segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

As aparências enganam - Carlos Pereira

- Valor Econômico

• Desenvolvimento é não-linear e contextual

Na grande maioria das vezes, mudanças de grande magnitude em sociedades complexas não ocorrem aos poucos ou de forma incremental. Mudanças profundas ocorrem de forma abrupta, muitas vezes motivadas por choques inesperados, sejam eles externos ou internos.

Transições que engendram mudanças dessa natureza são geralmente precedidas de desequilíbrios ou desconexões entre as crenças/expectativas com os resultados obtidos e gerados pelo conjunto de instituições. Crenças são modelos mentais sobre o funcionamento do mundo. São percepções de causa e efeito entre instituições (regras do jogo) e os resultados das políticas de um determinado país. Sociedades em equilíbrio seriam portanto aquelas em que os resultados esperados são consistentes com suas crenças. Nesses casos, mudanças seriam eventos infrequentes ou ajustes marginais, muitas vezes imperceptíveis. Por outro lado, inconsistências entre crenças e resultados podem se acumular produzindo desequilíbrios, gerando assim janelas de oportunidade a mudanças, principalmente quando sociedades são atingidas por choques.

No livro "Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change", recentemente publicado pela Princeton University Press, eu e meus coautores argumentamos que o Brasil possui alguns dos elementos capazes de levá-lo a fazer uma transição para o grupo seleto de países desenvolvidos. Vale salientar que esse argumento não é uma previsão e nem tampouco uma aspiração normativa. Trata-se sim da constatação de que as crenças de inclusão fiscalmente responsável têm persistido no Brasil a despeito da sucessão de crises e choques.

Como mudanças desse porte não são lineares, o ceticismo atual sobre o futuro do Brasil não é gratuito. Um exame rápido de alguns dos indicadores de desempenho fornece elementos suficientes para se suspeitar do argumento que o país passa por profundas transformações em rota para o desenvolvimento. Recessão econômica, desemprego, violência, desigualdade, infraestrutura débil... a lista das disfuncionalidades não é pequena.

Parece ingênuo, entretanto, esperar que um país, em um processo bem-sucedido de desenvolvimento, apresente melhoras em todas (ou na maioria) das dimensões de forma monotônica e simultânea. O processo de desenvolvimento em qualquer país parece ou pode ser sujo, pois é não-linear e, fundamentalmente, contextual. E no Brasil não tem sido diferente. Uma combinação de indicadores não oferece sinais inequívocos de que esse ou aquele país está de fato na rota para o desenvolvimento. Um profundo processo de reformas já pode estar em curso sem que seus efeitos estejam plenamente visíveis ou aparentes. Portanto, precisamos nos valer não apenas de indicadores de desempenho, muitos deles ainda imperfeitos, mas também da observação atenta de mudanças institucionais e no sistema de crenças da sociedade.

Na década de 90 surgiu uma ideia-força como princípio organizador da mudança institucional ancorada na inclusão social fiscalmente responsável. Essa crença dominante é fruto da combinação de dois elementos. O primeiro, a inclusão social, surgiu como reação ao modelo de desenvolvimentismo excludente do regime militar. O segundo, o equilíbrio macroeconômico, é produto da experiência traumática da hiperinflação. O boom de commodities, a descoberta do pré-sal e o neo-desenvolvimentismo pós-crise de 2008 representou um choque que abalou, mas parece não ter eliminado esse conjunto de crenças. Ainda que outros fatores também tenham contribuído, é sugestivo que a presidente Dilma Rousseff tenha sofrido impeachment justamente por crimes fiscais e pela interrupção do processo de inclusão social responsável.

A sucessão de escândalos de corrupção e a reação das instituições de controle (Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal etc.) parecem ter aberto uma nova janela de oportunidade. Percebe-se que a crença de inclusão social fiscalmente responsável tem se fundido com uma clara intolerância à corrupção e o fortalecimento do estado de direito. O combate à corrupção no Brasil é o tema que mais suscita preocupação entre os brasileiros, à frente de desemprego, saúde e violência. A atuação das instituições de controle, impondo perdas não-triviais para os envolvidos, tem gerado uma espécie de ciclo virtuoso. O ponto de virada parece ter sido o julgamento do Mensalão, quando o desempenho do STF, punindo envolvidos no escândalo, alinhou-se com a preferência da maioria da população. Uma série de inovações institucionais pós mensalão (lei da ficha-limpa, lei da transparência, lei da delação premiada, lei da leniência etc.) criaram condições para o sucesso subsequente da operação laja-jato, que apesar do infortúnio ocorrido com seu relator Teori Zavaski, espera-se que prossiga sem intempéries.

Nada garante que novas crenças venham a criar instituições que proporcionem resultados consistentes com as expectativas. O processo pelo qual novas crenças substituem antigas não garante progresso. Pelo contrário: a maioria dos países têm passado por repetidos ciclos, sem realmente avançar em termos de desenvolvimento sustentável. Mas, uma análise atenta do que vem ocorrendo no Brasil, sugere que estamos diante da possibilidade de um grande salto. Muito do que a sociedade brasileira sempre reclamou sobre a impunidade de crimes cometidos por brancos, ricos e poderosos parece estar chegando ao seu fim.
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Carlos Pereira é professor titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getulio Vargas (FGV

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