "os brasileiros –principalmente os menos favorecidos economicamente– estão cansados do desajuste da economia" e que o eventual governo Temer deve se comprometer com uma agenda que esteja "voltada para o desenvolvimento e o crescimento econômico e também para a distribuição de renda".

"Nós, trabalhadores, destacamos a necessidade da imediata retomada do crescimento econômico, da geração de emprego, de renda e da preservação e ampliação dos direitos trabalhistas e das conquistas sociais", diz o texto.

Além da questão da Previdência, o texto elaborado pelas centrais sindicais elenca outros pontos essenciais aos trabalhadores em uma provável gestão de Temer.

Estão entre elas: "a correção da tabela do Imposto de Renda; a renegociação da dívida interna; o fortalecimento e retomada do protagonismo histórico do Ministério do Trabalho juros menores, voltados ao consumo e aos investimentos no comércio e na indústria; e inclusão de representantes do capital e do trabalho no Comitê de Política Econômica do BC".

Os sindicalistas pediram o encontro com Temer para "marcar posição" e "garantir espaço" às suas demandas, principalmente depois de o vice ter recebido representantes da indústria, neste domingo (24), no Palácio do Jaburu.

Viveremos momentos de combate no Brasil, diz Lula

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao discursar para dirigentes de partidos de esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva previu, nesta segunda-feira (25), "muita luta" no Brasil como resposta à abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O prognóstico foi feito durante seminário da Aliança Progressista, rede que reuniu em São Paulo representantes de vinte partidos de 17 países.

"Aqui no Brasil vai ter muita luta. Esperem que viveremos momentos de combate democrático", disse Lula.

A afirmação acontece, no entanto, num momento em que os movimentos de esquerda –alicerce da defesa de Dilma– enfrentam uma fadiga material e humana.

Após um ano de manifestações contra o impeachment, dirigentes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) dão como remotas as chances de realização de uma greve geral no país. "Não estamos discutindo paralisação", disse o secretário de Relações Internacionais da CUT.

Sindicalistas admitem até esgotamento físico. A presidente da Apeosp (sindicato dos professores de São Paulo), Maria Izabel Azevedo Noronha, diz que a intensidade de atividades é forte. "É difícil, mas a gente tem que aguentar."

Coordenador do MST (Movimento dos Sem Terra), Gilmar Mauro afirma que uma dificuldade está no deslocamento dos militantes."Vamos na base da vaquinha."

Um dirigente do MST aponta um entrave político para mobilizações: o ajuste fiscal. Presidente da CUT, Vagner Freitas admite que "ajudaria" se Dilma anunciasse medidas em defesa do trabalhador.

A CUT convidou Dilma e Lula para o ato de 1º de Maio no Vale do Anhangabaú.

"Exigimos a presença do Lula e da Dilma. Espero que a presidenta se aproprie desse espaço dizendo que vai resistir e que faça anúncios aos trabalhadores."

Além das dificuldades, Lula tem reconhecido como consumado o impeachment da presidente.

Segundo interlocutores, o ex-presidente sugere que Dilma viaje pelo país para se defender, caso o Senado dê seguimento ao processo.

Certo do risco de derrota, Lula busca apoio externo. Rouco, ele pediu que o ex-ministro Luiz Dulci lesse aos dirigentes partidário um discurso em que chamou de "corruptos notórios" e "uma verdadeira quadrilha" os apoiadores do impeachment no Congresso. A leitura durou 16 minutos.

"Houve um pelotão de fuzilamento comandando pelo que há de mais repugnante no universo da política", acusou Lula.

E acrescentou: "Uma aliança oportunista, entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa implantou a agenda do caos no país".

Ao assumir o microfone, o ex-presidente afirmou que o PT vai resistir: "Eles que se preparem, se pensam que vão destruir o PT".

Lula afirmou ainda que o impeachment é o maior ato de ilegalidade feito desde a revolução de 1964.

Rui Falcão
Na abertura do seminário, o presidente do PT, Rui Falcão, seguiu a estratégia de denunciar à comunidade internacional o que chamam de golpe. Ele chamou o vice-presidente Michel Temer (PMDB) de traidor e criticou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

"A presidenta Dilma não cometeu crime algum. Não pesa contra ela qualquer denúncia de corrupção ou de recebimento de propina. Ao contrário de seu principal algoz, o presidente da Câmara dos Deputados que conduziu a primeira fase do processo, o deputado Eduardo Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e evasão de divisas", atacou.

Falcão chamou Temer de comandante do golpe: "Comanda o golpe o vice-presidente da República, que registra 1% de intenção de voto, caso passasse pelo teste das urnas. E que acumula nas pesquisas uma rejeição próxima de 80%. Traidor de sua colega de chapa, contra a qual conspira abertamente, Temer já anunciou um programa antipopular, de supressão de direitos civis e sociais, de privatizações e de entrega do patrimônio nacional a grupos estrangeiros", acusou Falcão.

Grupos a favor e contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff estiveram na entrada do hotel Maksoud Plaza, que sedia o seminário.

Lula: Câmara é comandada por ‘ quadrilha legislativa’

Oito dias após a aprovação do impeachment pela Câmara, o ex- presidente Lula disse que a Casa é comandada por uma “quadrilha legislativa”. O petista reconheceu erros e afirmou que o Brasil viverá um “período de luta”.

Lula: ‘ uma quadrilha legislativa comanda Câmara’

• Em encontro com representantes de partidos de vários países, ex- presidente admitiu falhas no governo Dilma

Sérgio Roxo - O Globo

- SÃO PAULO- Em sua primeira fala pública depois da aprovação do impeachment pela Câmara dos Deputados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que a Casa é comandada por uma "quadrilha legislativa". O petista reconheceu falhas do governo e afirmou que o Brasil viverá um "período de muita luta".

— Uma aliança oportunista entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa implantou a agenda do caos no país — disse Lula.

Ao atacar os deputados que votaram contra a presidente Dilma Rousseff, Lula lembrou declaração feita por ele em 1993, quando disse que pelo menos 300 “picaretas” legislavam em causa própria na Casa. “Há uma maioria de uns trezentos picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”, disse, à época. Doze anos depois, Lula foi acusado de governar pagando mensalão a deputados em troca de apoio no Congresso.

Com problemas na voz, o expresidente preparou um discurso ontem lido pelo diretor de seu instituto e ex- ministro Luiz Dulci durante seminário realizado, em São Paulo, pela Aliança Progressista, uma rede de partidos de vários países. A organização informou que o ato reuniu representantes de 20 legendas de 17 países.

O evento serviu para o PT manter a estratégia de propagar no exterior que a presidente Dilma estaria sendo vítima de um golpe. Lula chegou a pedir que os líderes partidários levassem essa mensagem aos seus países.

