terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Parece que foi ontem - José Márcio Camargo

- O Estado de S. Paulo

• Os anos 30 do século passado são uma boa pista do provável resultado da política de Trump

A saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e a vitória de Donald Trump com um programa fortemente protecionista indicam que o processo de globalização, um dos motores do crescimento da economia mundial nos últimos 70 anos, está em risco. A globalização teve um efeito devastador sobre a indústria dos países desenvolvidos. Com honrosas exceções, o setor foi quase totalmente transferido para o mundo emergente. E seus empregos, que formavam o núcleo da classe média nestes países, desapareceram (nos Estados Unidos, a proporção de empregos na indústria caiu de 20% para 8%). Criou-se o que podemos denominar uma “Apple Economy”. Uma economia com um número relativamente pequeno de postos de trabalho de altíssima qualidade, salários elevados, responsáveis pela inovação e o desenvolvimento de novos produtos e serviços, e um grande número de postos de trabalho com baixa qualificação, baixos salários, responsáveis pela comercialização desses bens. No meio, o vácuo!

O quase desaparecimento da classe média, um símbolo de bem-estar nos Estados Unidos e na Europa ocidental desde 1945, gerou forte reação. Demandas por proteção aos empregos e aos salários, sempre ameaçados pelos trabalhadores e imigrantes do mundo emergente, se tornaram o mantra deste grupo social e levaram às vitórias do Brexit e de Trump.

Pela primeira vez desde 1945, um presidente dos Estados Unidos é eleito com uma plataforma explicitamente protecionista e isolacionista. Além de prometer denunciar acordos comerciais supostamente desfavoráveis à economia americana (Nafta) e interromper negociações em andamento para novos acordos (TPP), o novo presidente está utilizando o poder do cargo para pressionar empresas a mudarem seus planos de investimento, com ameaças de retaliação.

O México não se sentiu forte o suficiente para reagir à decisão da Ford que, em resposta a pressões de Trump, resolveu transferir para Michigan um investimento planejado para ser realizado no México. Como reagirão outros parceiros comerciais do país, como China, Japão ou Alemanha? E como se comportarão as empresas, hoje muito mais ligadas ao comércio internacional? A BMW, em resposta a uma pressão semelhante de Trump, declarou que “as empresas americanas precisavam aprender a fazer carros melhores”.

As respostas a estas questões somente ficarão claras no futuro. Caso os países retaliem com aumento de tarifas, restrições às importações de produtos americanos e discriminação de empresas que decidam transferir seus investimentos para os Estados Unidos em razão de pressões discricionárias, discriminatórias e autoritárias do governo americano, o resultado será uma guerra comercial destrutiva, redução do fluxo de comércio, queda da produtividade, estagnação e, no limite, uma recessão mundial. As fábricas e os empregos industriais não vão voltar para os Estados Unidos. Os anos 30 do século passado são uma boa pista do provável resultado desta política. Parece que foi ontem. Mas, infelizmente, pode ser amanhã.

Apesar disso, essa política poderá criar uma janela de oportunidades para o Brasil. O País, ao longo das últimas décadas, se excluiu de acordos bilaterais e diminuiu sua participação no comércio internacional. Acordos bilaterais geram desvios de comércio que favorecem os países parceiros, em detrimento de não participantes. Com a denúncia destes acordos, o Brasil poderá se cacifar para aumentar seu comércio com os Estados Unidos e com os países que se verão órfãos dos acordos denunciados. Mas, para tal, a política comercial brasileira terá de passar por uma profunda mudança.
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*É professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos

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