terça-feira, 2 de agosto de 2016

Opinião do dia – O Estado de S. Paulo

Megalômano e, como tal, apegado às aparências – marca inconfundível do populismo –, Lula dedicou-se à construção de um país à sua imagem e semelhança: um gigante com pés de barro. Avesso ao estudo, ao qual jamais se dedicou, guiou seus passos pela intuição e sensibilidade, que deram substância a sua condição de político esperto, e transferiu para seus principais programas de governo os valores que cultivou ao longo de sua formação.

Como líder sindical, aprendeu que não é o entendimento, mas o confronto, que garante conquistas. E passou a aplicar esse princípio vida afora, dividindo o País entre “nós” e “eles”.

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O Estado de S. Paulo, editorial ‘O perseguido vira réu’, 2/8/2016

‘Cidadão brasileiro financiou o PT’, diz procurador que acusa Lula

• Na denúncia contra ex-presidente por obstrução da Justiça, Ministério Público Federal aponta que empréstimo de R$ 12 milhões tomado em 2004 por pecuarista amigo do petista junto ao Banco Schahin, envolvendo contrato com a Petrobrás, 'compensou' dívida do partido

Fábio Fabrini, Julia Affonso e Mateus Coutinho – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador da República Ivan Cláudio Marx, do Ministério Público Federal em Brasília, afirmou que o ‘cidadão brasileiro’ bancou dívida do PT. Ao denunciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por obstrução da Justiça – acusação recebida pela 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, na sexta-feira, 29 de julho -, Marx descreve ponto a ponto a operação de empréstimo de R$ 12 milhões, realizado em outubro de 2014, do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, junto ao Banco Schahin – o dinheiro, segundo o próprio Bumlai, foi destinado ao PT que, na ocasião, estava em dificuldades de caixa.

“Como se observa, o Banco Schain financiou o PT e depois foi recompensado por meio da utilização de uma empresa controlada pelo governo do mesmo partido. Ao fim, confundindo-se o público com o privado, foi o cidadão brasileiro quem, por meio de seus impostos, financiou o PT”, sustenta o procurador.

A empresa a que se refere o procurador é a Petrobrás. O empréstimo é um capítulo emblemático da Operação Lava Jato. Em contrapartida à liberação do montante, o Grupo Schahin foi contemplado com um contrato sem licitação de US$ 1,6 bilhão com a estatal petrolífera para exploração de navio sonda.

“José Carlos Bumlai, Maurício Bumlai e Cristiane Dodero Bumlai (estes, familiares do pecuarista) receberam um empréstimo fraudulento do Banco Schahin em valor superior a 12 milhões de reais para quitar uma dívida do PT. Posteriormente, e em razão de o PT não ter quitado a dívida, foi utilizada a empresa Petrobrás para 1compensar’ o Banco Schahin por meio da contratação, junto à empresa Schahin Engenharia, do navio.,sonda Vitória 10.000 ao custo aproximado de 1,6 bilhão de dólares. Esses fatos foram confirmados por José Carlos Bumlai em seu Termo de Declarações prestado à Procuradoria-Geral da República. Sobre a contratação da Schahin Engenharia pela Petrobrás, para ‘compensar’1 a dívida do PT, os depoimentos citados referem a ‘bênção’ de Lula ao negócio.”

O procurador acusa o ex-presidente de fazer parte de um suposto esquema para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró (Internacional), que fez delação premiada.

A reportagem pediu manifestação do PT, mas ainda não obteve retorno.

Com a palavra, a defesa de Lula
Nota
O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não recebeu citação relativa a processo que tramita perante a 10a. Vara Federal de Brasília (IPL n. 40755-27.2016.4.01.3400). Mas, quando isso ocorrer, apresentará sua defesa e, ao final, sua inocência será certamente reconhecida.

Lula já esclareceu ao Procurador Geral da República, em depoimento, que jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava Jato.

A acusação se baseia exclusivamente em delação premiada de réu confesso e sem credibilidade – que fez acordo com o Ministério Público Federal para ser transferido para prisão domiciliar.

Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que realizada com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais.

Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins

Lewandowski recebe abaixo-assinado de juristas em apoio a Lula

• Ao todo, 64 procuradores, advogados e professores de direito assinaram o documento em apoio à ação movida pelo petista na ONU

Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Procuradores, advogados e professores de Direito enviaram nesta segunda-feira, 1, um abaixo-assinado ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em apoio à decisão da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de recorrer a Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A peça foi encaminhada ao organismo internacional no último dia 18, com críticas ao que o ex-presidente considera “abuso de poder” do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Operação Lava Jato.

Ao todo, 64 pessoas assinaram o documento, entre eles o procurador e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o ex-presidente da OAB-RJ e deputado Wadih Damous (PT-RJ) e o ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça Marcelo Neves.

No documento, o grupo defende que “algumas ações tomadas contra Lula, especialmente pelo juiz federal Sérgio Moro, demonstram claramente o viés parcial e autoritário das medidas que atentaram contra os direitos fundamentais, dele Lula, de seus familiares e até mesmo de seus advogados de defesa”.

eles afirmam como exemplo o fato de Lula ter sido alvo de uma condução coercitiva para prestar depoimento em março, a divulgação de gravações telefônicas entre o ex-presidente e interlocutores como a presidente afastada Dilma Rousseff, e o fato de ele ter sido proibido de assumir o posto de ministro-chefe da Casa Civil.

“Não é sem razão que Luiz Inácio Lula da Silva foi buscar por meio de Comunicação no âmbito do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR), no Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, Suíça, a preservação dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e do próprio Estado Democrático de Direito – que vem sendo assaltado pelos inimigos da democracia e pelo autoritarismo de agentes do Estado”, diz o texto.

No documento, eles afirmam que as “elites e a oligarquia” nunca se conformaram com “a ascensão da esquerda ao poder”, isto é, com a chegada de Lula e do PT à Presidência em 2002.

Segundo o grupo, desde então, foi iniciado “uma verdadeira caçada” a Lula “com o apoio da grande mídia”. “Embora tenha deixado a presidência da República há cerca de seis anos, Luiz Inácio Lula da Silva continua sofrendo ataques preconceituosos e discriminatórios. Agora as ofensas estão acompanhadas de uma tentativa vil de criminalizar o ex-presidente”, diz o texto.

Para eles, as classes mais altas têm “ódio” de Lula e “essa odiosidade” foi transferida para Dilma, “que é vítima de um golpe parlamentar que afrontou a democracia brasileira”.

Gilmar. Também nesta segunda, o ministro do STF Gilmar Mendes classificou como uma ação “precipitada” a denúncia feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Comitê de Direitos Humanos da ONU contra o Estado brasileiro. “No mínimo eu diria que é uma ação precipitada, mas deve ter uma lógica no campo político, onde o ex-presidente atua com maestria. Portanto não me parece que seja uma questão a ser analisada no plano jurídico, me parece que é mais uma ação de índole política”, afirmou o ministro.