— É fato que, além dos impactos da crise internacional sobre a nossa economia, a população do Brasil sofre com falhas do governo, que precisam ser corrigidas — admitiu.

O petista atacou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB- RJ), que, segundo ele, deflagrou o impeachment porque o PT não aceitou ajudá- lo no conselho de ética da Casa. Em seguida, disse que a votação do processo foi um "espetáculo deprimente". O impeachment foi aprovado por 72% dos deputados.

— Corruptos notórios clamando contra a corrupção, oportunistas exercitando o cinismo e a hipocrisia e alguns até defendendo a tortura ee a ditadura — frisou.

O ex-presidente se queixou que Dilma não teve direito de se defender e destacou que poucos parlamentares citaram o crime de responsabilidade, do qual ela é acusada.

Enquanto Dulci lia o discurso, manifestantes, do lado de fora do hotel onde ocorria o evento, tocavam vuvuzela. Dois pequenos grupos, pró e contra o governo, protestaram na porta do local.

Petista foi julgada por ‘quadrilha legislativa’, afirma Lula

• Segundo interlocutores, ex-presidente tem dito que a derrota do governo na Câmara deve se repetir no Senado

Ricardo Galhardo e Elizabeth Lopes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Em seu primeiro pronunciamento público após a aprovação da admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo plenário da Câmara, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em encontro com representantes de partidos de esquerda de outros países que a presidente não foi julgada pelos crimes de responsabilidade, mas por uma “quadrilha legislativa” que impõe uma “pauta caótica ao País em parceria com a grande imprensa” com o objetivo de tirar o PT do poder.

“Houve um pelotão de fuzilamento composto pelo que há de mais repugnante na política”, afirmou Lula.

Segundo interlocutores, o ex-presidente tem dito que a derrota do governo na Câmara deve se repetir no Senado. Embora reiterem publicamente o discurso de que vão lutar até o último instante, Lula e o PT já se preparam para fazer oposição ao eventual governo Michel Temer (PMDB).

“Aqui no Brasil vai ter muita luta. Esperem que viveremos momentos de combate democrático”, disse o ex-presidente.

Um principais pontos da estratégia petista é aproveitar a reaproximação do PT com movimentos sociais para tentar deslegitimar Temer nas ruas. Ontem, sem citar o nome do vice, Lula voltou a atacar o peemedebista. “Aqui no Brasil o vice-presidente é constitucionalista, é advogado, e ele sabe que a Dilma não cometeu nenhum crime que lhe permite fazer o impeachment”, afirmou.

Outro ponto da estratégia é diferenciar Lula de Dilma. Ontem o ex-presidente marcou as diferenças em relação à sucessora ao dizer que houve “erros de condução” na economia.

Internacional. Um terceiro ponto estratégico do PT é atuar no campo internacional. Ontem, o ex-presidente se esforçou para falar a cerca de 2o representantes de partidos da América Latina, Europa, África, Ásia e Oceania que integram a Aliança Progressista: “Peço que levem aos seus países a mensagem de que a sociedade brasileira vai resistir”.

Participaram do evento representantes de partidos importantes da Europa como o Partido Social Democrata (SPD) da Alemanha, o Partido Trabalhista da Holanda (PvdA) e o Partido Democrático da Itália, representado pelo ex-primeiro-ministro Massimo D’Alema.

O ex-presidente, que teve um câncer na laringe em 2011, estava com a voz fraca e chegou a pedir para que Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula, lesse seu discurso. Segundo dirigentes do PT, Lula voltou a tomar medicamentos e a fazer sessões de fonoaudiologia. Embora tenha sido aconselhado a falar pouco, Lula discursou durante aproximadamente meia hora.

A imprensa estrangeira não vê golpe

Pedro Doria - O Globo

Imprensa estrangeira não enxerga golpe em impeachment. Há uma imensa confusão rondando as redes sociais a respeito do que dizem ou não os jornais estrangeiros sobre a crise brasileira. Tornouse comum, por algum motivo misterioso, afirmar que lá fora há um movimento condenando o que a presidente Dilma Rousseff chama de “golpe”. Não é verdade.

Qualquer jornal ocidental divide o que publica em dois grupos. Há notícia e há opinião. Notícias são matérias ( mais curtas) ou reportagens ( longas, em geral com apuração de fôlego) que saem do trabalho de um ou mais repórteres que tentam relatar os fatos e como as opiniões se dividem a seu respeito. Opinião é outra coisa. Há editoriais ( a opinião do jornal), colunas ( pessoas que o jornal contrata para manifestar sua opinião com frequência) e artigos avulsos, para quando alguém tem uma opinião para manifestar. Por fim, ali no meio do caminho entre a notícia e a opinião, estão as análises, que sem manifestar uma preferência pessoal tentam ajudar o leitor a compreender o contexto no qual um fato se dá.

É assim que se organizam jornais brasileiros, do resto das Américas e da Europa.

Um dos textos mais citados é “A razão real pela qual os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment”, publicado pelo jornal britânico “The Guardian”. É um artigo de opinião avulso, assinado por David Miranda. Não é a opinião do jornal. É a opinião de um cidadão brasileiro.

Mas o “Guardian” manifestou sua opinião em editorial, publicado com o título “Uma Tragédia é um Escândalo” e no qual aponta os que considera responsáveis pela crise em que nos encontramos: “transformações da economia global, a personalidade da presidente, o PT ter abraçado um sistema de financiamento partidário baseado em corrupção, o escândalo que estourou após as revelações, e uma relação disfuncional entre Executivo e Legislativo”.

Sem poupar em momento algum o Congresso ou Eduardo Cunha, em nenhum momento o jornal britânico sequer cita o termo “golpe”.

Outros órgãos de imprensa importantes se manifestaram em editoriais.

O do “Washington Post” começa assim: “A presidente brasileira Dilma Rousseff insiste que o impeachment levantado contra ela é um ‘ golpe contra a democracia’. Certamente não o é.” A partir daí, desanca tanto o governo Dilma quanto o Congresso Nacional. O único elogio que os editorialistas do “Post” conseguem fazer ao Brasil é que, no fundo, “este é um preço alto a pagar pela manutenção da lei — e, até agora, esta é a única área na qual o Brasil tem ficado mais forte.”

A revista “The Economist" também opinou a respeito. “Em manifestações diárias, a presidente brasileira Dilma Rousseff e seus aliados chamam a tentativa de impeachment de Golpe de Estado. É uma afirmação emotiva que mexe com pessoas além de seu Partido dos Trabalhadores e mesmo além do Brasil.” Adiante, seguem os editorialistas, “a denúncia de Golpes tem sido parte do kit de propaganda da esquerda.” O tom é este. Para a “Economist,” o problema é que Dilma perdeu a capacidade de governar, e, em regimes presidencialistas, quando isso ocorre a crise é sempre grave.

