quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Rio de Janeiro vai cortar salário e jornada - Cristiano Romero

- Valor Econômico

• Estado do Rio foi o que mais aumentou gasto com pessoal

No pacote de medidas que o Ministério da Fazenda negocia com o governo do Rio de Janeiro consta a redução da jornada de trabalho e dos salários dos funcionários públicos estaduais. Os gastos com pessoal ativo e aposentados consomem atualmente 90% da receita corrente líquida do Estado.

Entre 2009 e 2015, realizou-se uma verdadeira farra dos salários nos governos estaduais. Dados do Tesouro Nacional mostram que a mediana do crescimento real dos gastos com pessoal, no conjunto dos 26 Estados e o Distrito Federal, foi 39,5%. O Rio de Janeiro está no extremo dessa conta: no período, foi o que mais aumentou, em termos reais, essa despesa - 70%!

Luiz Fernando Pezão (PMDB), governador fluminense eleito em 2014, não tem o direito de reclamar. Ele foi quem mais elevou a despesa com pessoal depois de assumir o cargo em 2015: 20% em termos reais. Governado pelo petista Fernando Pimentel, o Estado de Minas Gerais, também virtualmente quebrado, foi no mesmo caminho ao aumentar o gasto com funcionários em pouco menos de 20%, em termos reais, em 2015.

Note-se que essa irresponsabilidade com o dinheiro público foi cometida já em meio à terrível crise econômica pela qual o país atravessa. Isso mostra que ainda falta institucionalidade a uma área vital da economia brasileira: o controle das finanças públicas.

Como não podem demitir, os atuais governadores serão obrigados a cortar cargos comissionados, dispensar servidores não concursados e reduzir salário e jornada dos concursados. Numa situação como essa, o ideal seria ter à mão a possibilidade da demissão, mas a Constituição assegura aos funcionários públicos estabilidade - na verdade, a demissão é possível, mas as condições para tanto praticamente a inviabilizam.

O atual governo entende que, em caso de calamidade financeira, o corte de salário e jornada é possível e, no caso de Estados como o Rio de Janeiro, necessária. Uma vez adotada, a flexibilização das regras servirá para todos os entes da federação e não apenas para o Rio. Provavelmente, poderá ser usada apenas em períodos como o atual, de crise fiscal aguda.
Outra decisão que constará do acordo com o governo fluminense será a elevação da contribuição previdenciária dos funcionários públicos, fixada hoje em 11% do salário bruto. Além de confirmar essas medidas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, informou ao titular desta coluna que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) não será federalizada.

O compromisso que o governo fluminense assumirá com a União, dentro do acordo de recuperação fiscal que está sendo negociado, é privatizar a empresa. O processo de venda da Cedae ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O governo estadual acredita que possa levantar R$ 5 bilhões com o negócio. A privatização é uma das contrapartidas exigidas pelo governo federal no processo de recuperação fiscal. Há outras exigências.

Pelo acordo, o Estado do Rio ficará alguns anos - possivelmente, três ou até cinco - sem pagar os juros da dívida com a União e outras instituições federais. O governo estadual desembolsa anualmente algo entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões para honrar o serviço da dívida. Com o acerto, o pagamento de todas as dívidas com o setor público será suspenso.

O governo do Rio opera hoje com um déficit anual de R$ 19 bilhões. A principal fonte de receita do Estado - os royalties da produção de petróleo - está comprometida até 2022 porque o governo antecipou essa receita nos últimos anos junto a investidores estrangeiros.

O ministro Henrique Meirelles informou que pretende concluir hoje a negociação dos termos do acordo com o Rio. Os próximos passos serão obter a aprovação do presidente Michel Temer e a homologação do acerto no Supremo Tribunal Federal (STF). "Vamos submeter o acerto ao Supremo para ter segurança jurídica e evitar contestações adiante", comentou Meirelles.

A participação do STF é fundamental. Em entrevista a Zínia Baeta e Adriana Aguiar, da Editoria de Legislação do Valor, Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da USP, disse que a possibilidade de redução dos vencimentos é polêmica porque o inciso XV do artigo 37 da Constituição assegura a irredutibilidade dos salários aos funcionários públicos, a não ser em casos excepcionais. Como o Estado do Rio decretou calamidade financeira, essa pode ser considerada uma situação excepcional. "Mas, provavelmente, os servidores públicos questionariam a redução de vencimentos na Justiça com a alegação de que isso contraria a Constituição de 1988, a depender do texto da lei do Estado do Rio", observou Oliveira.

Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da FGV-SP, explicou que dispositivo do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que possibilita a redução temporária da jornada de trabalho e de vencimentos, foi julgado inconstitucional, pelo STF, em 2007. De acordo com ele, para colocar em prática um plano de redução de jornada e salários seria necessário que o Supremo voltasse atrás naquela decisão, concedida por meio de liminar.

A crise fiscal dos Estados também faz parte da herança maldita do governo Dilma Rousseff. Em 2013, já percebendo que a Nova Matriz Econômica, que prometeu aos incautos derrubar os juros na marra, desvalorizar a taxa de câmbio para estimular as exportações e usar o Estado como indutor do crescimento, não estava dando certo, Dilma e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, decidiram liberar os governos estaduais do cumprimento da meta de superávit primário.

A esperança era que, sem as amarras da União e com mais dinheiro em caixa, os governadores aumentassem os investimentos, ajudando a movimentar a economia. Os investimentos, de fato, cresceram, mas não a ponto de evitar a tragédia vivida pela nação desde 2014. O que se viu naqueles dois anos e também em 2015 foi o vertiginoso aumento das despesas dos Estados com pessoal.

O exemplo que eles tinham, de fato, não era bom. Em 2009, ano em que o Brasil passou por uma rápida recessão em decorrência da crise financeira mundial, o governo Lula achou por bem turbinar os reajustes salariais do funcionalismo público federal, alegando tratar-se de uma política anticíclica para ajudar a tirar o país da crise...

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