Na última sexta-feira, 29, a Justiça Federal em Brasília aceitou denúncia contra Lula, o senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS), o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e mais três pessoas. O grupo é acusado de operar para obstruir as investigações da Lava Jato, com tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró.

Assessor de Teori assina manifesto a favor de Lula

• Manoel Lauro Volkmer de Castilho apoiou decisão de advogados de petista de recorrer a Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Isadora Peron e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um assessor do ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), assinou um manifesto apoio à decisão da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de recorrer a Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Manoel Lauro Volkmer de Castilho é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e é casado com a vice-procuradora-geral da República Ela Wiecko. Ela, por sua vez, é braço-direito do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

A assessoria do Supremo confirmou que Castilho trabalha no gabinete de Teori, mas disse que o ministro não foi encontrado para comentar o caso.

A nomeação do desembargador foi oficializada em novembro de 2014, e foi vista como um reforço na equipe de Teori no momento em que a Lava Jato iria entrar numa nova fase, quando o Ministério Público Federal começaria a apresentar as denúncias contra os políticos citados nas delações premiadas dos envolvidos no esquema de desvios da Petrobrás.

O abaixo-assinado foi subscrito por mais de 60 pessoas e entregue ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski nesta segunda-feira, 1. O subprocurador da República e ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, também assina o documento.

No texto, o grupo defende que os advogados de Lula agiram certo em recorrer à ONU no último dia 18, em busca da “preservação dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e do próprio Estado Democrático de Direito – que vem sendo assaltado pelos inimigos da democracia e pelo autoritarismo de agentes do Estado”.

Eles criticam as ações do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, e afirmam que Lula sofre uma espécie de perseguição política por parte das elites que nunca aceitaram “a ascensão da esquerda ao poder”.

Janot: sete fatos provam que Lula tentou comprar silêncio de Cerveró

Reuniões e telefonemas para outros réus mostram ação de Lula contra Lava-Jato, diz MPF

• Lula se tornou réu na semana passado por tentar atrapalhar as investigações

André de Souza – O Globo

BRASÍLIA — O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontou sete fatos que, na sua avaliação, demonstram a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Segundo Janot, foram seis reuniões no Instituto Lula, em São Paulo, entre o ex-presidente e o ex-senador Delcídio Amaral, réu no mesmo processo. Outro fato a que ele faz referência são os telefonemas trocados com o pecuarista José Carlos Bumlai, em maio do ano passado. Lula, Delcídio, Bumlai e outras quatro pessoas são réus num processo que investiga se eles tentaram obstruir as investigações da Operação Lava-Jato, que apura principalmente corrupção em contratos da Petrobras.

A primeira reunião do ex-presidente com Delcídio ocorreu em 8 de abril de 2015, quando, de acordo com o procurador-geral, Lula "exortou à adoção de medidas para a compra do silêncio de Nestor Cerveró, de forma a que este não celebrasse acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal ou, ao menos, que ocultasse fatos que pudessem relacionar as pessoas de Lula e José Carlos Bumlai às condutas criminosas praticadas no âmbito da citada organização criminosa, de que tinha ciência".

Seguiram-se reuniões em 16 de abril, 30 de abril, 8 de maio, 19 de junho e 31 de agosto. Segundo Janot, sempre com o mesmo objetivo: impedir que Cerveró falasse. Nas duas últimas reuniões, o procurador-geral disse que eles também se encontraram para "acompanhar o andamento das negociações e pagamentos". Ainda de acordo com Janot, em 8 de maio, o ex-presidente determinou que Delcídio "intercedesse junto à família Bumlai para operacionalizar mecanismos de obstrução da Operação Lava-Jato".

Janot também menciona os oito telefonemas entre Lula e Bumlai no período que vai de 8 a 22 de maio de 2015, data em que houve o primeiro pagamento à família Cerveró, no valor de R$ 50 mil. Nesse intervalo de tempo, Janot registra que Lula "efetuou, pelo menos, oito conversações telefônicas com José Carlos Bumlai, nas quais ajustou a compra do silêncio de Nestor Cerveró". O ex-diretor da Petrobras viria a firmar o acordo de delação premiada, mas, enquanto ficou calado, recebeu R$ 250 mil por intermédio da família de Bumlai, amigo de Lula.

A denúncia de Janot contra Lula, Bumlai e seu filho Maurício Bumlai foi feita em 28 de abril deste ano. Antes disso, em dezembro, ele havia denunciado Delcídio, seu ex-assessor Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves e o advogado Edson Ribeiro, que já defendeu Cerveró. Nesse intervalo de tempo, Delcídio e Diogo decidiram também colaborar com as investigações, fornecendo mais elementos de prova para Janot.

O caso começou no Supremo Tribunal Federal (STF), onde Janot fez a denúncia. Com a cassação do mandato de senador de Delcídio, em maio deste ano, ele perdeu o foro privilegiado e a investigação foi enviada para a Justiça Federal de Brasília. Em 21 de julho, o procurador da República Ivan Cláudio Marx reiterou a denúncia de Janot. Na semana passada, o juiz federal Ricardo Leite a aceitou, e os sete investigados passaram a ser réus.

Em depoimento prestado em 7 de abril deste ano na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, Lula negou ter participado da trama ou mesmo de ter conhecimento de pagamentos a Cerveró para comprar seu silêncio. Na denúncia, Janot rebateu os argumentos do ex-presidente, dizendo que "tais negativas são infirmadas (enfraquecidas) por sólidos elementos de convicção".

Janot diz, por exemplo, que a quebra do sigilo bancário de José Carlos e Maurício Bumlai mostra que eles sacaram valores na mesma data ou apenas um pouco antes dos dias em que há relato de entrega de dinheiro à família de Cerveró. Além disso, mensagens trocadas por meio de celular mostram Maurício e Diogo Ferreira combinando entrega de dinheiro. Já os encontros entre Lula e Delcídio, na avaliação de Janot, são comprovados por outros documentos, como a quebra do sigilo de e-mails de funcionários do Instituto Lula.

"Por fim, ocupando papel central, determinando e dirigindo a atividade criminosa praticada por Delcídio do Amaral, André Santos Esteves, Edson de Siqueira Ribeiro, Diogo Ferreira Rodrigues, José Carlos Costa Marques Bumlai e Maurício de Barros Bumlai, (...) Luiz Inácio Lula da Silva impediu e/ou embaraçou investigação criminal que envolve organização criminosa", conclui Janot.

As delações de Delcídio e Diogo foram destacadas por Janot. Em depoimento no dia 30 de março, Diogo contou, por exemplo, que parte do dinheiro usado para comprar o silêncio de Cerveró foi entregue dentro de uma caixa de sapato e de uma caixa de vinho. Em relação ao ex-senador, Janot diz que "a riqueza de detalhes dos fatos narrados pelo colaborador Delcídio, pessoa que ocupava posição privilegiada dentro da estrutura da organização criminosa, traz fidedignidade ao seu relato".

