segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Executivo é autor de 62% das leis aprovadas no País

• Taxa do governo Temer apontada pelo ‘Estadão Dados’ é a maior em dez anos; nos governos petistas, maioria dos projetos acatados partia do Legislativo

Rodrigo Burgarelli, Guilherme Duarte e Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo

Desde maio do ano passado, quando Michel Temer assumiu interinamente a Presidência da República, 62% de todas as novas leis aprovadas no Congresso foram inicialmente propostas pelo Palácio do Planalto – a maior taxa dos últimos dez anos. Os números revelam como o peemedebista – que construiu sua carreira política na Câmara dos Deputados, onde foi eleito presidente da Casa três vezes – interrompeu a trajetória de queda na proporção de leis aprovadas cujo autor é o Executivo.

Nos primeiros anos após a promulgação da Constituição de 1988, muitos cientistas políticos temiam que a combinação de presidencialismo com multipartidarismo não funcionaria de jeito nenhum. A avaliação era que um presidente não conseguiria governar tendo de negociar com um Congresso disperso e fragmentado. Hoje, porém, está claro que o presidente consegue não apenas governar formando coalizões, mas também dominar a pauta legislativa de maneira quase hegemônica.

O fenômeno entrou em pauta nas discussões sobre a eleição da nova Mesa Diretora da Câmara marcada para a próxima quinta-feira. Ao lançar sua candidatura no início do mês, o deputado Rogério Rosso (PSD-DF) criticou o fato. Para analisá-lo, o Estadão Dados compilou a autoria de todas as 5.719 leis aprovadas de 1989 até hoje, com base nos registros do Congresso. Os dados mostram que, até meados do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), cerca de três a cada quatro novas leis tiveram o Executivo como autor – taxa que permaneceu no mesmo patamar nesse período.

Desde então, entretanto, o porcentual passou a cair de maneira quase constante. De janeiro a maio de 2016, antes de Dilma Rousseff ser afastada, a proporção chegou ao menor valor da série: 26%. O movimento parecia revelar um aumento paulatino do protagonismo do Legislativo na confecção das leis, conforme apontou estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) em 2015.

“Naquela época esse era um padrão que a gente identificava. Mas, de fato, os números mudaram”, afirma o autor do estudo, o pesquisador Acir Almeida. Segundo ele, há uma hipótese que se mostra consistente ao longo do período para explicar a mudança. “A dominância legislativa pelo Executivo varia em função das preferências da coalizão do governo. Na era PT, a base do governo no Congresso era bastante heterogênea, e era mais difícil que os projetos apresentados pelo governo agradassem a toda a base. Assim, os congressistas apresentavam mais seus próprios projetos.”

A lógica é que, quando as preferências de deputados e governo se alinham, é mais fácil que os principais projetos venham do governo, que tem mais ferramentas para determinar a pauta e fazer com que as propostas sejam analisadas mais rapidamente – como, por exemplo, usando medidas provisórias.

Coalizão. Essa explicação é corroborada pela pesquisa do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele e dois outros pesquisadores analisaram a ideologia de congressistas desde 1988 e descobriram que os períodos com maior dominância do Executivo coincidem com os governos em que a coalizão governista é mais homogênea.

“A coalizão de Temer é a mais homogênea e mais proporcional desde a redemocratização, e, além disso, a preferência mediana de seu gabinete se aproxima bastante da preferência mediana do Congresso, o que não ocorria desde FHC. Isso faz com que Temer tenha menores custos de governo e consiga obter um grande apoio legislativo”, disse Pereira.

A hipótese também é levantada por Antonio Queiroz, diretor do DIAP (Departamento Intersindical de Análise Parlamentar). “O governo do PT tinha conflito de agenda com o Parlamento. Isso exigia um carinho muito especial, além de cargos e emendas. (Os governos do PT) tinham um conteúdo que conflitava com maioria dos partidos da base”, afirma.

Líderes partidários também endossam a tese. “O governo atual está mais de acordo com o pensamento da maioria do Congresso, que é conservadora. Também no caso do FHC, a maioria do Congresso correspondia socialmente ao governo”, afirmou Carlos Zarattini, líder do PT na Câmara. “Os governos do PT também tinham maioria, mas que não permitia fazer todas as reformas que estavam no programa do partido.”

Outra diferença citada está no caráter reformista das gestões FHC e Temer. “Quando você está em um momento de dificuldade, normalmente é preciso ter urgência. FHC precisava proporcionar crescimento ao País. E Temer precisa colocar o Brasil de pé”, afirmou o líder do PSDB, Ricardo Tripoli.

3 PERGUNTAS PARA:
Miro Teixeira (REDE-RJ), deputado decano da Câmara.

1. O governo Michel Temer retomou o ativismo do Executivo. Como explica isso?
O presidencialismo brasileiro é imperial. O presidente da República tem um orçamento autorizativo à sua disposição, salvo uma pequena parte, das emendas parlamentares. E tem a Medida Provisória, que passa a valer a partir da publicação. O presidencialismo brasileiro precisa compor maioria com a cooptação parlamentar. Isso remete a um Parlamento organizado como um departamento do Poder Executivo. O Michel (Temer) tem uma maioria muito confortável.

2. Por que no final da gestão FHC e durante a maior parte das gestões do PT o Parlamento propôs mais leis?
Há um momento no governo Fernando Henrique em que o artigo 62 das Medidas Provisórias foi alterado. Até então a MP era reeditada. Quando se alterou, não pôde mais. O Michel (Temer), por sua vez, quando era presidente da Câmara, conseguiu uma vitória no STF, que foi permitir que só MP tranque a pauta. Só tranca a pauta as matérias que podem ser editadas por MP. Os projetos não são. Houve então um aumento de pautas de projetos da Câmara, o que não significa que eram relevantes.

3. O sr. considera que os projetos de iniciativa dos parlamentares são relevantes?
Os projetos mais relevantes de iniciativa parlamentar só têm exame oportunista, de ocasião. Se existe uma crise na segurança, por exemplo, fazem uma pauta. São o clamor popular e o marketing que ditam a pauta e conduzem a discussão no Parlamento.:

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