domingo, 15 de janeiro de 2017

Luz e trevas - Míriam Leitão

- O Globo

O presidente Barack Obama reverteu a crise econômica aguda em que o país estava quando assumiu e deixa os Estados Unidos crescendo e com baixo desemprego. O presidente Donald Trump não tem apenas ideias extremadas, mas um comportamento totalmente fora do padrão. A troca na Casa Branca esta semana será entre um líder que evitou polêmicas pessoais por outro que busca o conflito em bases diárias.

Aabissal distância entre os dois ficou nítida na última semana. Obama fez seu discurso de despedida exaltando os valores da democracia, entre eles o da alternância no poder. Trump investiu furioso contra o repórter da CNN na primeira entrevista coletiva. Obama publicou um artigo na “Science” sobre o avanço da energia limpa. Trump, no Twitter, fez propaganda de uma loja de varejo cuja acionista o apoiou.

Em todas as transições entre democratas e republicanos na Casa Branca houve a natural troca de propostas e maneira de governar. Mas agora a mudança é mais profunda. Pelo que fez e disse, entre ser eleito e a posse, no dia 20, Trump mostrou que será um presidente nada presidencial. Em um dos momentos de espanto da semana passada, ele disse que deixará as suas empresas a cargo do filho, mas que, se ele tiver um mau desempenho, vai demiti-lo. Isso significa que, como chefe do governo, continuará a exercer, na prática, o controle dos seus negócios.

É difícil escrever sobre Trump. Primeiro é preciso esforçar-se para escolher palavras educadas para defini-lo. Depois é necessário abandonar expressões extremas como aberração, escandaloso, bizarro, truculento, absurdo, retrógrado, racista, misógino. Assim, chega-se ao mínimo: Trump é insólito e inadequado.

Obama assumiu em momento de pânico econômico. Em setembro de 2008, quatro meses antes de sua posse, os Estados Unidos entraram no redemoinho financeiro sem precedentes após a quebra do Lehman Brothers durante a crise da subprime. A onda do tsunami subiu e estourou nos primeiros anos de Obama. O desemprego foi a 10%. Hoje, está em 4,7%. O PIB levou quatro anos para voltar ao ponto em que estava. O déficit nominal foi a 13% do PIB. Ele o reduziu para 4%.

Apesar dos bons indicadores, a insatisfação dos americanos permaneceu alta, por isso o Partido Republicano venceu a eleição. Foi exatamente por saber explorar o sentimento da classe média, de que a vida não voltou a ser como era no passado, que Trump cresceu. Não a ponto de vencer no voto popular. Os dois milhões de votos a mais que Hillary Clinton recebeu a elegeriam em várias democracias do mundo, mas não foram suficientes para o Colégio Eleitoral americano. É revelador, contudo, que Trump tenha usado com tanto sucesso a bandeira do emprego, num país com um índice abaixo de 5% de desempregados. Isso tem significado que precisa ser mais bem entendido.

Obama governou oito anos com um Congresso nas mãos da oposição republicana. Mesmo assim, fez importantes mudanças nas políticas ambiental e climática e aprovou estímulos à inovação. Conseguiu escapar de armadilhas fiscais. Pelos problemas que herdou, a dívida pública saiu do patamar de 70% para o de 100% e por isso o governo teve que pedir autorização do Congresso para elevar o teto. Os republicanos encurralaram o governo e Obama teve que usar de toda a sua habilidade para evitar a paralisação da máquina.

Seu programa de saúde garantiu cobertura mínima de assistência médica para mais de 20 milhões de americanos de baixa renda. Mas o Obamacare já foi escolhido como a primeira vítima do desmonte de Trump. Na política externa, conseguiu poucas, mas boas, vitórias: o acordo com o Irã, a distensão com Cuba, o Acordo do Clima em Paris. Ele defendeu no artigo escrito para a “Science” que o avanço na energia limpa já é irreversível porque o próprio setor privado desvinculou crescimento econômico do aumento das emissões. “Especificamente as emissões de CO2 do setor de energia caíram 9,5% de 2008 a 2015, enquanto a economia cresceu mais de 10%”, escreveu.


Pelo que cada um diz ou acredita, os Estados Unidos parecem estar fazendo uma viagem no tempo em sentido inverso: de um presidente iluminista para um medieval.

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