Delcídio, Ribeiro e Ferreira foram denunciados pelos crimes de embaraço à investigação envolvendo organização criminosa, que tem pena de três a oito anos de prisão; exploração de prestígio, com pena de um a cinco anos; e patrocínio infiel, quando um advogado prejudica os interesses do cliente, punido com detenção de seis meses a três anos. Esteves foi denunciado por embaraço à investigação e patrocínio infiel. Lula e dois integrantes da família Bumlai por embaraço à investigação.

Na reiteração da denúncia, em 21 de julho deste ano, o procurador da República Ivan Cláudio Marx diz que é óbvio que Delcídio, como representante do governo no Senado, não era o chefe do esquema criminoso. Em seguida destaca que o próprio ex-senador apontou Lula como sendo o "chefe da empreitada", embora evite corroborar explicitamente essa conclusão. Uma vez frustrada a tentativa de barrar a delação de Cerveró, Marx diz que há indícios de que "Lula atuou diretamente com o objetivo de interferir no trabalho do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Ministério da Justiça, seja no âmbito da Justiça de São Paulo, seja no Supremo Tribunal Federal ou mesmo da Procuradoria-Geral da República".

Na semana passada, quando a denúncia foi aceita na Justiça Federal, Lula negou as acusações. A defesa de Bumlai informou que vai provar que o empresário jamais deu dinheiro a Cerveró ou sua família para obstruir a Justiça. Também por meio de nota, o advogado de André Esteves, Sepúlveda Pertence, disse não haver justa causa para abrir processo penal “em bases tão fracas”.

Paulo Bernardo e mais 19 denunciados

Ao denunciar o ex-ministro Paulo Bernardo e mais 19 por corrupção e outros crimes no desvio de dinheiro de empréstimo consignado, os procuradores apontaram o petista como “patrono” da organização criminosa. O grupo é acusado de pagar propinas de mais de R$ 100 milhões ao PT.

Paulo Bernardo era ‘patrono’ de organização criminosa, diz MPF

• Procuradores denunciaram ex-ministro e mais 19 por corrupção

Thiago Herdy - O Globo

-SÃO PAULO- O Ministério Público Federal (MPF) denunciou ontem o ex-ministro Paulo Bernardo e outras 19 pessoas na Operação Custo Brasil por crimes como corrupção, organização criminosa e outros. Na denúncia, os procuradores dizem que Bernardo era tratado por integrantes do esquema como “patrono” da organização criminosa. A lista de denunciados inclui ainda os extesoureiros do PT Paulo Ferreira e João Vaccari Neto e ex-funcionários do Ministério do Planejamento, que foi comandado por Bernardo.

O grupo é acusado de pagamento de propinas para o PT que superam R$ 100 milhões entre 2009 e 2015, de acordo com o MPF. A Polícia Federal ainda vai investigar se parte desses recursos foi para pessoas ligadas ao PMDB, na época aliado do PT no plano federal. Além da denúncia principal, contra Bernardo e mais 12, o MPF apresentou duas denúncias adicionais por lavagem de dinheiro, elevando para 20 o número total de denunciados.

Propina da Consist
Paulo Bernardo ficou preso seis dias em junho, por suspeita de receber R$ 7,1 milhões em propina da Consist, empresa de software beneficiada durante sua gestão no Planejamento. Graças a acordo de cooperação assinado com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e o Sindicato das Entidades Abertas de Previdência Privada (Sinapp), em 2010 a Consist passou a atuar na administração de empréstimos consignados na folha de pagamentos de servidores, e a destinar parte de seu faturamento ao PT e a pessoas indicadas pelo partido.

“Paulo Bernardo participava diretamente da operação. Ele ocupou a pasta entre 2005 e 2011 e continuou a receber a sua parte, mesmo como ministro das Comunicações, cargo que exerceu entre 2012 e 2015. E-mail apreendido no bojo das operações mostra que ele era tratado por um dos integrantes do esquema como ‘patrono’ da organização”, escreveram os procuradores do MPF.

A Consist era remunerada pelos bancos para informar a eles os limites e margem para empréstimo de dois milhões de servidores do Executivo federal. Uma fatia dos lucros da empresa foi transferida ao advogado Guilherme Gonçalves, de Curitiba, que teria usado parte dos recursos para bancar despesas pessoais de Paulo Bernardo e sua mulher, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Por ter foro privilegiado, Gleisi só pode ser processada no Supremo Tribunal Federal (STF). Nas próximas semanas a PF deve apresentar relatório pedindo seu indiciamento por lavagem de dinheiro e por supostamente ser partícipe do delito de corrupção passiva atribuído a Bernardo.

Segundo a investigação, a fatia inicial do ministro petista era de 9,6% do faturamento da Consist, percentual que caiu para 4,8%, em 2012, e para 2,9%, em 2014. “Os recursos pagavam os honorários do advogado, despesas pessoais do então ministro e salários de ex-assessor e do motorista”, escreveu o MPF.

“Adiantamento Consist”
Um dos autores da denúncia, o procurador Andrey Mendonça apresentou e-mails com menções ao “fundo especial” e ao “fundo consist”, usado por Gonçalves para organizar a contabilidade de recursos. Há registro de mensagens de interlocutores do ex-ministro e integrantes da organização criminosa, tratando de “adiantamento consist” e de investimentos de valores em imóveis.

Os procuradores apresentaram denúncias em separado contra Natalio Fridman (representante da Consist que mora nos EUA) e contra prestadores de serviço do PT que receberam recursos da Consist a pedido de Vaccari, entre eles ex-funcionários do partido e o jornalista Leonardo Attuch, editor do site Brasil 247. Eles foram denunciados por lavagem.

O MPF também investiga a empresa pernambucana Consulcred, que recebeu pouco mais de 24% do total repassado pela Consist. Há suspeita de que políticos do PMDB sejam beneficiários, mas os nomes não foram divulgados. Em depoimento, Gonçalves confirmou o recebimento de recursos da Consist, mas negou ter usado os valores para pagar despesas de Bernardo e Gleisi. O ex-ministro negou ter beneficiado a Consist no Planejamento. A advogada Verônica Sterman diz que ele não recebeu quantias “direta ou indiretamente”.

Moro solta Santana e Mônica após fiança

• Marqueteiro do PT e sua mulher pagaram R$ 31,5 milhões

Na decisão, juiz afirma que os dois, libertados depois de cinco meses na prisão, estão ‘dispostos a esclarecer os fatos’

Uma fiança de R$ 31,5 milhões, determinada em meio a acordo de delação premiada, livrou ontem os marqueteiros de campanhas petistas João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, da cadeia. Os dois foram soltos em Curitiba, por determinação do juiz Sérgio Moro. É a maior fiança já paga desde o início da Lava-Jato, em 2014. Eles estão ainda proibidos de participar de campanhas eleitorais no Brasil e de viajar para fora do país. O casal já contou ter recebido, no exterior, dinheiro de caixa dois da campanha de 2010 da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Agora, a delação

• Soltos após 5 meses e com fiança milionária, Santana e Mônica mantêm negociação para acordo

Renato Onofre - O Globo

-SÃO PAULO- O marqueteiro petista João Santana e sua mulher, Mônica Moura, foram soltos ontem em Curitiba, depois de cinco meses de prisão. Antes, o casal, acusado de receber parte dos recursos desviados da Petrobras como pagamento de parte da campanha da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), teve de pagar uma fiança de R$ 31,5 milhões — equivalente a um prêmio da Mega-Sena. Além disso, eles estão proibidos de participar de qualquer campanha eleitoral no Brasil até nova decisão judicial. Também não podem deixar o país nem conversar com pessoas envolvidas nas investigações da Lava-Jato.