O francês “Le Monde” intitulou o seu editorial “Brasil: este não é um Golpe”, que suscitou críticas do editor responsável pela relação do jornal com seus leitores, Frank Nouchi.

Ele considera a cobertura de seu periódico boa mas o editorial pouco equilibrado. Suas críticas sugerem o jornalisticamente óbvio: os editorialistas não levaram em conta o outro lado e passaram batidos, por exemplo, pelo envolvimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em escândalos próprios. Nouchi não pede desculpas, como sugerem alguns. O que o ombudsman cobra é um editorial mais parecido com o dos outros veículos, capaz de mostrar por inteiro o fundo do poço brasileiro.

As mesmas críticas generalizadas às instituições políticas brasileiras estão no editorial mais recente, publicado pelo americano “The Miami Herald”. “Os brasileiros não devem se distrair. O crime que trouxe o país abaixo é roubo por parte de quem ocupa cargos públicos.

Que sigam atrás dos bandidos e deixem para os eleitores o destino de políticos incompetentes.” Para os editorialistas, a incompetente é Dilma, e bandidos, os políticos envolvidos em corrupção.

Há também uma série de manifestações avulsas de opinião. Dentre as mais populares dos blogueiros governistas está a entrevista concedida pelo jornalista americano Glenn Greenwald a Christiane Amanpour, da CNN. Greenwald, que vive no Brasil e é casado com com o autor do artigo do “Guardian”, é também um premiado e respeitado jornalista que se especializou na difícil relação entre direitos civis e tecnologias digitais. Nas redes sociais, é um crítico contumaz da solução do impeachment. À CNN, disse que “plutocratas veem agora uma chance de se livrar do PT por meios antidemocráticos.” Cita, como contexto, o extenso envolvimento de inúmeros deputados, a começar pelo presidente da Câmara, com escândalos de corrupção. Mas, mesmo quando questionado diretamente por Amanpour, evitou o termo “golpe”.

A análise mais favorável à presidente foi assinada pelo correspondente da principal revista de língua alemã, a “Der Spiegel", e publicada em seu site. Jens Glüsing é o único a criticar a Operação Lava- Jato, de acordo com uma versão traduzida, afirmando que “o sucesso subiu à cabeça ( do juiz Sérgio) Moro”. Ele atribuiu “aos partidários de Lula” a advertência de que se prepara “um golpe frio contra a democracia brasileira”.

No principal jornal espanhol, “El País”, seu antigo correspondente e ainda colaborador no Brasil, Juan Arias, também escreveu uma análise. “Aquilo que para o governo e seus seguidores no PT é visto como um Golpe, para a oposição parece uma oportunidade de mudança de rumo político após 13 anos de poder.” Arias ressalta que Eduardo Cunha está envolvido em escândalos de corrupção, observa que há polarização política cada vez mais aguda, mas, em momento algum, endossa a versão do governo. Esta é a opinião do PT e pronto, não que a oposição seja inocente.

A cobertura estrangeira é boa, é detalhista, com muita frequência põe o dedo em nossas feridas mais abertas. Nenhum dos editoriais de grandes veículos é superficial. Todos veem a estrutura política brasileira derretendo. E nenhum compra a ideia de que há um golpe em curso.

Processo de impeachment provoca protesto no Parlamento do Mercosul

Luciana Dyniewicz – Folha de S. Paulo

BUENOS AIRES - Um grupo de deputados do Parlasul (Parlamento do Mercosul) deverá censurar nesta terça-feira (26) o presidente da casa, o argentino Jorge Taiana, por ele ter colocado um comunicado no site da instituição em que afirma que o impeachment de Dilma Rousseff é um "escândalo".

"O processo é um golpe parlamentário e uma utilização forçada da lei de impeachment", afirmou, na nota, Taiana, que faz parte da coligação kirchnerista Frente para Vitória.

Para o deputado, "a presidente não tem nenhuma acusação de corrupção e boa parte dos que iniciaram o processo foram denunciados por corrupção, como é o caso do presidente da Câmara [Eduardo Cunha]".

No fim da tarde da segunda (25), representantes de diferentes países do Mercosul se reuniram e concordaram em repreender Taiana, de acordo com o deputado brasileiro Arthur Maia (PPS-BA).

"O Parlasul não é mais comandado pelos bolivarianos. Ele não pode usar a instituição para divulgar uma opinião pessoal. Qualquer moção de repúdio precisa ser aprovada em sessão", disse à Folha.

Maia foi um dos que comandaram, na segunda-feira, o esvaziamento de uma sessão solene que acontecia em Montevidéu, no Uruguai, para marcar os 25 anos de criação do Mercosul.

A delegação brasileira se ofendeu por ter sido colocada para sentar nas filas P e Q do salão, depois de funcionários de chancelaria.

"Interpretamos essa atitude como uma humilhação que deu continuidade ao comunicado [de Taiana]."

Assim que a sessão começou, Maia foi até o palco e afirmou que os representantes do Brasil iriam se retirar por considerarem desrespeitosa a forma como haviam sido recebidos.

"Não falei da nota [do presidente do Parlasul] porque havia gente a favor do teor."

Permaneceram no local os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ), Ságuas Moraes (PT-MT) e Benedita da Silva (PT-RJ). O senador Roberto Requião (PMDB-PR), que é contrário ao impeachment, também abandonou a reunião.

"Não teve nada a ver com a situação política do Brasil. Chegamos lá e os funcionários de terceiro e quarto escalão da chancelaria haviam ocupado todo o auditório. O negócio é que a chancelaria não suporta o parlamento", disse à Folha.

Segundo Requião, que é chefe da delegação brasileira, parlamentares de outros países também estavam no fundo, e foi pedido para que houvesse uma reorganização dos lugares. "Não deram ouvidos."

O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, solicitou para que os brasileiros continuassem no auditório. Sem ser atendido, sentou-se ao lado de Wyllys, Silva e Moraes em um gesto de solidariedade.

De tarde, durante as reuniões das comissões, os representantes do Brasil se recusaram a votar um pleito da Argentina para que o Mercosul reconhecesse a soberania do país sobre as ilhas Malvinas.

Procurada, a assessoria do argentino Jorge Taiana afirmou que ele só poderia falar nesta terça.

Brasileiros alegam retaliação e abandonam evento do Mercosul

• Parlamentares se queixam de críticas de argentino ao impeachment

Aline Macedo - O Globo

Alegando que foram alvo de uma retaliação, por causa do processo de impeachment, 14 dos 17 parlamentares brasileiros se retiraram ontem da sessão plenária do Parlasul, o parlamento do Mercosul, em comemoração aos 25 anos do bloco econômico, em Montevidéu. Os deputados e senadores abandonaram a sala, onde se realizou o seminário “Reflexões e desafios para o Mercosul 25 anos depois do Tratado de Assunção”, após constatarem que se sentariam numa das últimas fileiras, atrás de funcionários de segundo e terceiro escalão da chancelaria.

