domingo, 12 de fevereiro de 2017

A separação - Míriam Leitão

- O Globo

Economia e política vivem momento de divórcio. Há um divórcio entre economia e política. A economia começa a dar sinais de melhoras cada vez mais consistentes; a política se afunda em crises e decisões ruins. Na semana passada, o Senado encheu a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de investigados, um ministro ficou numa guerra judicial, a Câmara tentou reduzir poderes da Justiça Eleitoral.

Empresários têm ido falar com o ministro Henrique Meirelles e outros integrantes da equipe para contar que a crise ainda é grave, mas existem sinais de melhora. Os indicadores antecedentes mostram isso, e o ministro, como contou ontem este jornal, já acredita que o PIB do primeiro trimestre pode ser positivo. A recuperação não será rápida porque a crise foi longa e funda demais, mas já há sinais positivos. Semana passada, o ministro da Fazenda ouviu de um investidor estrangeiro que, na sua avaliação, a crise política acabará levando mais rapidamente à aprovação das reformas. Pode ser, mas o mais provável é que a confusão política paire sobre a economia reduzindo o ímpeto da retomada.

Na política, houve dias da semana passada em que tudo parecia de pernas para o ar. O PMDB decidiu liderar o bombardeio ao necessário e oportuno esforço do país contra a corrupção. Ele não está sozinho, tem diversos aliados, silenciosos ou não, mas o que o país tem visto é mesmo um contra-ataque do sistema que resiste à mudança simbolizada pela Operação Lava-Jato.

Os políticos querem tirar do TSE a prerrogativa de punir os partidos que não prestarem contas à Justiça Eleitoral ou que tenham suas contas rejeitadas. Essa ideia esdrúxula avançou na semana passada na Câmara. O projeto não foi aprovado, ainda, mas já tramita em regime de urgência. O objetivo desse projeto a esta altura é transparente.

A escolha do ex-ministro Edson Lobão para a Comissão de Constituição e Justiça foi outra ação com o objetivo explícito. Ele responde a quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Não é apenas uma pessoa ocasionalmente citada em um depoimento. Foram abertos inquéritos. Ele está sendo investigado pelo tribunal e tem o poder de comandar a sabatina de ministros desse tribunal. Aliás, Lobão será acompanhado na CCJ por uma dezena de companheiros, todos investigados como ele.

A indicação do ministro Alexandre Moraes para o Supremo provocou controvérsias. O problema nem são suas qualidades como jurista, mas o fato de que ele é ministro de um governo que tem vários integrantes que podem vir a ser julgados pelo tribunal do qual Moraes irá fazer parte. O presidente Temer sabia que teria um desgaste ao escolhê-lo, e resolveu pagar o preço. Ouviu críticas, mas mais do que isso espalhouse a impressão de que ele foi indicado para o STF com a tarefa de aliviar para os réus da Lava-Jato. Mesmo se ele absolver alguém por convicção, seu voto será visto como parte do acordo para “estancar a sangria”.

A nomeação do ministro Moreira Franco provocou guerra judicial e colocou de novo o governo Temer no centro das críticas e da desconfiança. A estratégia de transformar o cargo de ministro em biombo para proteger pessoas da ação de juízes da primeira instância nem é nova, porque, como se sabe, foi tentada sem êxito para proteger o ex-presidente Lula.

Na economia, a queda foi dolorosa nos últimos dois anos, mas agora a inflação está em queda forte, os juros estão sendo derrubados, os índices de confiança voltaram a subir e há uma expectativa de que os próximos números do PIB sejam ligeiramente positivos. A agricultura está colhendo uma safra 20% maior numa área apenas 4,9% mais extensa.

A dívida pública permanece subindo porque o déficit público tem sido crescente nos últimos anos. O desemprego continua alto. Mas o país está no momento em que indicadores começam a injetar otimismo. Investidores começam a olhar o longo prazo e a trazer a valor presente. Esse exercício mostra que se as reformas forem aprovadas, a dívida vai começar a cair no médio prazo. Essa queda da dívida ocorrerá no futuro, mas já faz efeitos no presente porque os investidores antecipam o cenário possível.

São boas notícias, mas é ilusão pensar que economia e política podem ficar apartados. A política em crise reduz o ímpeto de retomada de crescimento econômico.

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