sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Juros e ilusão do crescimento automático - José Paulo Kupfer

- O Globo

• A relação entre redução das taxas e retomada da atividade é inversa e positiva, mas é preciso algumas condições para que essa situação se concretize

A redução de 0,75 ponto na taxa básica de juros, trazendo-a de 13,75% ao ano para 13%, decidida por unanimidade pelo Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira, de um lado surpreendeu, mas de outro agradou ao mercado. Houve mesmo quem considerasse que os dirigentes do Banco Central começaram a corrigir a demora a agir mais agressivamente na redução da taxa Selic, ao iniciar o novo ciclo de corte apenas em outubro e restringi-lo, no final de 2016, a duas pequenas podas de 0,25 ponto.

É certo que havia condições objetivas favoráveis. A fraqueza da economia ficou mais evidenciada depois da reversão de expectativas no terceiro trimestre e a inflação, claramente como decorrência dessa tendência, acelerou o passo de queda, surpreendendo ao fechar 2016 em 6,3%, abaixo do teto da meta. O mesmo se pode dizer das incertezas com potencial para frear o ritmo de cortes, caso da retomada de altas de juros de referência nos Estados Unidos, o que só se confirmou em dezembro, e os efeitos na economia global da eleição de Donald Trump, da qual ainda só se tem conjecturas.

De toda maneira, a hipótese de que o BC iniciou uma ação “corretiva” mantém lá sua validade e não deixa de conter alguma ironia diante do fato de que um último corte tão intenso nos juros básicos tenha ocorrido há oito anos, em outro episódio de correção de rumo na política de juros. Entre janeiro e julho de 2009, o BC encetou um rali de três reduções sucessivas de um ponto cada uma, completado por uma última poda de 0,5 ponto, que trouxe a taxa, por coincidência então também na altura de 13,75% ao ano, para 8,75%.

Na ocasião, sob a presidência do hoje ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o BC vinha de uma sucessão de altas na taxa Selic, em 2008, encerrada com uma última puxada de 0,75 ponto, em setembro, às vésperas da quebra do banco Lehman Brothers, que deu origem à grande crise global da qual a economia mundial até hoje se ressente.

Discute-se agora a intensidade das próximas reduções dos juros. A tendência é manter o mesmo ritmo de 0,75 ponto, mas ficou em aberto se o passo vai acelerar ou moderar. No geral, aposta-se agora que os juros básicos recuarão, em 2017, entre 3 e 4 pontos, nas sete reuniões restantes de 2017, fechando o ano na vizinhança ou abaixo dos dois dígitos, entre 10% e 9%.

O próprio BC, no comunicado emitido, lista alguns riscos para a continuidade de um ciclo mais intenso de cortes nos juros. Em tradução bem livre, trapalhadas de Trump, na área externa, e trapalhadas do governo Temer, na condução do processo de ajuste fiscal, além da eventual resistência de preços de alguns setores, notadamente nos serviços. Existem, porém, outros riscos e um dos mais relevantes é acalentar a provável ilusão de que basta derrubar os juros e persistir na austeridade fiscal para que a economia, automaticamente, recupere o vigor do crescimento.

Há, comprovadamente, uma relação inversa e positiva entre redução de juros e retomada econômica — juro cai, economia sobe —, mas é preciso que algumas condições específicas estejam presentes para que essa situação se concretize. Basta lembrar o que se passa na Europa e no Japão, com taxas de juros negativas há tempos e economia ainda claudicante.

No caso brasileiro, o início de uma recuperação, lenta e tímida, projetado hoje apenas para o segundo semestre, terá, claro, a colaboração favorável de juros básicos mais baixos. Muitos obstáculos, contudo, ainda terão de ser superados. De cara, não se pode esquecer que os efeitos da política de juros no crescimento são defasados no tempo e que, mesmo em queda, nossos juros reais permanecerão entre os recordistas mundiais, pelo menos acima de 6%, superando a taxa de retorno de muitos tipos de investimento.

Isso sem falar que canais de crédito estão obstruídos pelo desemprego em alta e pela crise de solvência que atinge largos blocos de famílias e empresas. Reforça o conjunto de pedras no caminho da retomada uma aparente incompreensão da equipe econômica de que a fraqueza da economia não é apenas cíclica e que, portanto, o fato de o país ter graves problemas fiscais não significa que a solução seja, necessariamente, somente fiscal.

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José Paulo Kupfer é jornalista

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