A fiança foi determinada de acordo com o valor bloqueado na conta dos dois (R$ 28 milhões na de Mônica e o restante na de Santana). É a maior fiança paga desde o início das investigações, em março de 2014. O dinheiro vai para uma conta judicial e só será devolvida ao investigado se comprovada sua inocência. O casal já admitiu caixa dois; o dinheiro deve ser devolvido aos cofres públicos.

A decisão do juiz federal Sérgio Moro surpreendeu investigadores da LavaJato, que queriam a manutenção da prisão preventiva do casal. A força-tarefa estuda como recorrer da medida. Santana e Mônica não precisarão usar tornozeleiras eletrônicas. Para Moro, a prisão deles não era mais “absolutamente necessária”, já que a fase de instrução do processo — quando são apresentadas as provas e as testemunhas, ouvidas — está no fim, e o casal está “disposto a esclarecer os fatos”.

Para Moro, situação distinta
Moro afirmou que a situação do casal é diferente de outros personagens da Lava-Jato, como operadores, empreiteiros, ex-funcionários da Petrobras e políticos beneficiários do esquema.

“A situação de ambos difere, em parte, da de outras pessoas envolvidas no esquema criminoso da Petrobras. Afinal, não são agentes públicos ou políticos beneficiários dos pagamentos de propina, nem são dirigentes das empreiteiras que pagaram propina ou lavadores profissionais de dinheiro”, escreveu Moro.

O juiz ressaltou, no entanto, que isso não minimiza a gravidade da conduta de ambos, que está sendo investigada. O casal foi preso em 22 de fevereiro. Os dois se tornaram réus em duas ações por corrupção e lavagem de dinheiro, por terem recebido valores da Odebrecht e do operador Zwi Skornick. Eles confessaram ter recebido US$ 4,5 milhões em uma conta secreta na Suíça como pagamento de campanha eleitoral da então candidato a presidente Dilma Rousseff, em 2010.

A Lava-Jato também acusa o marqueteiro e sua mulher de terem recebido R$ 23,5 milhões em espécie, no Brasil. A força-tarefa afirma que os valores saíram de contratos da Petrobras com empreiteiras investigadas e correspondiam a propina destinada a partidos políticos.

“Embora isso não exclua a sua eventual responsabilidade criminal, a ser analisada quando do julgamento, é possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo se existente, (o casal) encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores, corrompidos e profissionais do crime”, diz o despacho.

Apesar de reconhecer previamente um papel menor dos dois no esquema, Moro alertou que os indícios de recebimento “sistemático” de valores não declarados à Justiça Eleitoral são graves. Foi por essa razão que a Justiça proibiu ambos de atuarem direta ou indiretamente em novas eleições. Na prática, nem a Pólis, agência do casal que comandou campanhas petistas nos últimos dez anos, poderá prestar serviços na corrida eleitoral que começa na segunda quinzena deste mês.

— A decisão restabelece a justiça. Os interrogatórios deixaram claro que, independentemente do resultado, a prisão preventiva não tem mais razão de ser — afirmou o criminalista Fabio Tofic, que defende o casal.

Acordo em negociação
A decisão favorável ao casal acontece menos de quinze dias depois da mudança de postura de Santana e Mônica. Em depoimento à Justiça no último dia 22 de julho, o casal voltou atrás da primeira versão apresentada à Polícia Federal, quando foi preso. Nessa ocasião, os dois disseram que o pagamento recebido no exterior era relativo a uma campanha eleitoral em Angola.

Apesar de libertá-los, Moro fez críticas a eles pelos falsos “álibis” usados no início do processo, justamente a informação sobre a campanha de Angola e o fato de o marqueteiro dizer que não sabia sobre as questões financeiras da empresa.

Em depoimento a Moro há duas semanas, Santana admitiu ter mentido para tentar preservar Dilma e confessou saber dos pagamentos ilícitos. Santana afirmou que “98% das campanhas” eleitorais no Brasil fazem uso da prática ilícita. Disse também que, sem caixa dois, era praticamente “impossível se manter na profissão”.

O juiz disse que a mentira é uma “trapaça que não pode ser subestimada”, e que é preciso “censurar em ambos a naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem, recursos não contabilizados”. “Se um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa”, afirmou o juiz.

Apesar da liberdade, Santana e Mônica negociam um acordo de delação. No último dia 21, O GLOBO revelou que eles assinaram um termo de confidencialidade com a Procuradoria-Geral da República, documento que marca o início do processo formal de colaboração. Por mais de um mês, desde 15 de junho, eles ficaram na Superintendência da Polícia Federal negociando os termos com advogados e investigadores. O criminalista Fabio Tofic disse que não comentará a possível delação. A força-tarefa da LavaJato também não se manifestou. (Colaboraram Thiago Herdy e Tiago Dantas)

PMDB tentará antecipar votação do impeachment

• ‘É o primeiro golpe parcelado da História’, ironiza Jucá, que defende julgamento entre os dias 26 e 31

- O Globo

-BRASÍLIA- O PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, tentará antecipar o calendário do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, definido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O ministro já acertou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que a votação no plenário da Casa terá início dia 29 de agosto e terminará em 2 de setembro.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) se insurgiu ontem contra a decisão de Lewandowski. Disse que a data não foi combinada com os senadores e que a decisão não cabe ao STF. Jucá defende que o julgamento vá de 26 a 31 de agosto.

— Não vou aceitar isso, vou fazer confusão! Lewandowski combinou isso com quem? Ele não é senador. A decisão não é dele, é dos senadores. Temos uma reunião com ele quarta-feira, e espero que os líderes tenham coragem de dizer isso a ele, como estou dizendo. Este é o primeiro golpe parcelado da História, é o golpe Casas Bahia, a cada mês uma parcela de golpe — ironizou Jucá.

O dia 29 cai numa segunda-feira. Com isso, os senadores iniciariam e terminariam o julgamento na mesma semana, em vez de avançar até domingo.

Na comissão de impeachment deve ser votado quinta o segundo parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB). A expectativa é que diga que há provas para cassação definitiva. Os petistas Lindergh Farias e Gleisi Hoffmann e a peemedebista Kátia Abreu apresentarão juntos voto em separado. Vanessa Grazziotin (PCdoB) apresentará outro, ambos pela absolvição.