No último domingo, o presidente do Parlasul, o deputado argentino Jorge Taiana, alinhado à ex-presidente Cristina Kirchner, publicou no site oficial do parlamento nota em que condena o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Para Taiana, o julgamento político em curso é uma “situação escandalosa”: “Isto é um golpe parlamentar, é uma utilização forçada da lei de impeachment”, declarou. Ele acrescentou que setores conservadores, de direita, do mundo financeiro e da mídia teriam como objetivo central impedir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva volte à Presidência em 2018.

Para deputado, humilhação
Após lerem as declarações de Taiana, os parlamentares brasileiros chegaram ao auditório onde houve a solenidade e não se conformaram com o local destinado à comitiva. O senador Roberto Requião (PMDB- PR) tentou resolver a questão, sem sucesso.

Os parlamentares queriam manifestar seu repúdio tanto pela nota do presidente do Parlasul, quanto pela localização dos assentos, mas a cerimônia não previa questões de ordem. O deputado Arthur Oliveira Maia ( PPS- BA) então se dirigiu à frente do auditório e, fora do microfone, declarou que a delegação brasileira iria se retirar do evento, do qual participaram o presidente uruguaio Tabaré Vásquez e o seu ministro de Relações Exteriores, Rodolfo Nin Novoa, além de chanceleres das nações que compõem o bloco. No momento do incidente, três deputados da delegação brasileira não haviam chegado.

— Ficamos surpresos quando hoje (ontem) vimos no site oficial do Parlasul uma declaração irresponsável do presidente (do parlamento) em relação ao processo de impeachment que acontece no Brasil — disse Maia. — A designação dos lugares foi uma consequência do que Taiana diz no site. Foi uma retaliação para humilhar a delegação brasileira.

Irritado, Requião disse que, após colocar a delegação no fundo do auditório de 400 lugares, o próximo passo seria fazer com que os parlamentares brasileiros almoçassem na cozinha:

— Era deles a festa, então fomos embora. É o desprezo da chancelaria em relação à delegação brasileira.

Durante a sessão plenária do Parlasul, que acontece hoje pela manhã, os brasileiros pretendem cobrar oficialmente de Taiana que reconsidere suas declarações em relação ao processo de impeachment. Segundo Requião, o presidente do Parlasul alegou não saber que a nota havia sido publicada.

Os três brasileiros que continuaram na solenidade foram os deputados Jean Wyllys (PSOL- RJ), Benedita da Silva (PT- RJ) e Ságuas Moraes (PT- MT). Para Moraes, o que houve foi um grande mal-entendido. Ele disse que os lugares foram distribuídos por ordem de chegada e que havia deputados argentinos e venezuelanos atrás dele.

Os parlamentares brasileiros, segundo Moraes, chegaram dez minutos depois do início da solenidade, que começou pontualmente às 10h. Mas Heráclito Fortes ( PSB- PI), que também estava presente, contestou o colega e afirmou que não houve atraso. Fortes disse que, tradicionalmente, as bancadas são organizadas em ordem alfabética, e não de forma aleatória.

Solidariedade de Tabaré Vásquez
O presidente do Uruguai tentou interceder para que os parlamentares brasileiros não abandonassem o seminário. Em solidariedade, ele saiu de sua cadeira de honra e se sentou na mesma fileira onde ficaria a delegação brasileira, que, mesmo assim, foi embora.

Na última sexta-feira, em Nova York, a presidente Dilma declarou que pretende invocar a cláusula democrática do Mercosul, se for afastada pelo Senado. O dispositivo já foi usado em 2012, quando o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo sofreu impeachment. Se a cláusula for ativada, o Brasil pode ser suspenso do bloco comercial, mas, para isso, seria necessário um consenso entre Uruguai, Paraguai, Argentina e Venezuela. Atualmente, Argentina e Paraguai já declararam que não apoiariam uma eventual sanção ao Brasil.

Senado elege comissão do impeachment

O Senado elegeu os 21 integrantes da comissão especial que vai analisar o processo de impeachment da presidente Dilma aprovado pela Câmara. Com maioria oposicionista, a comissão será presidida por Raimundo Lira (PMDB- PB) e deve ter como relator o senador Antonio Anastasia (PSDBMG), apesar dos protestos do PT. A eleição da comissão foi feita de forma simbólica, sem qualquer voto contrário, num sinal da influência reduzida do governo. Os trabalhos começam hoje e devem ir até a segunda semana de maio, quando o plenário votará o relatório e pode afastar Dilma.

Senado elege comissão, e tucano deve ser o relator

• Aliados da presidente Dilma protestam contra indicação de Anastasia

Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut - O Globo

- BRASÍLIA- O Senado elegeu ontem e instala na manhã de hoje a comissão especial que analisará o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e deverá ter forte viés oposicionista. Apesar dos protestos dos aliados de Dilma, Antonio Anastasia (PSDB-MG), um dos aliados mais próximos do presidente tucano, Aécio Neves (MG), deverá ser confirmado como relator.

Dos 21 titulares, só cinco são contra o impeachment. Raimundo Lira ( PMDB- PB), que chegou a se manifestar favoravelmente ao afastamento da presidente, deverá ser eleito presidente do colegiado. Após ter seu nome cogitado para comandar a comissão, ele passou a se declarar indeciso em relação ao impeachment. 

Oficio enviado a Dilma
O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL) enviou ontem ofício a Dilma, no qual informa que a comissão foi instalada. No documento, Renan abre a Dilma espaço para manifestação de sua defesa, desde que respeitado o prazo do colegiado: dez dias úteis.

A eleição foi realizada de maneira simbólica, sem manifestação de voto contrário. No entanto, ao longo do dia, senadores de governo e da oposição se revezaram na tribuna em discussões acaloradas, principalmente em relação à indicação de Anastasia como relator da comissão.

Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) questionou a indicação do tucano, alegando que ele não pode assumir a relatoria porque o PSDB seria um dos autores do pedido de impeachment. Isso porque o advogado Flavio Costa Pereira, que trabalha para o partido, subscreveu a denúncia feita pelos juristas Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr.

— Vê- se, com toda clareza, as digitais do PSDB no pedido de impeachment da senhora presidente da República. Sendo assim, não poderá o senador Antonio Anastasia ou qualquer outro membro do partido funcionar como relator na comissão especial — disse a senadora.

Oposição cita decisão do STF
Os líderes do PSDB, Cássio Cunha Lima ( PB), e do DEM, Ronaldo Caiado ( GO), discordaram. Eles lembraram decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) sobre o rito do impeachment. A Corte concluiu que o processo, por suas características políticas, não está sujeito às condições de suspeição e impedimento previstas no Código de Processo Penal. Só haveria impedimento em caso de parentesco entre as partes.

