sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Nuvens políticas – Merval Pereira

- O Globo

A política tem certos componentes aleatórios que, sem que se espere, formam novos cenários que podem favorecer um adversário ou prejudicar um aliado. É a confirmação daquela famosa frase atribuída ao ex-senador mineiro Magalhães Pinto: “Política é feito nuvem, você olha está de um jeito, mais tarde já está de outro.”

Nos últimos dias estamos vendo a cena política brasileira cheia de nuvens mutantes, reproduzindo diversas situações desse tipo. A mais recente é o depoimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como testemunha de defesa do também ex-presidente Lula.
E ele não se fez de rogado, seu depoimento, para decepção de muitos, como a advogada Janaína Paschoal, ajudou bastante Lula, e não poderia ser diferente. Não cabe a Fernando Henrique fazer proselitismo político quando está falando na posição de ex-presidente, tratando de questões institucionais relacionadas ao cargo que ambos exerceram.

Fazendo um depoimento sobre a normalidade de arranjar patrocínio para o seu instituto, ele naturalmente favorece o Instituto Lula. Quando se refere à guarda do acervo presidencial, que acaba se transformando em um ônus para um ex-presidente, Fernando Henrique esclarece que é preciso conseguir quem financie essa guarda, pois ela exige até mesmo um ambiente climatizado para a preservação de documentos.

Agora caberá ao juiz Sérgio Moro analisar se o acervo de Lula que estava sob a guarda da transportadora Granero, por pagamento da empreiteira OAS, obedecia às normas legais devidamente oficializadas, ou se o acerto informal correspondia a alguma contrapartida. As delações premiadas da OAS, que estão sendo negociadas com o Ministério Público, poderão esclarecer a natureza dessa guarda.

Fernando Henrique, ao dizer que um presidente não pode saber de tudo o que se passa no governo, ajudou Lula. Mas, sobretudo, ajudou-se preventivamente contra acusações de adversários políticos.

Outra coincidência interessante é o caso do ministro sub judice Moreira Franco, que está sendo questionado por diversos partidos políticos, inclusive o PT, por ter sido nomeado presumivelmente para ser protegido pelo foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.

Se comparam seu caso com o do ex-presidente Lula e querem que Moreira seja impedido de assumir o ministério por “desvio de finalidade”, os partidos de oposição estão admitindo que a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes de impedir a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil por Dilma foi correta.

Ao contrário, a defesa do ex-presidente entrou com uma ação no STF pedindo que seja reparado um possível “erro histórico” no impedimento de Lula de assumir um ministério. Nesse caso, é a própria defesa de Lula que diz que a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um ato regular. E barrá-lo seria um “erro histórico”.

Por fim, a coincidência mais dramática foi a revelação de que o ex-deputado Eduardo Cunha tem um aneurisma “semelhante ao de dona Marisa”, como ele mesmo fez questão de frisar no depoimento ao juiz Sérgio Moro. Não é possível para nós, leigos, saber se o aneurisma de Cunha é igual ao que vitimou dona Marisa, mas fica evidente que o ex-presidente da Câmara aproveitou a ocasião para tentar ir para a prisão domiciliar, fazer o tratamento que desde 2005 estava prescrito e ele recusou.

Não deixa de ser cruel que o presidente da Câmara que comandou o processo de impeachment da presidente Dilma, o vilão identificado pelo PT como responsável pela derrota política do partido, se aproveite da situação para tentar sair da prisão.

Alas radicais do petismo politizaram a morte de dona Marisa acusando o juiz Sérgio Moro de ser o responsável por ela. Até mesmo o ex-presidente Lula usou o velório da mulher para atacar, sem citar diretamente, o juiz Moro e os procuradores de Curitiba: “Marisa morreu triste porque a canalhice, a leviandade e a maldade que fizeram com ela... Quero provar que os facínoras que levantaram leviandades contra ela tenham um dia a humildade de pedir desculpas”.

Como criticar agora o algoz do PT, que se utiliza desses mesmos argumentos para tentar escapar da cadeia? Não cabe a FH fazer proselitismo político quando está falando na posição de ex-presidente Ao depor sobre a normalidade de arranjar patrocínio para o seu instituto, ele favoreceu Lula Caberá ao juiz Sérgio Moro analisar se o acervo de Lula obedecia às normas legais devidamente oficializadas

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