sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Morte de relator da Lava-Jato atrasará delação da Odebrecht

Queda de avião em Paraty mata Teori, ministro do STF | Associação de juízes diz que investigação é imprescindível | Tragédia abre debate sobre escolha de novo responsável pelo caso

A morte do ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, deve provocar atrasos no processo, especialmente nas delações da Odebrecht. Aos 68 anos, Teori foi vítima da queda de um bimotor em Paraty, acidente que também matou o dono do avião e do grupo Emiliano, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, e mais três pessoas. O desastre já abriu debate sobre o sucessor no STF e a escolha do novo relator da Lava-Jato. Em caso de morte, o regimento do Supremo prevê que os processos sejam repassados ao substituto na Corte, indicação que cabe ao presidente Michel Temer, citado nas investigações. Mas o regimento também estabelece que, “em caráter excepcional”, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, pode sortear o processo para outro ministro. Associações de juízes afirmaram que uma investigação rigorosa é imprescindível. Para o juiz Sérgio Moro, sem Teori não teria havido a Lava-Jato. Queda de bimotor, que deixou outros quatro mortos, terá impacto direto na Lava-Jato. PF investiga

DESASTRE SUPREMO

• Acidente aéreo mata Teori Zavascki

Sérgio Roxo*, MARIANA Timoteo da Costa* , Eduardo Bresciani e Vera Araújo | O Globo

-PARATY, BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Um desastre aéreo, no início da tarde de ontem, em Paraty, no litoral Sul do Rio, matou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, de 68 anos, relator da operação Lava-Jato no tribunal. Outras quatro pessoas também morreram no acidente com o bimotor que partiu de São Paulo. A tragédia terá impacto direto sobre o andamento das investigações que apuram o envolvimento de políticos com mandato, como deputados e senadores, além de ministros, no esquema de corrupção da Petrobras. A Aeronáutica e a Polícia Federal investigam a queda.

O bimotor de prefixo PR-SOM decolou do aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, por volta das 13h, e tinha Paraty como destino. Antes das 14h, porém, a aeronave caiu no mar próximo a Ilha Rasa, em condições climáticas desfavoráveis e com pouquíssima visibilidade, de acordo com o relato de testemunhas. O aviso ao sistema de controle aéreo foi distribuído às 14h20. De acordo com a Aeronáutica, três corpos ainda estavam dentro do equipamento na noite de ontem. Outras duas pessoas estavam desaparecidas. As buscas forma interrompidas à noite para a chegada de peritos de Brasília.

— Ele (o avião) estava a mil metros da cabeceira da pista. Minha esposa chegou a dizer: esse avião vai cair! O avião estolou (perdeu sustentação) e caiu. Nós presenciamos a manobra e a queda. A visibilidade era zero. Ele (piloto) fez a curva muito inclinado. A gente teve a sensação de que ele iria cair. Ele forçou demais a manobra de retornar. Estava inclinado demais. Então, bateu com a asa direita no mar. A pancada levantou uma coluna da água de uns 50 metros — contou Lauro Koehler, que testemunhou a queda, a cerca de 200 metros da Ilha Rasa.

Filho de Teori, Francisco Zavascki confirmou a morte do pai em uma rede social no final da tarde. Também foram identificados Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, de 69 anos, dono do grupo Emiliano, proprietário do avião, e o piloto Osmar Rodrigues, de 56 anos. Viúvo desde 2013, o ministro do STF deixa três filhos.

TESTEMUNHA ACOMPANHOU DRAMA DE VÍTIMA
No final da tarde, a Aeronáutica enviou uma primeira equipe para iniciar a investigação, que ficará a cargo do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Não há prazo para a conclusão da apuração. Já a Polícia Federal e o Ministério Público Federal instauraram inquéritos para apontar a responsabilidade pelo acidente. Uma equipe de policiais federais, especialista nesse tipo de investigação, já foi deslocada até Paraty.

O empresário Elias Ramos Lima, que estava de bote próximo ao local do acidente, relatou o drama de uma das passageiras, que sobreviveu ao impacto no mar, mas morreu afogada:

— Eu caí na água com meu funcionário pra ajudar no resgate. E tinha uma moça viva, na parte de trás do avião. Vi só a mão dela, se mexendo, batendo na janela do avião e gritando muito. A gente tentou quebrar a janela. Mas não conseguimos. Aí a gente começou a fazer furo na fuselagem para passar com a mangueira de oxigênio, para prolongar mais, para gente poder ajudar. Mas só que, quando a gente conseguiu acesso com a mangueira de oxigênio dentro do avião, ela não respondeu mais. Estou fedendo a querosene até agora. Não fui em casa ainda. Estou todo queimado de querosene — descreveu o empresário.

O barqueiro Roberto Santos, que trabalhava na região, disse que o socorro se aproximou rapidamente.

— O bombeiro chegou a falar para ela não gritar para poupar fôlego. Mas não resistiu e acabou morrendo. É muita tristeza — disse Santos.

MERGULHADORES DO RIO JÁ ATUMA NAS BUSCAS
Mergulhadores do Corpo de Bombeiros da Barra da Tijuca estão no local. Aeronautas que conhecem a região de Paraty explicaram que a aterrissagem é difícil, porque o aeroporto de lá não é preparado para voos com instrumento. Neste caso, o pouso tem que ser visual, o que obriga o piloto a olhar para frente ao mesmo tempo que controla a altitude pelos aparelhos. Tal situação provoca uma “desorientação espacial”, pois o piloto perde a noção da linha do horizonte.

Apesar de a legislação não exigir a presença de um copiloto para este tipo de avião bimotor, ela poderia ter ajudado a evitar o desastre:

— É sabido que o aeroporto tem condições restritas para pousos, o que acaba exigindo do piloto mais cuidado nas manobras. Não estamos dizendo que foi a causa, mas é uma das hipóteses. O tempo não estava bom. o piloto pode não ter tido a noção do que era água e céu. É uma situação comum com mar, lagoa e em regiões com neve. O aeronauta pode se confundir. A presença do copiloto pode evitar isso — disse Rodrigo Spader, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, que acompanha as investigações.

Fabricado pela Hawker Beechcraft, o avião King Air C90GT é um dos mais vendidos da categoria turboélice, sendo descrito como versátil, por permitir pouso em vários tipos de pista. A aeronave PR-SOM tinha capacidade para sete passageiros e foi comprada pelo grupo do hotel Emiliano em outubro de 2015.

(*) Enviados especiais

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