domingo, 22 de janeiro de 2017

Não é teoria da conspiração. É dúvida - Elio Gaspari

- O Globo

O advogado Francisco Zavascki, filho de Teori, tem toda razão: “Seria muito ruim para o país ter um ministro do Supremo assassinado”. Ele pede que se investigue o caso “a fundo” para saber “se foi acidente, ou não”. Não é só Zavascki quem levanta essa questão, ela está na cabeça de milhões de brasileiros. Nada a ver com teoria da conspiração, trata-se de dúvida mesmo. A linha que separa esses dois sentimentos é tênue, e a melhor maneira para se lidar com o problema é a investigação radical.

Um dos mais famosos assassinatos de todos os tempos, o do presidente John Kennedy, em 1963, foi investigado por uma comissão presidencial de sete notáveis que produziu um relatório de 888 páginas. Até hoje, metade dos americanos não acredita na sua conclusão, de que Lee Oswald, sozinho, deu os tiros que mataram o presidente. Mesmo assim, rebatê-la exige esforço e conhecimento.

O presidente Michel Temer poderia criar uma comissão presidencial para investigar a morte do ministro Teori. Desde o momento em que o avião caiu n’água, ocorreu pelo menos o desnecessário episódio da demora na identificação dos passageiros.

Pelos seus antecedentes e pelas circunstâncias, a tragédia de Paraty ficará como um dos grandes mistérios na galeria de mortes suspeitas da política brasileira.

Aqui vão os principais nomes dessa galeria, divididos em três grupos: o de alto, médio e baixo ceticismo.

Alto ceticismo:

O desastre automobilístico que matou Juscelino Kubitschek em 1976 não teve influência de estranhos à cena.

Médio ceticismo:

Em 2014 o jatinho de Eduardo Campos caiu porque houve um erro do piloto. Só isso. Tancredo Neves morreu em 1985 porque não se cuidou e foi tratado de forma incompetente e mentirosa, mas não houve ação criminosa. Em 1967 o aviãozinho em que viajava o marechal Castello Branco entrou inadvertidamente numa área em que voavam jatos da FAB, foi atingido por um deles e espatifou-se na caatinga. Nada além disso. Baixo ceticismo: Ulysses Guimarães voava nas cercanias de Paraty durante uma tempestade, e o helicóptero caiu n’água.

Jango sofreu seu último enfarte enquanto dormia em sua fazenda, na Argentina. Morreu porque era um cardiopata.

A classificação, subjetiva, é do signatário, que não crê em quaisquer versões revisionistas. Quem quiser pode mudá-la, ao próprio gosto.

A TEATRALIZAÇÃO DO USO DA TROPA
Só a proximidade do carnaval pode explicar o gesto espetacular e “ousado” de Michel Temer de quarta-feira, colocando as Forças Armadas na frigideira das penitenciárias estaduais. Segundo o próprio governo, os militares revistarão celas, mas não terão contato com os presos. Falta combinar com os detentos, para que eles deixem celulares, armas e drogas sobre as camas na hora dessa inspeção.

Desde 2014, quando o Exército foi usado para combater o crime na favela da Rocinha, as Forças Armadas têm sido mobilizadas em operações espetaculosas da marquetagem política. O grande palco desse teatro sempre foi o Rio de Janeiro. Ora ocupava-se a Rocinha como se fosse uma praia da Normandia, ora tomava-se a o Morro do Alemão, como se fosse Stalingrado. As duas comunidades estão na mesma, o teleférico do Alemão está parado desde outubro, e o ex-governador Sérgio Cabral está em Bangu 8 desde novembro.

O uso da tropa em questões de segurança pública funciona quando é pontual e ostensiva. Ela pode levar a paz às ruas de Natal, mas não resolverá o problema da segurança na cidade. A força militar não remedia problemas de comunidades ou penitenciárias onde o poder público capitulou. Como ensinava o general Leônidas Pires Gonçalves, “em quartel não há algemas”.

Admita-se que a ação das Forças Armadas irá além da alegoria. Suponha-se que o coronel comandante de regimento informa ao general que o diretor do presídio tem negócios com a bandidagem. O general informa ao ministro que há promiscuidade entre as quadrilhas e a cúpula da segurança do estado, e o ministro leva essas informações ao presidente. Em diversos presídios e estados isso pode ser feito em questão de horas, a partir da leitura dos jornais. Em outubro passado, quando a ministra Cármen Lúcia foi a Natal, os hierarcas locais disseramlhe que não deveria inspecionar a penitenciária de Alcaçuz, pois lá a situação estava “fora de controle.” Estava, e deu no que deu.

A teatralização da mobilização militar teve um dos seus momentos mais ridículos quando a presidente Dilma Rousseff anunciou que “nós estamos mobilizando, da parte do governo federal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, para nos ajudar nessa ação de prevenção ao vírus zika”. Ministros vestiram camisetas e saíram por aí procurando pneus abandonados. O então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que era acompanhado por uma patrulha do Exército, achou um numa rua de Brazlândia, a 50 quilômetros de Brasília. Era teatro.

O ano de 2016 terminou com 1.638 casos de microcefalia produzidos pelo vírus transmitido pelo mosquito. Dilma foi embora, veio Temer prometendo um governo de “salvação nacional”, e o problema chama-se febre amarela.

TRUMP
Pode ter sido o frio, pode ter sido a transmissão, ou pode ser uma interpretação errada, mas o discurso de Donald Trump assustou até pessoas que estavam na esplanada de Washington para aplaudi-lo.

Como disse o companheiro Obama ao assumir, há oito anos: “Eleições têm consequências”.

CAMINHANDO
Um incauto estava num dia de sol em Miami quando entrou no ponto da moda, o restaurante Seaspice, com seu enorme cais, bípedes lindos e comida divina. Estranhou a música e achou que a esquerda-chique tivesse fugido do Brasil. Em ritmo disco, tocava-se “Caminhando”, de Geraldo Vandré.

De fato, se quem sabe faz a hora e não espera acontecer, ir para Miami pode ser uma boa ideia.

TELEALCAÇUZ
Enquanto facções do andar de baixo brigam nos presídios, as do andar de cima desentendem-se em torno da carniça da Oi, a maior operadora de telefones fixos do país, quebrada, com um espeto de R$ 65,4 milhões.

A situação da operadora está fora de controle há anos, e até agora ainda não apareceu um candidato disposto a ficar com ela a partir de critérios empresariais. Na gíria do mercado, o que se disputa é “o rolo”.

Levando no gogó, o ministro Gilberto Kassab poderá criar a TeleAlcaçuz.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e confia no Plano Nacional de Segurança Pública porque ele criou a Comissão de Reforma do Sistema Penitenciário Nacional e implantará os Núcleos de Inteligência Policial, interligando os Centros Integrados de Comando e Controle Regionais.

Com isso, todos os problema estarão resolvidos, inclusive o do tédio de quem aguentou ler este texto até o fim.

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