Jucá defende que julgamento do impeachment se encerre em agosto

• 'Não dá mais para estender essa agonia para além de agosto. Não há porque levar essa questão para setembro, o Brasil todo espera por uma solução definitiva', disse o senador

Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O principal articulador do impeachment no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), foi à tribuna do Senado nessa segunda-feira, 1º, defender que o processo de impeachment não se estenda para além de agosto. No último sábado, 30, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, divulgou nota informando que a primeira data possível para o início do julgamento seria 29 de agosto. Mas a quantidade de depoimentos e sessões pode levar a votação para setembro.

"Não dá mais para estender essa agonia para além de agosto. Não há porque levar essa questão para setembro, o Brasil todo espera por uma solução definitiva", disse Jucá. O senador ponderou que a votação do parecer do relator será votado em plenário já no dia 9 de agosto e que não haveria razões para esperar mais 20 dias para dar início ao julgamento. Seguindo os prazos à risca, era possível que o julgamento se inciasse na sexta-feira, 26. O senador defende que a Casa use esse prazo e trabalhe durante o fim de semana.

Jucá também defendeu que o Brasil participe da próxima reunião do G20, que ocorre na China entre 4 e 5 de setembro, já com uma situação política definida. "Em setembro, haverá na China o encontro do G20 e lá deverá estar o presidente do Brasil. E se ainda não houver se decidido esse assunto, Michel Temer deveria participar desse encontro como um presidente interino?", questionou.

O senador também criticou a atuação dos aliados da presidente afastada Dilma Rousseff que, segundo ele, tentam atrasar o processo. Para Jucá, a demora no impeachment agrava a situação econômica. 

"Uma coisa é você defender a presidente e outra coisa é tentar postergar e manter o País nessa insegurança jurídica. Falam em golpe, mas se comportam como quem quer o golpe parcelado, o golpe Casas Bahia, o golpe Ricardo Eletro, o golpe Magazine Luiza, você compra o golpe e paga em 12 parcelas", ironizou.

Visto para os EUA. O senador minimizou a polêmica de que teria tido o visto para os Estados Unidos negado por ser investigado na operação Lava Jato. Jucá criticou a veiculação da notícia e trouxe ao plenário do Senado cópias do seu passaporte e visto americano, que segundo ele, vence apenas em 2025.

PT diz em nota que não abandonou Dilma Rousseff

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Embora dirigentes do PT duvidem das chances de o partido voltar ao Palácio do Planalto neste ano, o presidente do partido, Rui Falcão, divulgou nesta segunda-feira (1º) uma nota em que diz "repudiar" a ideia de que o partido teria abandonado a presidente afastada, Dilma Rousseff.

Na nota, publicada no site do partido, Falcão diz que o partido "reafirma seu compromisso integral na luta pelo retorno à Presidência da companheira Dilma".

Apesar da manifestação pública, integrantes da cúpula do PT reconhecem "uma fadiga" para a defesa do mandato de Dilma.

Nas palavras de um deles, ninguém acredita numa mobilização capaz de levar Dilma de volta à Presidência, nem nas chances de vitória no Senado Federal. Nesta terça (2), o Senado retomará a análise do julgamento do impeachment, que deve começar a ser votado em plenário no dia 29 de agosto.

Dirigentes do partido ouvidos pela Folha afirmam que, se aprovado o afastamento definitivo de Dilma da Presidência, ela não deverá participar de campanhas eleitorais, dedicando-se à sua própria defesa.

Petistas admitem também que a imagem de Dilma poderá prejudicar candidatos do PT nas eleições municipais. O partido deverá se reunir nesta semana para discutir se ela terá alguma aparição na propaganda eleitoral dos candidatos a prefeito.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é um dos que resistem à ideia de contar com Dilma em sua campanha à reeleição.

Entrevistas
Mesmo após um movimento de aproximação de Dilma com o partido, petistas ficaram contrariados com o fato de, em entrevistas recentes, elaresponsabilizar o PT pelo suposto pagamento ao marqueteiro João Santana com recursos de caixa dois.

Para dirigentes do partido, Dilma poderia se eximir de responsabilidade, mas deveria evitar transferi-la diretamente ao partido.

Na nota publicada no site do PT nesta segunda, Falcão chama de "invencionices" informações sobre o suposto abandono de Dilma. Falcão diz que essa é uma "versão forjada" pelo que chama de apoiadores do golpe interessados na "continuidade do governo usurpador" e por "setores da mídia monopolizada".

"O PT repele e desmente mais esta invencionice, sustentada por fontes anônimas, e reafirma seu compromisso integral na luta pelo retorno à Presidência da companheira Dilma".

O secretário nacional de Formação do PT, Carlos Henrique Árabe, afirma, porém, que o partido "deve escolher que caminho tomar dentro de uma derrota: a conciliação, preparando-se para 2018, ou o combate ao golpe, reivindicando novas eleições".

Dilma vai apresentar proposta de nova eleição

Por Cristiane Agostine – Valor Econômico

SÃO PAULO - Em aceno aos senadores indecisos sobre o impeachment, a presidente afastada Dilma Rousseff afirmou que deve apresentar nesta semana uma carta com a proposta de plebiscito para uma nova eleição presidencial. Em entrevista à BBC Brasil, divulgada ontem, a petista disse que não será possível recompor a democracia no país sem fazer a consulta popular. Com a medida, Dilma tenta ganhar apoio para impedir seu afastamento definitivo do cargo.

A própria presidente afastada, no entanto, reconhece que será difícil aprovar o plebiscito. Na análise de juristas, mesmo que a consulta popular passe no Congresso e que tenha o aval da população, seria inconstitucional reduzir o mandato presidencial.

Nesta semana, no retorno do recesso parlamentar, o Congresso voltará a examinar o processo de impeachment. O julgamento pelo plenário do Senado deve começar em 29 de agosto e terminar no início de setembro.

"Estou defendendo um plebiscito porque quem pode falar o que eu devo fazer não é nem o Congresso, nem uma pesquisa, ou qualquer coisa. Quem pode falar é o conjunto da população brasileira que me deu 54 milhões e meio de votos", afirmou Dilma na entrevista. "A questão da consulta popular é a sinalização clara que não é possível recompor o pacto democrático do país sem passar por eleições diretas", disse a presidente afastada. "Um impeachment sem crime é uma espécie de eleição indireta, sem legitimidade."

Para aprovar o plebiscito, é preciso o apoio da maioria simples dos congressistas (metade dos presentes na sessão). Para passar uma Proposta de Emenda à Constituição, é necessário o apoio de pelo menos três quintos de deputados e senadores. Juristas descartam a viabilidade dessa PEC.

"Acredito que nós temos que lutar para viabilizar o plebiscito. Pode ser difícil passar [no Congresso], a eleição direta foi também. Nós perdemos quando defendemos as Diretas Já [campanha pelo voto direto em 1984] e tinha milhões de pessoas nas ruas. Perdemos num momento e ganhamos no outro", afirmou Dilma. "Não renuncio. Eu volto para o governo e faço um plebiscito. É essa a proposta. Não tem hipótese de eu fazer esse gesto tresloucado: renunciar."

