sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Rio, no fundo - Míriam Leitão

- O Globo

Os dois poderiam ter sido a renovação do Rio. Sérgio Cabral chegou ao governo do estado aos 43 anos, com uma carreira política que começou aos 27 e um discurso de moralidade na política. Eike Batista foi considerado pela “Forbes” o homem mais rico do Brasil e o sétimo do mundo. Agora, Cabral está preso, Eike está foragido, e o Rio, quebrado, assinou ontem um termo de compromisso para seu resgate.

Sérgio Cabral iniciou sua administração no Rio, em 2007, com uma nova política de segurança que ocupou favelas, enfrentou o tráfico, e derrubou muros na cidade. Na educação, conseguiu um salto impressionante. O Rio saiu do 26º para o 4º lugar do Ideb. Poderia ter sido o que fingiu ser: um político jovem, com novos valores, capacidade administrativa. Ontem se soube que quando ele chegou ao governo do estado já tinha escondido, quatro anos antes, sua conta no exterior, entregando-a a um operador. Sua carreira na ilegalidade é anterior à sua chegada ao Palácio Guanabara.

O empresário Eike Batista fingia ser o grande empreendedor de estilo agressivo que entrava em várias áreas buscando a liderança. Sempre teve métodos heterodoxos e ficou perto demais do estado para se acreditar que ele seria a modernização do capitalismo brasileiro. Mas muita gente se deixou enganar.

Quando Eike Batista se adiantou e procurou o Ministério Público Federal em Curitiba parecia que ele seria mais esperto do que outros. Em vez de negar, estava admitindo o que o MP ainda nem sabia: pagamento de contas de campanha da presidente Dilma, para atender pedido do ex-ministro Guido Mantega, e transferência ilegal para os marqueteiros de Dilma. Afirmava que era tudo o que sabia. Só que não. Ontem a Operação Eficiência avançou um pouco sobre o que ele não contou: as suas relações perigosas com o governador Sérgio Cabral.

— Eike Batista tenta escamotear a verdade — disse o procurador José Augusto Vagos ao explicar o que fundamenta o pedido de prisão.

É emblemático que o Rio tenha assinado o termo do seu salvamento financeiro no mesmo dia em que o MP, a Polícia Federal e a Receita Federal deixaram expostos os novos e estarrecedores fatos sobre o esquema que levou pelo menos US$ 100 milhões para contas de Sérgio Cabral e dois dos seus assessores próximos.

Os delatores entraram em detalhes e mostraram como foi criada a rotina que funcionou durante quase década e meia para transferir dinheiro de origem ilícita para contas controladas por Cabral no exterior. Um dos procuradores disse que esses US$ 100 milhões já repatriados são apenas uma parte do “oceano” que pode ser a corrupção no estado.

E o Rio assinou ontem um termo de compromisso com o governo federal para conseguir um alívio de três anos no pagamento de suas dívidas. Tem ainda um longo caminho pela frente: a Fazenda terá que enviar um projeto de lei ao Congresso que permite que estados, na situação do Rio, possam descumprir temporariamente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, o Rio poderá voltar a tomar empréstimos.

Será preciso o Congresso aprovar a lei, e a Assembleia do Rio votar as medidas do ajuste para que, então, o acordo tenha validade. A União desistiu de ir ao STF para conseguir uma liminar que antecipe a vigência da medida. Caberá ao estado do Rio fazer isso, ou não.

O Rio terá que cortar cerca de R$ 9 bilhões de despesas e elevar receitas em R$ 1,2 bilhão. Poderá haver aumento de ICMS e também da alíquota de contribuição de servidores para a Previdência, de 11% para 14%, além de uma alíquota temporária de 8%. Voltou ao projeto a boa ideia de criação de um fundo com a contribuição obrigatória de empresas que receberam subsídios fiscais do estado. A Cedae será privatizada.

O governador Luiz Fernando Pezão disse que o Rio sofreu “com a maldição do petróleo”, porque os preços do produto caíram no mercado internacional e isso afetou as finanças do governo. Essa maldição é conhecida e poderia ter sido evitada com boa administração. Todos sabem que a receita do petróleo oscila.

No Rio, ontem, soube-se um pouco mais do esquema de lavagem de dinheiro do ex-governador, o empresário Eike Batista teve sua prisão preventiva decretada, e o governo do estado fechou um acordo para sair do fundo do poço.

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