Lindbergh Farias ( PT- RJ), também destacou a vinculação entre Anastasia e Aécio:

— É provocação colocar como relator um membro do PSDB, e ainda o principal aliado do senador Aécio Neves, que, por ressentimento, não reconheceu o resultado da eleição — disse Lindbergh.

Ao reagir ao petista, Aécio citou Platão. Afirmou que os medíocres falam de pessoas, em vez de discutir ideias. Renan afirmou que esse tipo de questionamento não deveria ser feito em plenário, mas na comissão. Como tem ampla maioria, o grupo a favor do impeachment pretende ignorar os questionamentos dos aliados da presidente e confirmar hoje Anastasia como relator.

Renan nega pedido
Um grupo de senadores apresentou outro questionamento regimental argumentando que o impeachment de Dilma deveria ser analisado em conjunto com o do vice-presidente Michel Temer, que está parado na Câmara dos Deputados. João Capiberibe ( PSB- AP) defendeu o tema da tribuna.

O processo de impeachment de Temer não avança na Câmara, apesar de o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, ter determinado a instalação da comissão especial naquela Casa para analisar o caso. Renan, porém, negou o pedido. Afirmou que os decretos assinados por Temer são diferentes dos que Dilma assinou.

— São atos específicos e autônomos, não havendo como se falar em identidade de infrações — disse Renan.

Com a eleição do presidente e do relator da comissão especial, começará a ser contado o prazo de dez dias úteis para que a colegiado aprove seu parecer. Lira já afirmou que trabalha com a expectativa de usar o prazo máximo.

A comissão terá até 9 de maio para concluir seu trabalho. Assim, até 12 de maio o plenário do Senado decidirá se admitirá o processo. Caso aceite, a presidente será afastada do cargo por até 180 dias, prazo o término do processo.

Na fase de admissibilidade não há previsão expressa de manifestação da defesa. Mesmo assim, no ofício enviado a Dilma, Renan abriu espaço para que a defesa se pronuncie.

Lira também já anunciou que permitirá uma manifestação do advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, durante esta fase.


Temer tenta desarmar bomba fiscal no Supremo

• Mudança na dívida dos estados com União causaria rombo de R$ 330 bi

Emissários do vice procuraram ministros do STF, que decidirá amanhã se permite o uso de juros simples no cálculo, como querem governadores, o que pode atrapalhar eventual novo governo

Aliados do vice-presidente Michel Temer procuraram ministros do STF preocupados com o impacto, nas contas da União, do julgamento sobre a mudança no cálculo das dívidas dos estados. O STF decidirá amanhã se os débitos devem ser calculados por juros simples ou compostos (juro sobre juro, como é hoje), o que pode provocar rombo de até R$ 330 bilhões. Temer também tenta fechar sua equipe econômica para o caso de a presidente Dilma ser afastada pelo Senado. O ex-presidente Fernando Henrique não se opôs à participação do PSDB num eventual governo Temer.

Esquadrão antibomba

• Temer escala aliados para tentar convencer STF a não mudar cálculo da dívida dos estados

Cristiane Jungblut, Simone Iglesias, Geralda Doca - O Globo

- BRASÍLIA- Interlocutores do vice-presidente Michel Temer conversaram nos últimos dias com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o impacto nas contas do governo federal de mudança no cálculo das dívidas dos estados junto à União, que pode ultrapassar R$ 300 bilhões. O STF julga amanhã se muda para juros simples ( juro sobre o valor inicial) a fórmula de cálculo das dívidas estaduais, hoje feito por juros compostos ( juro sobre juros).

O Supremo concedeu liminar ao estado de Santa Catarina permitindo o uso de juros simples em vez de compostos. A decisão levou vários estados a recorrerem também. O governo Dilma Rousseff já tinha alertado para as graves consequências dessa mudança de cálculo, e Temer está preocupado com a possibilidade de vir a assumir o comando do país com um quadro fiscal pior que o atual.

Segundo interlocutores do vice- presidente, pelo menos dois ministros do STF foram procurados e receberam argumentos sobre os efeitos da mudança. Pelas contas do Ministério da Fazenda, o impacto para os cofres do governo federal seria de R$ 300 bilhões ( a dívida dos estados com a União cairia de R$ 463 bilhões para R$ 163 bilhões).

— Isso vai provocar um rombo para o governo, e vai afetar todas as dívidas das pessoas. Esse julgamento é muito importante. O rombo seria de R$ 330 bilhões — disse um interlocutor de Temer.

Outro problema imediato é a necessidade de o Congresso aprovar até 22 de maio uma mudança na meta fiscal para evitar que o governo paralise pagamentos. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), está sem condições de marcar a sessão do Congresso para votar a mudança da meta, já que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse que as votações estão interrompidas até a votação do impeachment no Senado, que deve ocorrer até 12 de maio.

"Não há golpe nesse país”, diz vice à CNN
Temer busca fechar nos próximos dias a nova equipe econômica, que é considerada o pilar de seu governo. O ex- presidente do Banco Central Henrique Meirelles é o nome mais forte para comandar o Ministério da Fazenda, mas há ainda expectativas em relação à conversa do vice com Gustavo Franco e à negociação com o PSDB do senador José Serra ( SP). Para o Planejamento, o senador Romero Jucá (PMDB- RR) vem se consolidando como favorito.

Em entrevista à emissora de TV americana CNN, o vice-presidente disse que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff não é golpe. A entrevista foi concedida após a visita de Dilma à ONU, na qual ela alertou para o risco de retrocesso no país. Em entrevista coletiva, já fora da ONU, a presidente disse à imprensa internacional que havia um “golpe de Estado" em curso no Brasil.

— Respeito muito as opiniões da senhora presidente, mas acredito que o ponto de vista dela está equivocado. Primeiro, porque o rito do impeachment está previsto na Constituição. No exterior, causa a impressão de que o Brasil é uma republiqueta, que é capaz de um golpe. Não há um golpe nesse país, não há nenhuma tentativa de violação do texto constitucional — afirmou Temer.

O vice-presidente ressaltou que 62% da população brasileira aprovam o impeachment, e que a maioria dos deputados foi a favor do recebimento das denúncias contra Dilma.

— Qual conspiração eu estou conduzindo? Teria eu poder suficiente para sensibilizar 367deputados? Mais da metade da população brasileira? — questionou.

Temer quer pente-fino nas contas de bancos públicos

Temer fará auditoria nos bancos públicos

Por Marcelo de Moraes – O Estado de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer definiu uma das primeiras medidas que tomará se assumir o governo. Fará auditoria nas contas dos bancos públicos. Os alvos serão as operações na Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia nos 13 anos da gestão petista.

A justificativa é que, depois da Petrobrás e pedaladas, há motivos para o pente-fino. Mais do que isso. Será uma sinalização de que Temer manterá a guerra com o PT mesmo podendo atingir o PMDB, que tem seis vice-presidências na Caixa.

