terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Pesadelo americano – Editorial | Folha de S. Paulo

• Em três dias de governo, Trump já transformou em atos várias promessas de campanha que implicam retrocessos lamentáveis

O governo dos Estados Unidos tem a capacidade de demarcar as relações econômicas internacionais e de regular a tensão política e militar do planeta. O desempenho do presidente, por si só, costuma inspirar programas e líderes mundo afora. É medonho, portanto, que tal poder de influência esteja nas mãos de Donald Trump.

Em um final de semana, o novo morador da Casa Branca renovou suas promessas de lançar o comércio mundial no tumulto, ameaçando desde vizinhos e aliados antigos, como Canadá e México, até adversários ora transformados em quase inimigos, caso da China.

Trump não se dá o trabalho de vestir o figurino de presidente da democracia mais antiga e poderosa do mundo. Sem cerimônia, reafirma o personalismo salvacionista do candidato, que por sua vez jamais abandonara a vulgaridade ególatra do empresário bufão.

Seu desapreço pelas instituições é alarmante. A figura privada, uma estrela pop e populista patrioteira, conversa diretamente com o povo a ser salvo da ruína em que o republicano vê mergulhado seu país, vítima de carnificina, de lideranças totalmente inaptas e do esbulho de estrangeiros.

Em outra frente, seu governo mentiu sobre o tamanho do público presente à posse e chamou de "fatos alternativos" as informações falsas que propagou. Seria apenas um jogo de palavras risível se não constituísse inquietante passo além no hábito de Trump de reagir com chiliques nas redes sociais quando se sente contrariado.

Dada sua personalidade autoritária, não espanta, mas consterna, que o novo presidente dos EUA repudie os jornalistas, que inclui "entre os seres humanos mais desonestos da Terra". Além de fazer uma generalização grosseira, Trump ataca um antigo e reconhecido pilar da república americana.

Quanto a políticas públicas domésticas, afirmou o desmonte do plano de acesso a assistência médica aprovado por Barack Obama, mas não ofereceu alternativa para a saúde dos americanos mais pobres.

De concreto, ademais, renegou a Parceria Transpacífico, acordo de livre-comércio firmado, mas ainda não ratificado, com 11 países da Ásia e da América do Sul. Alertou, em tom próximo ao da chantagem, que quer reparações para manter transações com Canadá e México.

Tal viravolta custará caro a consumidores e empresas. Abalará a confiança na diplomacia do comércio mundial, que se tornava mais aberto nas últimas sete décadas –sob inspiração americana, aliás.

Tudo isso em três dias. Otimistas dizem que o republicano haverá de ser contido por membros menos irresponsáveis do governo ou por pressões da opinião pública. A lista de promessas renovadas, todavia, contém retrocessos nos direitos civis e a denúncia de acordos do clima e de pactos militares.

Em 1933, em sua posse, Franklin D. Roosevelt, o presidente mais longevo da história dos EUA, afirmou que não havia nada a temer além do próprio medo. Ele não conhecia Donald Trump, a quem os americanos concederam um mandato de quatro anos que mal começou.

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