Dilma afirmou que não se sente "mais leve" desde que teve de deixar o cargo. "Se eu tivesse cometido crime eu teria a justificativa para mim mesma: 'olha, eu cometi um crime'. Eu não cometi crime nenhum. É uma injustiça flagrante", declarou. Para que Dilma deixe o cargo definitivamente, é preciso o apoio de ao menos 54 senadores.

Diante de rumores de que até mesmo o PT já teria desistido de Dilma, o presidente nacional do partido, Rui Falcão, divulgou ontem uma nota para desmentir a informação. "Apoiadores do golpe desde o início e interessados na continuidade do governo usurpador, setores da mídia monopolizada forjam a versão de que o PT abandonou a presidenta Dilma Rousseff. O PT repele e desmente mais esta invencionice, sustentada por "fontes" anônimas, e reafirma seu compromisso integral na luta pelo retorno à Presidência da companheira Dilma", disse o petista.

Apesar do esvaziamento de manifestações contrárias ao impeachment, o presidente nacional do PT afirmou acreditar que as mobilizações populares serão "capazes de barrar o golpe contra a presidenta, que não cometeu nenhum crime".

Temer numa encruzilhada - Merval Pereira

- O Globo

Só há uma chance de o presidente interino, Michel Temer, ganhar condições de ser um candidato competitivo à reeleição em 2018: fazer um governo tão bom que leve os partidos da sua base política a apoiá-lo, forçados pelo clamor da sociedade.

Ele não conseguirá isso, no entanto, tornando o populismo barato a sustentação de seu governo, mas, ao contrário, sendo o presidente de que o país precisa neste momento: austero, rigoroso, adotando medidas até mesmo impopulares quando necessário, mas que serão reconhecidas no futuro como fundamentais para nosso desenvolvimento.

Só assim conseguirá convencer os investidores de que estamos no rumo certo, e dará o tom da campanha presidencial de 2018. Governando com os olhos na reeleição, Temer pode até tornar-se momentaneamente popular, criando condições até para se reeleger, mas estará legando a si próprio um país quebrado e ingovernável.

Para inglês ler - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Toda a solidariedade à delegação da Austrália, que enfrentou canos entupidos, tentativa de roubo de equipamentos de TV, roubo efetivo de laptops, ameaça de incêndio..., mas, se australianos, japoneses e marcianos têm lá seus motivos para botar a boca no mundo contra a Olimpíada e o Brasil, os brasileiros bem que podem tentar mostrar o outro lado, o que há de bom, correto e elogiável. Acreditem, há!

O Rio é maravilhoso, as imagens aéreas da Vila Olímpica são muito bonitas e as obras feitas são impressionantes: 150 km de BRT, 18 km de metrô, renovação do Porto Maravilha, todo o complexo de Marechal. Ok. Tem pia entupida, lâmpada queimada, limpeza a desejar numa unidade ou outra, mas daí a dizer que tudo é uma porcaria?

Ponte para o futuro – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

- O Senado ainda não confirmou o impeachment de Dilma Rousseff, mas Michel Temer já faz planos para se enraizar na cadeira de presidente. É o que se depreende das conversas, mais ou menos públicas, em que aliados do interino dizem que ele deve se candidatar ao Planalto em 2018.

O projeto foi escancarado pelo novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" no domingo (31). No mesmo dia, aFolha mostrou que ao menos três ministros do novo regime têm falado em lançar o chefe na próxima corrida presidencial.

A rigor, Temer não disputaria a reeleição. O peemedebista foi eleito vice-presidente duas vezes, em 2010 e 2014, de carona nos votos de Dilma. Mudou de cargo graças ao afastamento da petista, que ele ajudou a articular no Congresso. Uma candidatura em 2018 seria seu primeiro teste como cabeça de chapa numa disputa majoritária, após mais de três décadas na política.

Além do estelionato - Luiz Carlos Azedo

• Todos os levantamentos feitos até agora mostram que é praticamente impossível reverter a tendência da maioria dos senadores favorável ao impeachment

- Correio Braziliense

Todas as agruras da presidente Dilma Rousseff foram atribuídas ao fato de que prometeu mundos e fundos na campanha eleitoral e não cumpriu. Ao chamado “estelionato eleitoral”, a expressão cunhada pelo ex-ministro Delfim Netto após a reeleição do Fernando Henrique Cardoso, em 1998. Mesmo depois das manifestações de protesto de 2013 e do fracasso da Copa do Mundo de 2014, a petista conseguiu se reeleger numa campanha dura, em que atacou sem piedade os adversários, Marina Silva (Rede), então no PSB, e Aécio Neves (PSDB). O talento ilusionista do marqueteiro, João Santana, o mesmo da reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e da primeira eleição do “poste de saias”, em 2010, se encarregou do resto.

O epílogo - José Casado

• Sem dinheiro para viagens, Dilma rascunha carta com proposta ao Senado para comandar um inédito suicídio político coletivo

- O Globo

Acabou o dinheiro. Sem novas fontes de financiamento, Dilma Rousseff se vê obrigada a atropelar o plano feito antes do afastamento da Presidência, interrompendo sua agenda de campanha contra o impeachment.

Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.

Temer virou vidraça- Fernando Exman

• Centrais sindicais já marcaram ato contra reformas

- Valor Econômico

Mesmo que em menor número do que no passado recente, milhares de pessoas voltaram no domingo às ruas de diversas cidades do país para defender ou criticar o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Desta vez, com uma diferença significativa: nunca antes o nome de Michel Temer havia sido colocado, abertamente e por seus próprios aliados, como um presidente já pré-candidato à reeleição. Embora ainda no cargo de forma interina, Temer, a partir de agora, deve acostumar-se com o papel de vidraça.

Como era de se esperar, o pemedebista apressou-se a reafirmar que não tentará permanecer no cargo. Não só devido ao fato de que a eleição de 2018 está distante, mas porque declarações anteriores suas a respeito do assunto viabilizaram a construção de uma ampla base de apoio ao afastamento de Dilma da Presidência da República e à tramitação de medidas que certamente gerarão insatisfação em diversas parcelas da população. Mas o movimento causou tanto desconforto em alas da coalizão governista, sobretudo no PSDB, que Temer precisou voltar a agir em reunião com líderes partidários.

Até agora, o pemedebista tem conseguido descolar sua imagem da mal avaliada administração Dilma. Entre os manifestantes de domingo favoráveis à interrupção do mandato da petista, foram pontuais as menções a Temer. Ele é visto ora como um mal menor, mas necessário para tirar o PT do Palácio do Planalto, ora como mais um integrante da famigerada classe política. No entanto, os ataques ao presidente interino limitam-se à frente de esquerda contrária ao impeachment de Dilma Rousseff.

Sem as presenças da presidente afastada e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Olimpíada, Temer acabará tendo que dividir na sexta-feira as eventuais vaias dos espectadores apenas com as autoridades fluminenses. Fora do estádio do Maracanã, contudo, será o principal alvo da Central Únicas dos Trabalhadores (CUT) e outras entidades da frente que realizará protestos no Rio de Janeiro e em outras capitais.