Entrevista. Luiz Werneck Vianna

Brasil vive uma mudança epocal ao se despedir da política dos últimos 80 anos. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

“O espírito do tempo deve passar, ele pede passagem; temos de abrir as portas para ele”, provoca o sociólogo.

“Uma mudança no espírito do tempo”. É a isso que estamos assistindo em meio à crise política e às posições acirradas em torno da votação do impeachment da presidente Dilma, diz Werneck Vianna à IHU On-Line, na entrevista a seguir concedida por telefone na última sexta-feira (22-04-2016).
As evidências dessa mudança, assinala, podem ser vistas tanto no debate entre cidadãos, que buscam seus fundamentos na Constituição Federal, que tem sido “o livro de todos”, quanto no exercício dos tribunais, a exemplo do STF na condução do processo de impeachment, porque “se parlamentares foram acossados, ninguém acossou os tribunais, que ficaram como que acima das paixões que se desencadeavam”, diz.

Com os acontecimentos políticos dos últimos meses, frisa, “nós nos despedimos (...) da Era Vargas e das disputas, como as de 64, por exemplo”, porque hoje o debate se dá em torno de questões “procedimentais” da “interpretação da Constituição”. E complementa: “Existe uma mudança a ser avaliada, a ser registrada e percebida. É uma mudança de fundo, eu diria”.

Segundo ele, essa mudança no espírito do tempo é ainda mais clarividente, uma vez que “a sociedade está demonstrando que não aceita mais que essa relação espúria entre o público e o privado seja capaz de decidir o rumo da política brasileira”. Portanto, o recado é claro: a sociedade “quer uma nova política, e não a que aí está e que aí esteve”. As consequências seguintes, vislumbra, são as de que “estamos para viver no Brasil uma mudança de época: estamos nos despedindo da política tal como a conhecemos, dos anos 30 até aqui. Se não for isso, será o quê? Vamos voltar atrás?”, questiona.

Para Werneck, a representação política brasileira, mostrada “na sua rusticidade” na votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados no domingo, 17-04-2016, já demonstra que a sociedade mudou, “é moderna”, mas tem um “parlamento arcaico, que não a representa”. Isso, por si só, “denuncia um fato de importância capital: por que a política chegou a esse degrau tão baixo? O que foi feito dela ao longo desses anos? Como ela foi esvaziada pela usurpação que o Estado realizou em relação aos movimentos sociais, suprimindo a sua autonomia?”.

Especificamente em relação ao processo de impeachment, Werneck frisa que “o entendimento até aqui vigente é de que há, sim, crime de responsabilidade fiscal e o impeachment tem fundamento jurídico”. Contudo, afirma, “é claro que tudo isso vai deixar rastro, ressentimentos, mas há mais do que um cálculo político corriqueiro a ser feito”.

Werneck também comenta os bastidores da política e frisa que a indecisão do PSDB em relação à adesão ou não de um eventual governo Temer demonstra que os partidos “estão dominados por lideranças egocêntricas, que calculam os interesses do país a partir da chave particular das suas pretensões eleitorais. Esse é um país em que todo mundo quer ser califa”.

Independente das decisões a serem tomadas nos próximos dias, Werneck é categórico quanto ao futuro do país: “O ciclo de controle do Estado dos movimentos sociais, de passividade na sociedade, foi encerrado. Cumpre agora estabelecer canais no meio dessa barafunda em que nos encontramos, um caminho que tem de ser providencial. (...) Temos aí à frente a sucessão presidencial em 2018. Daqui até lá tem tempo de surgirem coisas novas, candidatos novos”.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil(Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

Confira a entrevista.

• IHU On-Line - Que leitura geral está fazendo do atual momento brasileiro?

Luiz Werneck Vianna – É o fim de um ciclo, embora não se saiba qual novo ciclo está vindo por aí. A sociedade brasileira mudou e um exemplo dessa mudança é o comportamento das multidões nas ruas. Até então, apesar do estresse e do clima de beligerância das redes sociais e mesmo de alguns políticos, a sociedade tem se mantido, até aqui, de modo impecavelmente civilizado.
A manifestação forte disso foi aquele muro que se construiu em frente ao Congresso para evitar o contato entre os dois polos adversários, a favor e contra o impeachment, que resistiram, sem ameaça, durante o dia da votação da admissibilidade do impeachment. Terminou-se o dia com registro de ocorrência policial praticamente zero em Brasília e nas principais capitais. O registro disso tem de ser compreendido como algo novo que emerge num comportamento das nossas multidões.

Mudança no espírito do tempo
Eu diria, com Habermas em alguns de seus textos, que houve uma mudança significativa no espírito do tempo: nós nos despedimos, nesse sentido, com esses acontecimentos, da forma como estão se dando até aqui, da Era Vargas e das disputas, como as de 64, por exemplo. O próprio tema que as multidões levaram às ruas é um tema que vem do mundo do Direito. Houve uma massificação do discurso jurídico entre as multidões: se é golpe porque a regra jurídica está ofendida, ou se não é, porque as regras jurídicas estão sendo obedecidas. Não podemos ficar sem um registro da novidade que isso importa.

Ademais, da reverência dos dois lados, pró e contra impeachment, as decisões judiciais me parecem outro elemento surpreendente: se parlamentares foram acossados, ninguém acossou os tribunais, que ficaram como que acima das paixões que se desencadeavam. Esse também é um elemento positivo a ser anotado e vai nesta direção do que estou tentando apontar como uma mudança no espírito do tempo.

De outra parte, nesta mesma direção, a Constituição foi o livro de todos. Todos se socorreram do texto constitucional. Daí que se pode dizer que nesse momento, em meio às turbulências e paixões desarvoradas que se manifestaram, a Constituição e suas instituições receberam uma consagração de massas que afixaram a ela e às instituições um elemento inamovível da vida política brasileira. Essa é outra anotação no sentido da mudança no espírito do tempo.

• IHU On-Line – Apesar de a Constituição ser a base de argumentação de ambos os lados, a presidente Dilma diz que está sendo alvo de um golpe, parte dos juristas concordam com ela e alguns membros do STF dizem o contrário. Nessa situação, como se posicionar?

Luiz Werneck Vianna – Quando ela diz que é golpe, ela faz essa denúncia à luz da Constituição, mobiliza o texto constitucional; e o outro lado mobiliza o texto constitucional para dizer que, em outra interpretação, por exemplo,pedaladas fiscais e responsabilidade em matéria orçamentária, é crime. Então, é a Constituição que está em causa.

Mas a presidente não está denunciando a direita contra as reformas – sabe-se lá quais seriam -, mas enfim, digo isso para aludir a tempos passados, quando a mobilização se dava em torno de questões substantivas, por exemplo, reforma agrária, sim ou não, reforma urbana, sim ou não. Agora as questões são procedimentais, são de interpretação da Constituição. Existe uma mudança a ser avaliada, a ser registrada e percebida. É uma mudança de fundo, eu diria.

