terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Governo tenta aval do STF para resolver crise do Rio

• Plano negociado por Meirelles e Pezão prevê ajuda financeira imediata

Socorro à vista

• União prepara plano de ajuda financeira ao estado; STF arbitrará acordo

Martha Beck, Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA E RIO- O governo federal costura uma saída para ajudar o Rio antes mesmo que o Congresso avalie o projeto de socorro financeiro aos estados em crise, que será enviado ao Legislativo no próximo mês. Integrantes da equipe econômica explicaram ao GLOBO que a ideia é permitir que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenhe o papel de árbitro de um acordo que está sendo construído entre o Ministério da Fazenda e o governador Luiz Fernando Pezão. O objetivo é que se chegue a um entendimento esta semana. O acordo, então, será submetido ao presidente Michel Temer.

Caso a presidente da STF, ministra Cármen Lúcia, aceite os termos do acordo, a ajuda sairá do papel logo em seguida. Isso seria algo inédito, pois qualquer mudança na forma de pagamento da dívida dos estados com a União requer uma alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que precisa passar pelo Congresso. No entanto, técnicos do governo federal avaliam que a situação é muito grave e a solução não pode demorar a ser apresentada.

— Vamos chegar ou não a um acordo (com o Rio). Se vier e for aprovado pelo presidente Michel Temer, será submetido ao STF, que irá homologá-lo se entender que existe base jurídica para isso — disse um integrante da equipe econômica.

Questionado se isso não significaria “passar por cima” do Congresso, ele afirmou:

— Nenhum acordo entre a União e um estado será submetido ao Congresso. O STF vai decidir se a homologação é possível.

O assunto deverá ser discutido amanhã por Cármen Lúcia, Pezão e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na avaliação de fontes do Palácio do Planalto, para os demais estados em crise, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o caminho aberto para o socorro ao Rio será favorável à costura de novos acordos.

No fim do ano passado, o Congresso aprovou um projeto que previa a renegociação das dívidas dos estados com a União e que estabelecia um programa de recuperação fiscal para aqueles em pior situação. A ideia era que alguns ficassem três anos sem efetuar depósitos em troca de duras contrapartidas, como cortes de gastos com pessoal e a criação de planos de desestatização. Parlamentares, no entanto, retiraram do texto as exigências do governo federal, o que levou Temer a vetá-lo parcialmente. Uma nova proposta será
enviada aos deputados.

EQUIPES REUNIDAS
Agora, Meirelles e sua equipe tentam costurar uma saída para o estado retomando o regime de recuperação fiscal com suspensão da dívida e exigência de contrapartidas. Nesta segunda-feira, ele e Pezão passaram duas horas discutindo o acordo. Também participaram do encontro, realizado no prédio do Ministério da Fazenda no Centro do Rio, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, o secretário estadual da Fazenda, Gustavo Barbosa, e o procurador-geral do estado, Leonardo Espíndola.

— A suspensão do pagamento das dívidas é uma parte menor do ajuste necessário para o Rio. Questões relacionadas à diminuição de despesas e ao aumento de receitas são parte fundamental do plano para o estado. Será um projeto bem definido para equacionar todo o débito fiscal do Rio para 2017 e os anos seguintes. Será um plano que vai resolver definitivamente o problema fiscal do estado — afirmou Meirelles, que classificou como “dramática” a situação financeira do Rio.

Em dezembro, o Palácio do Planalto vetou parte do projeto de socorro aos estados, que previa uma ajuda extra para os entes em pior situação fiscal, sobretudo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O veto ocorreu porque o governo acredita que o texto ficou desfigurado após o Congresso ter derrubado todas as contrapartidas de ajuste exigidas.

— Se o projeto tivesse sido aprovado pelo Congresso naqueles tempos, o plano já estaria definido pelo próprio projeto. Na medida que aquelas condições não estão definidas por uma lei complementar, nós estamos fazendo de forma bilateral — afirmou Meirelles.

O governador Luiz Fernando Pezão disse, por sua vez, que as equipes estão trabalhando para chegar a um entendimento com a União.

— Acho que está caminhando muito bem. Tenho certeza que até amanhã à tarde vamos chegar a um bom entendimento. Tanto bom para a União, quanto para o estado, quanto para toda a população do estado do Rio. Nos empenhamos muito para que o projeto fosse aprovado no Congresso Nacional. A Alerj deixou de votar algumas dessas matérias porque estavam esperando quais seriam as contrapartidas que seriam aprovadas na Câmara Federal. Foi por isso que muitas das medidas foram postergadas. Mas não tenho dúvida nenhuma que o trabalho que será terminado amanhã fortalece muito a aprovação dessas medidas. Vão dar conforto ao governo do estado e ao governo federal — declarou.

CRISE SE ARRASTA DESDE 2015
Diante das dificuldades para debelar a crise que corrói as finanças do estado desde o fim de 2015, o governador Luiz Fernando Pezão enviou para a Assembleia Legislativa um pacote com 22 medidas de austeridade em novembro passado. As propostas impactavam diretamente os servidores públicos. O objetivo era aumentar a arrecadação em R$ 13,4 bilhões este ano, para enfrentar o déficit de R$ 19 bilhões previsto no orçamento.

A estratégia do governo não prosperou entre os deputados. Após um protesto violento de servidores, que chegaram a invadir a sede da Alerj, o presidente da Casa, deputado Jorge Picciani (PMDB), aliado de Pezão, devolveu ao governo logo nos primeiros dias a medida que renderia mais recursos: a criação de alíquotas extraordinárias de 16% (para todos os servidores da ativa) e 30% (para os inativos que ganham acima de R$ 5.189,82). Se fosse aprovado, esse projeto aumentaria a arrecadação em R$ 4,7 bilhões este ano.

Mesmo sem ter recursos para pagar ao funcionalismo em dia e afundado em dívidas com fornecedores, o estado sofreu uma derrota atrás da outra na Alerj. Em meio às manifestações diárias de servidores em frente ao Palácio Tiradentes, os deputados aprovaram o aumento de ICMS de energia elétrica, telefonia, cerveja, gasolina e cigarros e mudanças no Bilhete Único Intermunicipal, que só poderá ser concedido a quem ganha mais de R$ 36 mil anuais. Também passaram pelo plenário a proibição de anistia a devedores, o fim da gratuidade nas viagens de barcas para quem mora em Paquetá e na Ilha Grande e a redução em 30% dos salários do governador, do vice e dos secretários (o corte nos vencimentos acabou sendo vetado por Pezão). O restante do pacote — como a medida que aumentava a alíquota previdenciária de 11% para 14% — não vingou.

Com a queda de arrecadação de impostos e royalties, o estado ainda não conseguiu depositar os salários dos funcionários de novembro, que estão sendo parcelados. O 13º sequer tem data para ser pago. A crise também impacta a área da saúde. O Hospital Getúlio Vargas, por exemplo, suspendeu ontem o atendimento por falta de insumos.

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