segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Mercado, impeachment e previsibilidade - Leonardo Avritzer

- Valor Econômico

• Afastamento criou incertezas não esperadas pelo mercado

A teoria econômica e a ciência política sustentam corretamente que a redução de incerteza é um dos componentes fundamentais da tomada de decisão dos agentes econômicos. A democracia contribui para esse processo de uma maneira muito específica, gerando certezas sobre os procedimentos e as regras envolvidas na disputa pelo poder político. A cada eleição, a partir do desempenho do governo anterior, os eleitores escolhem a opção de mudar ou não de orientação política e desse modo se dá a continuidade do sistema. O interessante é o quanto o mercado se beneficia dele. A economia só é capaz de seguir uma trajetória previsível de tomada de decisões se houver um mínimo de segurança sobre as regras do jogo político.

Em 2016, o Brasil rompeu com essa previsibilidade a partir de uma aliança entre mercado e sistema político. Mercado e sistema político parecem ter feito o seguinte pacto. Insatisfeito com a política econômica de Dilma Rousseff que de fato tentou de forma atabalhoada um ajuste desenvolvimentista e, em seguida, um ajuste liberal inconsistente, o mercado achou que esse poderia vir mais facilmente através do vice-presidente. Assim, ele aceitou e participou da remoção da presidente eleita por mais que houvesse suspeitas fortíssimas sobre o envolvimento do agora presidente Michel Temer e dos políticos próximos dele com os desvios de recursos públicos da Petrobras. Em troca desse apoio, sem o qual o impeachment da ex-presidente Dilma não teria ocorrido, Temer e o seu círculo político ofereceram ao mercado um conjunto de reformas, entre as quais vale a pena destacar a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência. Surpreendentemente (pelo menos para o mercado) essa estratégia criou menos previsibilidade em vez de mais. Por quê?

Por um motivo muito simples: romper com as regras do jogo político e impedir um presidente a partir de uma fragilíssima base legal abriu a caixa de Pandora institucional. O impeachment foi possível através de um conjunto de ações por parte do Congresso e de inações por parte do Supremo Tribunal Federal que instalaram a incerteza generalizada sobre a direção do governo e a viabilidade de políticas públicas aprovadas pelo Congresso. Ao mesmo tempo, instalou-se uma incerteza generalizada sobre o sentimento das ruas. Se a população ou uma boa parte dela foi às ruas contra a corrupção, são possíveis apenas duas hipóteses sobre o tema: ou ela foi enganada pelos atores pró-impeachment ou ela voltará em breve para se manifestar contra um governo que teve todos os homens do círculo íntimo do presidente (além dele próprio) envolvidos em delações sobre corrupção na Petrobras, além de casos "menores" como o do apartamento em Salvador. Venhamos e convenhamos. Nesse clima, não é possível haver previsibilidade política e, portanto, parece mais do que razoável que os agentes econômicos não tomem decisões para além do curto prazo no qual apenas o mercado financeiro parece capaz de auferir ganhos.

Vale a pena nesta análise explicitar o papel das instituições de controle em particular da Procuradoria-Geral da República no processo de disseminação da incerteza política no país. O Brasil construiu instituições contramajoritárias fortes, isso é, instituições constituídas por profissionais que não foram eleitos mas que têm um papel importante na contenção de abusos de poder, tal como vimos nos casos do ex-presidente do Congresso e do atual presidente do Senado. Há apenas um problema com as instituições contramajoritárias: elas têm que se ater ao seu limite constitucional e atuar ex-post ao processo político questionando a legalidade de decisões dessa maneira. Aqui encontramos o terceiro problema dessa conjuntura: o chefe do ministério público, o Dr. Rodrigo Janot, parece investido de aspirações majoritárias ou soberanas. Assim, ele com a ajuda da sua tropa em Curitiba, propôs um projeto de iniciativa popular sobre a corrupção. O projeto tem a visão desses procuradores sobre direitos e garantias e sendo, assim, propôs a flexibilização do habeas corpus, a prisão preventiva não cautelar entre outras barbaridades constitucionais. Nenhum problema que procuradores pensem assim, desde que eles aceitem que são apenas uma parte do processo político e aceitem o resultado mais amplo deste processo que passa pelo Congresso Nacional e outros atores políticos.

Não foi isso que aconteceu. Quando o projeto do Dr. Janot foi emendado na câmara o procurador investiu contra o sistema político mostrando tudo de problemático que existe quando uma instituição contra-majoritária quer se tornar majoritária. O Dr. Janot não aceita que o seu projeto seja emendado em temas que são polêmicos, o que é absolutamente normal no funcionamento do sistema político. Tomando as dores do MP e parte do judiciário, um ministro do STF anulou a votação na Câmara. Assim, terminamos 2016 como uma terceira fonte de incerteza: já não sabemos mais se um projeto aprovado na câmara deve seguir para o Senado ou se ele pode voltar a câmara através de liminar de ministro do STF. Essa foi a contribuição dos doutores Janot e Fux à balbúrdia institucional que se instalou no país.

Podemos resumir o dilema brasileiro da seguinte forma: em 2016 o mercado se aliou a setores oligárquicos do sistema político em um pacto de curto prazo para produzir reformas que ele julgou desejáveis. É verdade que o mercado conseguiu a sua agenda de curto prazo com a aprovação da PEC-241. Mas descobriu que ao desconsiderar os elementos de incerteza que a remoção da presidente geraria, ele criou no longo prazo incertezas ainda mais fortes. A lição que cabe tirar para 2017: apenas a democracia com eleições diretas para presidente produz a credibilidade que os agentes econômicos necessitam. Não há nenhum atalho possível nessa jornada.
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Leonardo Avritzer é professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG, coordenador do Projeto Democracia Participativa (Prodep)

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