terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O tormento do Rio - Míriam Leitão

- O Globo

Rio não consegue encurtar o caminho do acordo. O ministro Luiz Fux disse que faltava “juridicidade”, não concedeu a liminar ao Rio nem a negou. Repetiu a fórmula usada na crise da dívida dos estados e agora os governos federal e do Rio têm 30 dias para aprovar os termos do acordo no legislativo. Difícil. De um lado, o Congresso terá que mudar, nesse tempo, a Lei de Responsabilidade Fiscal; de outro, a Assembleia do Rio terá que aprovar projetos polêmicos.

Nada é simples, nada se resolve em 30 dias. O governador Luiz Fernando Pezão estava tentando conseguir no STF uma antecipação de parte do acordo para que ele pudesse levantar um empréstimo e assim acertar as contas com os funcionários. O Rio deve aos servidores parcelas atrasadas dos salários. O empréstimo total para pôr a folha em dia seria de R$ 3,5 bilhões, segundo me confirmou ontem o governador.

Esse é um objetivo mais do que meritório, mas o problema é que o Rio não pode tomar mais empréstimos porque estourou o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por isso, a Procuradoria-Geral da República ficou contra e falou em “heterodoxia”. O TCU, a AGU, o Tesouro também discordaram. O Banco do Brasil e a Caixa, que emprestariam os recursos, disseram que têm medo de não receber de volta. O Ministério da Fazenda acha que o Rio está querendo antecipar apenas o bônus do acordo com o Tesouro e não as contrapartidas. Pezão discorda dessa avaliação.

— Estou colocando as ações da Cedae como garantia do empréstimo e vamos privatizar a companhia. Vamos para o voto. O Tesouro não corre riscos — disse o governador ontem no meio do dia. De tarde, a Alerj adiou mais uma vez a votação do projeto de privatização da companhia.

A situação do Rio é dramática, mas a solução que se busca é uma engenharia de difícil realização. Será preciso aprovar no Congresso a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal para os casos de estados em colapso financeiro, uma espécie de lei de falência para os entes federados. Nesse regime especial, o estado tem que cumprir uma série de compromissos, passa a ser monitorado — da mesma forma que os países endividados são fiscalizados pelo FMI —, mas tem como vantagem a suspensão temporária do pagamento das dívidas e pode pegar novos créditos.

O governador Pezão acha que os bancos que emprestarem não correm risco porque ele estará dando uma garantia real: as ações da Cedae. A ideia dele é, depois de privatizado, quitar o empréstimo.

Entre as várias medidas que o governo do Rio tenta aprovar está a polêmica cota extra de contribuição do funcionário para a previdência. Além de aumentar de 11% para 14% o que o servidor recolhe, haverá mais uma taxa de 8% sobre o salário durante três anos. Prorrogáveis por mais três. Isso significa na prática dobrar a contribuição atual do servidor do Rio. Na primeira vez, essa proposta de cota extra foi rejeitada. Ela volta agora um pouco menor, mas ainda muito pesada.

A privatização da Cedae tem a oposição feroz apenas de movimentos corporativos, mas, como se viu nas últimas manifestações, bem belicosos. Há uma série de outras medidas bem controversas e que terão dificuldade de passar. Ao todo, o governo terá que cortar R$ 9 bilhões e elevar impostos para ter mais R$ 1,2 bi de receita. Deixará de pagar, no período do acordo, R$ 6,2 bilhões de dívidas. O governo do Rio quer colocar logo os salários em dia, principalmente dos PMs, porque teme um movimento como o do Espírito Santo.

Por isso é que entrou com a “Ação Civil Originária” pedindo a antecipação da vigência dessa possibilidade de suspender os pagamentos da dívida ao governo federal e contrair um novo empréstimo junto ao Banco do Brasil para pagar os funcionários.

O Rio vive um tormento que parece interminável. Não é o único, é apenas o primeiro a pedir esse socorro. Ele só pode ser dado se o governo estadual se dispuser a organizar as contas para que ao fim do período de reestruturação, em três anos, seja possível voltar à normalidade. O que aconteceu ontem foi que o Rio tentou encurtar o caminho pedindo ao STF uma liminar, e tudo o que o ministro Luiz Fux fez foi dar um prazo, quase inexequível, para aprovar uma nova lei no Congresso e todo o ajuste na Alerj. Ainda não há luz no fim desse túnel.

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