quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Delcídio volta a dizer que tentou comprar silêncio de Cerveró por ordem de Lula

Ex-senador, um dos delatores da Operação Lava Jato, depôs na Justiça Federal em Brasília em ação penal contra o ex-presidente pela suposta trama para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás

Fábio Fabrini | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS, sem partido) reiterou nesta quarta-feira, 15, à Justiça acusações de sua delação premiada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em depoimento de cerca de três horas, prestado à 10.ª Vara Federal, em Brasília, ele disse ter sido uma ‘sandice’ procurar a família do pecuarista José Carlos Bumlai, supostamente a pedido de Lula, e pedir pagamentos com o objetivo de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, que considerava colaborar com a Lava Jato.

O interrogatório de Delcídio foi no âmbito de ação penal que avalia se Lula e outros seis réus, entre eles o próprio ex-senador, atuaram para obstruir as investigações da Lava Jato. O ex-congressista reiterou que numa reunião no Instituto Lula, em maio de 2015, na qual teria tratado com o ex-presidente a possibilidade de Cerveró comprometer Bumlai, seu amigo, numa eventual delação. Lula teria pedido, então, para ele ‘ver essa questão do Bumlai’.


Segundo Delcídio, a partir dessa ordem, foi montado um esquema por meio do qual a família de Bumlai pagou R$ 50 mil mensais de ajuda financeira a Cerveró. “Cometi a sandice de tomar essa atitude”, declarou.

Delcídio foi preso em novembro de 2015, depois que o filho do ex-diretor da Petrobrás, Bernardo Cerveró, o gravou numa conversa na qual revelava parte do plano para evitar a colaboração do pai e até financiar uma fuga dele para a Espanha. Depois disso, o ex-senador decidiu fazer sua própria delação e, então, implicou Lula.

Delcídio admitiu que, na suposta conversa ocorrida no Instituto Lula, só estavam presentes ele e o ex-presidente, não havendo testemunhas. “Tive muitas conversas solitárias com o presidente Lula”, explicou, acrescentando que muitas delas versavam sobre questões políticas, em geral.

Delcídio contou que as tratativas com a família de Cerveró começaram no início de 2015 e que seu objetivo era evitar que seu nome fosse citado pelo ex-diretor, já que recebera dinheiro proveniente do esquema da Petrobrás para quitar, por exemplo, dívidas de campanha.

Contudo, alegou o ex-senador, entre março e abril daquele ano, a imprensa divulgou informações sobre a delação de Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB na estatal, que já dava conta de sua participação nas ilegalidades. A partir daí, explicou, a estratégia de se blindar de acusações de Cerveró perdeu um pouco de sentido. “O Fernando Baiano abduziu a delação de Cerveró”, disse. Mesmo assim, acrescentou Delcídio, foi levado adiante o plano para evitar a colaboração de Cerveró, a mando de Lula.

Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), Bumlai obteve no Banco Schahin um empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões, cujo real objetivo era custear despesas do PT. Como o empréstimo não foi pago, a Petrobrás foi usada para compensar o grupo credor, firmando com a Schahin Engenharia contrato de R$ 1,6 bilhão para operar o navio-sonda Vitória 10.000 .

Questionado sobre o assunto, Delcídio declarou que a fraude era conhecida por parte do meio político e entre pessoas que ajudaram a viabilizá-la: “Essa história das sondas do José Carlos Bumlai até a torcida do Flamengo sabia”.

Delcídio também disse que, em meio à crise gerada pela Lava Jato, se reuniu com o ex-presidente no Instituto Lula em maio de 2015, juntamente com os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Renan Calheiros (PMDB-AL). O objetivo, segundo ele, seria formar um grupo de senadores para reagir às denúncias frequentes que surgiam na operação. Esse encontro é objeto de um inquérito em curso pelo MPF, que suspeita de que o episódio foi mais uma tentativa de atrapalhar investigações.

Delcídio, que era líder do governo à época, explicou que havia um grupo no PT mais preocupado com os impactos da Lava Jato para o partido e o governo, no qual se incluía Lula. Outro grupo, alinhado com a então presidente Dilma Rousseff, acreditava que a operação chegaria ao fim e parte dos quadros da legenda sairia dela fortalecida.
“Lamentavelmente, deu no que deu.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE LULA:
A defesa do ex-presidente Lula informou que as declarações de Delcídio do Amaral revelaram ‘de forma inequívoca’ que o ex-senador tinha ‘interesse próprio no processo de delação premiada de Nestor Cerveró’. “Delcídio Amaral admitiu que se sentiu ameaçado em conversas com familiares de Cerveró diante da possibilidade de o ex-diretor da Petrobras delatar supostos recebimentos de propina por ele, Delcidio, em contratos que a Petrobras firmou com a Alston e a GE, e, ainda, por supostas contribuições ilegais relativas à campanha de 2006 para o governo do Estado do Mato Grosso do Sul”, informa nota divulgada pelos advogados do ex-presidente.

A defesa ressaltou que Cerveró reconheceu em depoimento que as investidas de Delcídio tinham interesse de ‘dissuadi-lo de delatar o próprio Delcidio’ e que a advogada Alessi Brandão, que assessorou o ex-diretor da Petrobrás, confirmou o que foi dito pelo seu cliente, assim como Bernardo Cerveró.

A defesa de Lula alegou que Delcidio admitiu em seu interrogatório fazer uso recorrente de ‘bazofia’ (fanfarrice), “usando de afirmações que não correspondem à realidade”.

“É nesse contexto que entendemos ter ele atribuído ao ex-presidente Lula uma frase para que verificasse o que poderia ser feito para ajudar a família de José Carlos Bumlai. Essa afirmação, além de não comprovada, não configura qualquer tentativa de obstrução à justiça. 

Delcídio ainda admitiu não haver testemunha dessa narrativa”, sustenta a nota, acrescentando que “todos os demais depoimentos” colhidos na ação penal “colidem com a versão de Delcidio e deixaram claro que Lula jamais fez direta ou indiretamente qualquer intervenção no processo de delação premiada” de Cerveró.

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