• “O governo e a oposição coonestam a legitimidade do processo que estamos vivendo”

• IHU On-Line – Mas há quem diga que o processo de impeachment é uma farsa e uma conspiração do vice-presidente Michel Temer com alguns aliados.

Luiz Werneck Vianna – Sim, mas essa é a parte adjetiva da discussão. Dizem que é uma conspiração por causa de uma interpretação incorreta do texto constitucional, porque o tema da responsabilidade fiscal não seria motivo legal para que a presidente fosse levada a um processo de impeachment. O cerne do argumento é jurídico e todos os contendores estão reverentes quanto às decisões dos tribunais. O tribunal determina um rito para o processo de impeachment e todos, reverentemente, acatam. E assim tem sido.

• IHU On-Line – É possível ter uma interpretação correta da Constituição neste caso do impeachment, ou seja, há como fazer uma análise objetiva da Constituição para se tomar uma decisão? Por que, do contrário, não lhe parece que a sociedade ainda vai remoer muito esse caso, seja entre os que defendem o impeachment ou entre os que são contrários a ele, e isso dificultará novos avanços porque vamos continuar olhando para o passado?

Luiz Werneck Vianna – O jogo é jogado. As decisões têm sido todas, até então, no sentido de que o impeachment tem base jurídica, são decisões tomadas no âmbito do parlamento e, nesse sentido, são decisões democráticas que a todos obrigam. As forças governistas poderiam se retirar do parlamento, denunciar golpistas e pôr o que no lugar? Fazer isso com quem? Com que forças? Não tem como. Nesse sentido, o governo e a oposição coonestam a legitimidade do processo que estamos vivendo.
José Eduardo Cardozo, advogado-Geral da União, que vem defendendo o governo neste processo, em nenhum momento mobiliza forças e argumentos externos à lei e à Constituição. Nesse sentido, ele é obrigado a ser referente à tomada de decisão da maioria que impõe o seu entendimento. E o entendimento até aqui vigente é de que há, sim,crime de responsabilidade fiscal e o impeachment tem fundamento jurídico.

Agora, é claro que tudo isso vai deixar rastro, ressentimentos, mas há mais do que um cálculo político corriqueiro a ser feito. Na verdade houve uma mudança, insisto na ideia, no espírito do tempo. A sociedade está demonstrando que não aceita mais isso, não aceita que essa relação espúria entre o público e o privado seja capaz de decidir o rumo dapolítica brasileira, tal como se vem apurando de forma absolutamente consistente no aparelho judiciário. Então, isso está presente e a sociedade está dizendo que quer uma nova política e não a que aí está e que aí esteve.

• IHU On-Line – Num possível governo Temer, essa pressão social tende a continuar?

Luiz Werneck Vianna – Vai continuar, sim. O governo Temer, se vier, não vai ter um caminho fácil. Mas, na eventualidade remota de a presidente Dilma continuar, as possibilidades de pacificação que ela tem nas mãos são quase zero, sendo generoso. Na verdade a minha avaliação é de que é zero. Digo isso considerando as próprias lideranças do seu partido. Foi um erro a indicação à presidência de uma personalidade pública sem a menor experiência na vida política, que não foi vereadora, que não passou pelo parlamento e tem uma visão tecnocrática do mundo. Esse parlamento, na hora que teve de se manifestar, entre outros motivos, manifestou o seu profundo desagrado com o governo da presidente, com a forma de ela conduzir seu governo.

Então, quando as coisas mudam, quando entram num processo de mudança e começam a vivenciar uma lógica de mudança, nada faz com que as coisas retroajam. Como parar a Revolução Francesa? Não estava dado que ela iria culminar de forma tão catastrófica com a decapitação da família real. Aquilo foi andando e o sentimento nas massas e nas elites políticas da época era de que algo tinha de mudar, e mudou. Foi uma revolução epocal.

Eu diria que estamos para viver no Brasil uma mudança de época: estamos nos despedindo da política tal como a conhecemos, dos anos 30 até aqui. Se não for isso, será o quê? Vamos voltar atrás? Como vamos voltar com esses jovens nas ruas como estão? Estou falando dos jovens adolescentes que estão ocupando escolas em SP, no RJ, que têm uma nova cultura.

• IHU On-Line – Já é possível perceber que tipo de pensamento tem essa nova geração em relação à política, ao país?

Luiz Werneck Vianna – Ainda não. Eu tenho um neto que participa desses movimentos de ocupação e procuro me informar. O que eles querem é participar e discutir educação. Eles passam uma noite ocupando uma escola e discutindo essas questões. Boa parte deles foi às ruas contra o impeachment, mas com outro espírito, mais nesse registro de mudança do espírito do tempo: pela participação, pela democracia, pela autonomia. Eles deixam a escola intocada depois da ocupação, cuidam da escola, da limpeza dela, o que é uma coisa nova.

• “Onde está a juventude na política? Nas ruas, denunciando a política que aí está”

• IHU On-Line - Quais os demais sinais de mudança no espírito do tempo na sociedade?

Luiz Werneck Vianna – Noutro plano, o que constatamos é a falência e a ruína do nosso sistema político, o qual ficou evidente para o país, que, diante das telas da TV, viu desfilar a sua representação na sua rusticidade, diante de uma sociedade que mudou, que é moderna, mas que tem um parlamento arcaico, que não a representa, o que denuncia um fato de importância capital: por que a política chegou a esse degrau tão baixo? O que foi feito dela ao longo desses anos? Como ela foi esvaziada pela usurpação que o Estado realizou em relação aos movimentos sociais, suprimindo a sua autonomia?

Nessa situação de heteronomia não surgiu nada novo. Quais são os quadros novos? Apesar de estar há tantos anos no governo, o PT não conseguiu renovar as suas lideranças e seus quadros. Onde está a juventude na política? Nas ruas, denunciando a política que aí está. Chegamos a uma situação limite, às cegas, sem lideranças definidas e reconhecidas consensualmente.

A sociedade realizou um movimento muito amplo, que não pode mais ser ignorado, de que temos de operar de forma profunda as nossas instituições políticas, porque a sociedade não se recusou à política enquanto tal, porque vem sendo presente nas ruas – o que tem custo para cada cidadão – há meses, há anos.

Não obstante essas manifestações, não surgem – como em outros contextos nacionais surgiram – movimentos que ofereçam alternativas para que a cidadania se integre à vida política. Nós não conhecemos as formas novas de organização que em muitos lugares têm feito fortunas.