A expectativa de dirigentes de movimentos sociais e sindicatos é que esse cenário mude de vez quando Temer levar adiante projetos que alterem as regras da Previdência Social ou a legislação trabalhista. Uma mobilização nacional em defesa do "emprego, direitos e da Previdência Social" foi marcada pelas principais centrais sindicais para o dia 16 de agosto, depois da sinalização do governo de que tais mudanças já estão sendo preparadas pela equipe econômica.

Além da reforma da Previdência, estão em elaboração propostas que regulamentam a terceirização, permitem a flexibilização dos contratos de trabalho, mudam normas de segurança na operação de máquinas e equipamentos e viabilizam acordos coletivos de propósito específico que se sobreponham à legislação - medidas que, na avaliação de autoridades do governo, teriam impactos positivos na produtividade e nos custos de produção no país.

Todas são esperadas pelos empresários, mas devem enfrentar resistência dos sindicatos. Restará a Temer e sua equipe tentar reduzir os obstáculos impostos pelas entidades que consideram legítimo e estão abertas ao diálogo com o seu governo. Essa investida deve começar pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Força Sindical, duas das maiores centrais brasileiras e que têm ligações diretas com partidos da base de Temer - PSD e SD, respectivamente. Até agora, elas não dão sinais públicos de que aceitarão as propostas do Executivo sem briga.

Abuso de autoridade
O embate entre políticos citados em denúncias de corrupção, investigadores e juízes não é novo. Tampouco uma singularidade do Brasil.

Na Catalunha, por exemplo, há cerca de duas semanas um integrante do Ministério Público local foi às manchetes dos jornais depois de cobrar, numa comissão parlamentar que discutia medidas de combate à corrupção, que os políticos implicados em denúncias deveriam renunciar em vez de se esconderem atrás de processos judiciais. "Neste país temos que aprender a renunciar, apesar que se possa, ao final, ser injusto, porque ninguém disse que a política tem que ser justa", afirmou Emilio Sánchez Ulled, também conhecido por combater irregularidades no mundo do futebol.

A um oceano de distância da dramaticidade das palavras do fiscal anticorrupção catalão, promotores, procuradores, juízes e policiais federais brasileiros tentam evitar que avance no Congresso o projeto de lei que visa coibir o abuso de autoridade. É um tema que, se tratado de forma genérica e teórica, dificilmente encontrará opositores - uma vez que o cidadão comum convive cotidianamente com casos do tipo. Os detalhes do projeto, no entanto, preocupam quem está na linha de frente no confronto com corruptos e corruptores.

Um dos pontos criticados é o trecho que permite um investigado processar, no privado, quem tenta esclarecer fatos. Ele é visto como um potencial instrumento para intimidações.

Um dos principais entusiastas do projeto é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relatório está a cargo do senador Romero Jucá (PMDB-RR). O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também apoia a iniciativa.

A proposta remete ao pacto republicano fechado em 2009, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando Gilmar Mendes estava à frente do STF. A principal operação policial do país era a ruidosa Satiagraha. José Sarney comandava o Senado e o hoje presidente interino Michel Temer, a Câmara.

Os anos se passaram, os personagens de então assumiram diferentes papéis e o projeto continua a tramitar no Congresso. A recente decisão do ex-presidente Lula de ir às Nações Unidas contra os responsáveis pela Operação Lava-Jato dá uma ideia das possíveis consequências da proposta - um prato cheio para quem eventualmente quiser, como disse o promotor catalão, esconder-se atrás de processos judiciais.

Projeto que pune abuso de autoridade tem dois problemas e algumas virtudes - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

O projeto de lei que busca coibir o abuso de autoridade por parte de juízes, promotores, policiais e outros servidores públicos tem dois problemas e algumas virtudes. O primeiro vício é de origem. A proposta passou pelo gabinete de Renan Calheiros, enroladíssimo com a Lava Jato. Não pega bem que investigados mexam em regras que podem afetar as investigações —mesmo que o PL seja no geral bom.

A segunda dificuldade é a mais grave. O artigo 9º do PL torna crime "ordenar ou executar a captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades". A redação é ligeiramente diferente da norma hoje em vigor, a lei nº 4.898/65, que considera abuso de autoridade a prisão "sem as formalidades legais ou com abuso de poder".

Se o diploma mais antigo não diz muita coisa —abuso de autoridade é definido como abuso de poder, que não recebe nenhuma definição—, a proposta atual avança demais. Ela permite que o magistrado responda criminalmente por interpretar a lei, caso a sua leitura seja diferente da hermenêutica do órgão hierarquicamente superior. Se o que está "fora das hipóteses legais" fosse assim tão óbvio, não precisaríamos de juízes humanos, que poderiam ser trocados por programas de computador.

O risco de Temer - Míriam Leitão

- O Globo

O presidente interino, Michel Temer, dará um tiro no pé se incentivar a proposta de ser candidato em 2018. Sua melhor chance é trabalhar pelo seu legado, iniciando a superação da pior crise das últimas décadas, e depois encerrar a carreira e ir para casa. Se entrar na disputa, continuará fazendo um governo ambíguo, e o momento é delicado demais para isso.

É natural que o grupo que se empoderou por orbitar em torno dele queira a continuidade, mas ele tem poucas chances. É um político sem carisma, ruim de voto, que já demonstrou não estar atualizado com certos valores e a agenda do mundo atual. Um sinal disso foi a falta de mulheres no ministério, em um tempo em que a homogeneidade masculina é impensável em qualquer governo do mundo democrático.

Ele chegou à presidência graças ao PT. Por estar na chapa com Dilma, recebeu os votos petistas, parte dos votos do PMDB e ficou na posição estratégica na qual assumiu interinamente o cargo. Não é um homem sem votos, como diz o PT. Ele os teve, mas, claro, se não fosse a ajuda petista não chegaria onde está.

O perseguido vira réu – Editorial / O Estado de S. Paulo

• Pelo andar da carruagem, Lula pode ir preparando novos habeas corpus preventivos

Na quinta-feira passada Lula da Silva foi se queixar à ONU de que está sendo perseguido no Brasil pelo juiz Sérgio Moro. Se tivesse esperado mais algumas horas, poderia ter incluído na reclamação o juiz substituto da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, Ricardo Leite, que teve a ousadia de, na sexta-feira, transformá-lo em réu por tentativa de obstruir investigação da Lava Jato. O chefão do PT perdeu, assim, uma excelente oportunidade de enriquecer a fabulação apresentada à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e ao mundo, de que está sendo vítima de uma conspiração da Justiça brasileira e outras forças do mal para impedir seu retorno à Presidência da República em 2018. O ex-presidente que logrou a proeza de conciliar a condição de protetor universal dos fracos e oprimidos com a de amigo do peito de banqueiros, empreiteiros e oportunistas de outras extrações, foi pego de surpresa por sua estreia na condição de réu, mas tentou disfarçar fazendo troça: “Se o objetivo é me tirar de 2018, isso não era necessário. A gente poderia escolher outro candidato”.

