terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Os Brumários - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O fortalecimento de Jair Bolsonaro é o sinal de que uma onda reacionária pode crescer à sombra da desordem, da recessão e do desemprego

A Revolução Francesa (1789-1899) foi encerrada com um golpe de estado de Napoleão, intitulado Dezoito Brumário, depois de 10 anos de um processo político que tragou seus líderes. Com a derrota da velha aristocracia e do poder feudal, a burguesia francesa inicia um período de expansão no qual o nacionalismo serviu de base para a formação de um grande exército e para a construção de um império. Napoleão era um gênio militar e avançou por toda a Europa, de Portugal, cuja família real teve que se transferir para o Brasil, até Moscou, que encontrou deserta, mas cuja conquista foi uma ambição fatal. Mas essa é uma outra longa história.

Vamos falar do Dezoito Brumário de Luís Napoleão, o sobrinho de Napoleão, em 1848, objeto da uma grande reportagem política de Karl Marx, publicada em 1852, na revista Die Revolution, de Hamburgo. Obra essencialmente política, descreve o “regime bonapartista”, o “transformismo” dos partidos, o “cretinismo parlamentar” e como as elites francesas foram deslocando progressivamente seu apoio das forças socialistas e liberais para as mais conservadoras, até restaurar a monarquia. A França havia promulgado uma nova Constituição; Luis Bonaparte venceu as eleições e governou por quatro anos. Às vésperas da eleição, deu um golpe de Estado para se manter no poder (seu próprio Dezoito Brumário). A população apoiou a restauração conservadora. Ocorre que a emergência do capitalismo já era irreversível, daí a frase famosa: “A história se repete, a primeira vez como farsa, a segunda como tragédia”.

Marx resumiu assim a perplexidade política com aqueles acontecimentos no “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”: “Não é suficiente dizer, como fazem os franceses, que a Nação fora tomada de surpresa. Não se perdoa a uma Nação ou a uma mulher o momento de descuido em que o primeiro aventureiro que se apresenta as pode violar. O enigma não é solucionado por tais jogos de palavras; é apenas formulado de maneira diferente. Não se conseguiu explicar ainda como uma Nação de 36 milhões de habitantes pôde ser surpreendida e entregue sem resistência ao cativeiro por três cavalheiros de indústria”.

De repente, parece que o mundo está vivendo vários Dezoito Brumário (segundo mês do calendário republicano francês, compreendido entre os dias 22, 23 ou 24 de outubro e 20, 21 ou 22 de novembro, dependendo do ano). O mais significativo deles é a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O novo presidente norte-americano quer virar o mundo de pernas para o ar, mas toda a lógica de sua intervenção é fazer a roda da História andar para trás. Acontece que a globalização é um processo objetivo, será muito difícil para ele enquadrar as grandes empresas norte-americanas que lideram a revolução tecnológica mundial e reverter as mudanças na estrutura produtiva mundial e a nova divisão internacional do trabalho, ainda que tenha o apoio da indústria tradicional e da grande massa de trabalhadores desempregados. Se considerarmos a economia e as dimensões dos Estados Unidos, a chance de enveredar por uma linha de experimentalismo econômico e tudo acabar numa crise monumental não é pequena.

Farsa política
Mas tem muita gente pelo mundo que acredita que a globalização é apenas uma política imperialista. Os nacionalistas da Europa, por exemplo, que estão na ofensiva na Inglaterra, na França e em outros países. Uma certa esquerda no Brasil, curiosamente, se mantém em absoluto silêncio em relação a Trump, como que na torcida para que sua “nova matriz econômica” reabilite o desastre da política econômica anticíclica aqui no Brasil. É a mesma turma que tenta responsabilizar o governo Temer pela recessão e varre para debaixo do tapete o desastre que foi a manipulação da economia para eleger e reeleger a presidente Dilma Rousseff.

É aí que estamos próximos de viver uma espécie de Dezoito Brumário. Ora, dirão: “Já estamos nele”. Para fundamentar o argumento, a narrativa do golpe, o “Fora, Temer!” e “O Diretas, Já”. São, porém, palavras de ordem que servem para erguer um muro ideológico e maniqueísta, como o de Trump, para fugir à autocrítica, escamotear a verdade dos fatos e voltar ao poder. O resultado da atuação dessas forças, porém, ao contrário do que se possa imaginar, pode apontar para uma direção exatamente contrária. O fortalecimento de Jair Bolsonaro, o candidato de direita, é o sinal de que uma onda reacionária pode crescer como massa de bolo à sombra da desordem, da recessão e do desemprego.

O que se ensaia à sombra da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma grande farsa política, num momento em que a Operação Lava-Jato desnuda os mecanismos de acumulação de riqueza e desvio de recursos públicos por parte de um grande “cluster”, digamos assim, de empresários, políticos, executivos, lobistas e doleiros, que mandavam e desmandavam no seu governo. É verdade, o PT não fez nada sozinho; teve a cumplicidade de aliados e houve precedentes de parte de setores da antiga oposição. Mas o “transformismo” petista neutralizou toda e qualquer resistência política a isso no Congresso, exceto a dos mecanismos de controle do Estado e na Justiça federal.

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