Reforma nas instituições políticas
Eu diria que a continuar com essa caracterização a partir de mudanças no espírito do tempo, que a mudança de maior alcance é essa: a sociedade declarou de forma absolutamente evidente que é necessária uma reforma dramática nas nossas instituições políticas. O ciclo de controle do Estado dos movimentos sociais, de passividade na sociedade, foi encerrado. Cumpre agora estabelecer canais no meio dessa barafunda em que nos encontramos, um caminho que tem de ser providencial; não há uma receita mágica que possa ser retirada da cartola de um sábio. É algo que a sociedade vai ter de digerir e vai precisar de tempo para sair desse tormento, sem essa névoa que ofuscou a nossa visão, e escolher caminhos novos. Esses caminhos estão na política, nos partidos, no parlamento, nas instituições, na Carta de 88, que saíram consagradas desse processo. Então, quem pode fazer isso? E a que tempo? Temos de virar a página: novos atores, novos protagonistas, que vão precisar de tempo. Isso não é uma tarefa para ser realizada de um dia para o outro.

• IHU On-Line - Na última semana muito foi dito sobre os “religiosos” na composição da atual Câmara dos Deputados e no peso que tiveram na votação da admissibilidade do impeachment. Como o senhor vê essa composição? Que peso ela teve na votação?

Luiz Werneck Vianna – Sim, a religião aqui no Brasil é tudo, e não apenas para os setores subalternos, mas para a sociedade como um todo. Já reparou como os grandes artistas brasileiros protegem a carreira dos seus descendentes? A religião é algo que está entranhada em nós. Certas posturas devem ficar, não vão mudar porque são marcas da nossa catolicidade, do tipo de colonização que tivemos; é possível mudar isso, mas não erradicar. A religião está bastante presente, inclusive o candomblé.

• “Temos de virar a página: novos atores, novos protagonistas, que vão precisar de tempo”

• IHU On-Line – Mas a bancada religiosa irá mudar com o espírito do tempo?

Luiz Werneck Vianna – Quanto a isso não teria como dizer, porque ao contrário ela tem se comportado como um elemento conservador, especialmente no que se refere à agenda comportamental.

Agora, essa é uma questão complicada: como as forças da mudança devem agir em matéria comportamental? Acho que tem de ser prudente. Agora, em alguns momentos tem de ser ousada.

Na questão do aborto é necessário ousadia nas forças da mudança. Aliás, a presidente da República apesar de ser mulher, teve duas campanhas presidenciais em que o tema do aborto jamais aflorou. 

Nem agora, com a questão daZika. Esse é um tema, numa sociedade como a nossa, a ser tratado com luva de pelica, com muita sabedoria, porque se corre demais com a agenda comportamental, se joga para o outro lado, se afasta de si a emergência dos movimentos. Então, como encaminhar isso? Como uma questão de arte, prudência, de tempo, de tentar avançar de forma não assuntada em discussões cada vez mais abrangentes, com argumentação mais sofisticada, e não de cima para baixo a partir de parlamentares que têm suas visões de mundo.

• IHU On-Line – Nos bastidores da política se fala de uma relação entre a bancada religiosa e um possível governo Temer. O que lhe parece? Essa bancada pode ter bastante peso numa composição de governo?

Luiz Werneck Vianna – Sei lá. No governo Lula teve (risos). Religião, no Brasil e na América Latina, é um tema forte e cabe aos políticos, especialmente àqueles que estão orientados para a mudança social, para a transformação, saber trabalhar corretamente com essa questão: tentar avançar com a sociedade, e em alguns momentos é preciso ser audaz, porque em relação ao aborto, por exemplo, já está mais do que na hora de a política dar passos à frente na sociedade brasileira.

• IHU On-Line – Também se fala da relação entre Cunha e Temer e da possibilidade de o presidente da Câmara realizar manobras para não ser julgado num possível governo Temer. Há uma relação entre eles? E como vê a figura de Cunha, que parece ser o político que nenhum dos lados defende?

Luiz Werneck Vianna – Se estou certo nessas considerações, parlamentares como Cunha estão com seus dias contados e não terão mais como se reproduzir. Agora, o desenlace de como vai ser, não tenho ideia.

• IHU On-Line – Além de Cunha, que outro perfil de políticos não tem mais chance de se reproduzir?

Luiz Werneck Vianna – Esse estilo não tem mais chance, a não ser que nada mude, que o espírito do tempo seja traído e isso possa acabar numa consagração dos infernos. O espírito do tempo deve passar, ele pede passagem; temos de abrir as portas para ele.

• IHU On-Line – Como vê a indecisão do PSDB em relação à participação num possível governo Temer?

Luiz Werneck Vianna – O PSDB faz seus cálculos, porque os partidos querem sobreviver. O PSDB está muito dividido em relação à candidatura para a presidência, e os nossos partidos, além de estarem formados por esse maneirismo de base, estão dominados por lideranças egocêntricas, que calculam os interesses do país a partir da chave particular das suas pretensões eleitorais. Esse é um país em que todo mundo quer ser califa. Então, sei lá o que vão fazer, mas acho que vão se alinhar com esse sentimento de mudanças políticas, que são mudanças epocais.

• IHU On-Line – Anteriormente o senhor disse que um possível governo Temer terá dificuldades. Quais serão elas?

Luiz Werneck Vianna – Políticas, porque ele terá de dar um jeito de arrumar uma base parlamentar, vai ter de dialogar com todos, inclusive com o PT, vai ter de pacificar o país, abrindo a possibilidade de um caminho para que, mais adiante, aí sim, o país possa redefinir suas instituições, seus rumos. Essa não é uma hora de definições fortes; a hora do Temer é a hora de pacificação política e social.

• IHU On-Line – O senhor mantém a mesma opinião em relação à Lava Jato desde a última entrevista que nos concedeu?

Luiz Werneck Vianna – Certamente. É um instrumento novo que ativa a emergência desse novo espírito do tempo. E por falar em religião, como eu disse naquela entrevista, boa parte deles têm compromissos religiosos bastante evidentes.

• “Essa não é uma hora de definições fortes; a hora do Temer é a hora de pacificação política e social”

• IHU On-Line – Em que saída aposta: na continuidade do rito do impeachment, em novas eleições gerais ou na constituinte exclusiva, como alguns sugerem?

Luiz Werneck Vianna – Novas eleições não têm a menor possibilidade de passagem legal, porque isso exige mais uma mudança na Constituição; é uma ruptura e isso não vai ser aceito. O processo do impeachment está descendo a ladeira, e como se para um processo desses com a força de massas que ele já tem? Não para. Especialmente porque o horizonte que se tem da paralisação desse projeto é o retorno da presidente às suas funções, que é muito assustador para todos. Temos aí à frente a sucessão presidencial em 2018. Daqui até lá tem tempo de surgirem coisas novas, candidatos novos.

• IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Luiz Werneck Vianna – Um pedido de clemência na hora de elaborar o texto, para que ele saia de uma forma tal que seja inteligível pelos leitores, para que não queiram jogar pedras em mim.