Lula réu – Editorial / Folha de S. Paulo

Para um ator político tão celebrado —em outros tempos— por sua argúcia e senso de oportunidade, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem colecionado série estonteante de erros e reveses. Com tantos tropeços, será surpresa se chegar a 2018 com sua candidatura de pé, como deseja.

Alguns dirão que a sucessão de embaraços nada mais é que o corolário de sua manobra mais desastrada, a escolha do "poste" Dilma Rousseff para concorrer a sucedê-lo no Planalto. Com a presidente afastada a ponto de sofrer a confirmação do impeachment, Lula estaria a debater-se para lustrar a própria biografia, ao menos perante a minguada torcida petista.

Isso explicaria, talvez, a retomada de peregrinações saudosistas a remanescentes de popularidade lulista, como o Nordeste. Bem mais difícil seria aplicar tal racionalização à canhestra iniciativa de denunciar o juiz Sergio Moro ao Comitê de Direitos Humanos da ONU por suposta violação de direitos.

Riscos globais tornam mais urgentes reformas no país – Editorial / O Globo

• Ameaças à integração econômica alimentam a desconfiança corporativa. Brasil precisa encarar de uma vez por todas os dilemas que travam sua modernização

A divulgação na sexta-feira passada do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre do ano evidenciou sinais contraditórios sobre a recuperação da maior economia do mundo, que ainda sofre os efeitos da crise financeira global de 2008. Pelo lado positivo, os dados mostraram um crescimento robusto (4,2%) no consumo das famílias americanas — item que representa dois terços do cálculo do PIB —, sugerindo aumento na geração de emprego, maior acesso ao crédito, aumento salarial e do patrimônio.

Mas nem tudo são flores. O relatório mostra igualmente que as empresas permanecem tímidas em seus investimentos, e com estoques acumulados, fator preocupante, a ponto de ofuscar o peso do consumo das famílias no cálculo do PIB. A desconfiança do setor corporativo, que se traduz na ausência de investimentos em contratação de pessoal e em novas fábricas e equipamentos, representa atualmente talvez o maior desafio à recuperação econômica — dos EUA e do mundo.

Cai a participação de bancos públicos no mercado de crédito – Editorial / Valor Econômico

Sem a possibilidade de receber as antes fartas injeções de capital do Tesouro e com resultados decrescentes, os bancos públicos tiveram que frear a concessão de empréstimos pela primeira vez em anos. Alguns planejam até reter dividendos e vender ativos para bancar novas concessões.

Desde a segunda metade da década passada, os bancos públicos vinham sendo acionados pelo governo do PT para estimular a economia. Ampliar a oferta de recursos foi uma das respostas do então presidente Lula à crise internacional, em 2008, levando o crédito a saltar 30,7%. Em 2012, a presidente Dilma Rousseff também recorreu aos bancos públicos para ampliar a oferta de recursos e aumentar a concorrência com o objetivo de causar a queda dos juros e também ativar a economia. Durante todo o primeiro mandato da presidente, o crescimento médio anual do crédito foi de 24%. Com isso, os bancos públicos passaram a dominar mais da metade do mercado.

O freio começou a ser acionado já em 2015, na gestão de Joaquim Levy na Fazenda, que revisou programas e reduziu subsídios, já sob o impacto da crise fiscal. Como os bancos privados também estavam se adequando ao quadro de economia em recessão, a perda de espaço dos públicos ainda não era visível, o que só aconteceu neste ano. Em junho, pela primeira vez há muito tempo, os bancos públicos perderam espaço e sua participação no crédito diminuiu, ainda que marginalmente, para 56,6% do total, em comparação com 56,7% em maio.

A hora da responsabilidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

• Vem em muito má hora a especulação em torno de uma eventual candidatura de Michel Temer

Vem em muito má hora a especulação em torno de uma eventual candidatura de Michel Temer à Presidência em 2018. O presidente em exercício tem de estar integralmente dedicado à difícil tarefa de conduzir o País para fora da tormenta em que o governo de Dilma Rousseff o colocou, e para isso não pode ser refém de interesses eleitorais, cujo horizonte é necessariamente curto. Mais uma vez, o presidente em exercício desautorizou as especulações em torno de tal candidatura e reiterou seu apego à missão de restaurar as finanças nacionais. Afinal, somente assim Temer terá mais chances de convencer os demais atores políticos de que este é o momento de pensar no País em primeiro lugar, deixando de lado vaidades e projetos pessoais. E o primeiro grande teste da capacidade de Temer de liderar esse processo se dará nos próximos dias, com a votação, na Câmara, do projeto de lei que renegocia a dívida dos Estados em troca da adoção de um duro programa de responsabilidade fiscal. O presidente em exercício deverá se concentrar na tarefa de mobilizar os governadores e suas respectivas bancadas na Câmara para aprovar uma proposta que raros políticos em campanha defenderiam, pois implica austeridade e tende a criar atritos com o funcionalismo público.

Velhas perguntas e velhas respostas - Arnaldo Jabor

- O Globo

Não aguento mais falar de escândalos e punições. A política está tão despedaçada quanto nossas cabeças. A mutação dos últimos anos foi tão forte, a revolução digital foi tão completa no mundo pós-industrial que dissolveu crenças e certezas. Caímos num vácuo de rotas. Não há uma clareza sobre a pós-modernidade — como viver sem esperanças?

Perdoem meu pobre papo-cabeça, mas eu estou preparando um novo filme e vejo como é difícil criar sem finalidade alguma, pois todo pensamento tem o desejo de conclusão, um desejo de certeza.

Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos — não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett : que saudade das “velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... tipo “something wicked this way comes”, “vem bode por aí...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.

O Ovo de Galinha - João Cabral de Melo Neto

I
Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
maciçamente ovo, num todo.

Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.

No entanto, se ao olho se mostra
unânime em si mesmo, um ovo,
a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.

II
O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.

E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
de pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

III
A presença de qualquer ovo,
até se a mão não lhe faz nada,
possui o dom de provocar
certa reserva em qualquer sala.

O que é difícil de entender
se se pensa na forma clara
que tem um ovo, e na franqueza
de sua parede caiada.

A reserva que um ovo inspira
é de espécie bastante rara:
é a que se sente ante um revólver
e não se sente ante uma bala.

É a que se sente ante essas coisas
que conservando outras guardadas
ameaçam mais com disparar
do que com a coisa que disparam.

IV
Na manipulação de um ovo
um ritual sempre se observa:
há um jeito recolhido e meio
religioso em quem o leva.

Se pode pretender que o jeito
de quem qualquer ovo carrega
vem da atenção normal de quem
conduz uma coisa repleta.

O ovo porém está fechado
em sua arquitetura hermética
e quem o carrega, sabendo-o,
prossegue na atitude regra:

procede ainda da maneira
entre medrosa e circunspeta,
quase beata, de quem tem
nas mãos a chama de uma vela.

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A poesia acima foi extraída do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 302.