segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Propinas rastreadas em 3 anos somam R$ 4 bi Propinas de R$ 4 bi

Em três anos de investigação, Lava-Jato desvendou valores pagos a políticos e servidores

Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt | O Globo

-SÃO PAULO- Propina distribuída no posto de gasolina, repassada na paróquia e até escondida na calcinha. Às vésperas de completar três anos no próximo dia 17, a Operação Lava-Jato rastreou pelo menos R$ 4,1 bilhões pagos a políticos, partidos e funcionários públicos — aponta levantamento do GLOBO. Desse total, R$ 577,8 milhões foram comprovados em ações já julgadas em primeira instância na Justiça Federal de Paraná e Rio. Outro R$ 1,7 bilhão faz parte de processos e investigações em andamento, sem sigilo judicial. Para fechar a conta, há mais R$ 1,9 bilhão reconhecido pela Odebrecht, que admitiu ser este o valor pago por subornos apenas no Brasil.

As investigações mostram que o esquema de corrupção abasteceu políticos e partidos de variados matizes e ideologias. Entre os já condenados, há nomes como José Dirceu e André Vargas, do PT; o ex-senador Gim Argello, à época do PTB; Pedro Corrêa, do PP, e Luiz Argôlo, que foi do PP e do SD. Em todos esses casos, a Lava-Jato conseguiu verificar de onde saiu o dinheiro e como foi recebido pelos beneficiários.

Argello, por exemplo, recebeu R$ 7,3 milhões de empreiteiras para que seus executivos não fossem convocados a depor na CPI da Petrobras. Ele pediu que a OAS doasse R$ 350 mil diretamente para uma igreja em Taguatinga (DF), que costumava lhe ajudar a conquistar votos. José Dirceu teve reformas de imóveis pagas com propina.

Pedro Corrêa recebeu dinheiro em espécie levado por portador do doleiro Alberto Youssef, por entregas feitas por um posto de gasolina em Brasília, o Posto da Torre, que deu origem ao nome Lava-Jato, por ter um sistema de lavagem de carros — e de dinheiro.

Ex-deputado do PP e depois do Solidariedade, Luiz Argôlo era frequentador assíduo do escritório de Youssef, que além de lhe entregar dinheiro adquiriu bens para o político. Youssef contou que teve de pagar até mesmo parte de um helicóptero que o então deputado comprou e não conseguiu quitar. O aparelho acabou sendo colocado em nome de uma das empresas do doleiro, a GFD.

Das propinas destinadas ao PT, já foram identificados pagamentos feitos ao marqueteiro João Santana e a quitação de um empréstimo de R$ 12 milhões feito em nome de um terceiro — o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do expresidente Lula e já condenado. Para ocultar o pagamento da dívida com propina, Bumlai simulou ter quitado o valor com sêmen de gado.

COMPRA DE BOLSAS E SAPATOS
Entre os investigados estão figuras importantes do PMDB, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, acusado de ter recebido US$ 5 milhões em contas no exterior. A mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, segundo a acusação, teria usado parte do dinheiro para comprar bolsas, sapatos e roupas em lojas de grife no exterior. O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso acusado de comandar um esquema de propinas que arrecadou mais de R$ 500 milhões, foi flagrado por receber dinheiro também na forma de joias para a ex-primeira-dama do estado Adriana Ancelmo, que está presa. Todos negam as acusações

As investigações não atingiram só os partidos da base de sustentação dos governos mais recentes como PT e PMDB. Há 15 anos longe do poder, tucanos também aparecem na operação. Uma gravação, que os acusados tentam anular por considerá-la ilegal, mostra o então senador e presidente do PSDB Sérgio Guerra, que morreu em 2014, num encontro que teria ocorrido em 2009 com o então diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o lobista Fernando Soares e representantes de empreiteiras. No encontro teria sido negociado o fim de investigações no Congresso. O tucano chegou a afirmar que tinha “horror a CPI”. O partido nega as acusações contra Guerra.

Apontado pelo MPF como chefe do esquema que distribuiu cargos e dividiu propinas em contratos da Petrobras em troca de apoio político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em ações que somam cerca de R$ 15 milhões, como a que envolve um tríplex no Guarujá (SP), o pagamento de armazenagem do acervo presidencial pela OAS e a compra de um prédio para o instituto que leva seu nome, além de um apartamento em São Bernardo do Campo pela Odebrecht. O ex-presidente nega todas as acusações. Sua defesa afirma que ele é vítima de lawfare — termo que define o uso do Direito para deslegitimar ou perseguir um inimigo.

O acordo feito pela Odebrecht, o maior do tipo realizado no Brasil e que envolve ainda mais dez países, só obteve êxito depois que a Lava-Jato descobriu detalhes de como funcionava o departamento de propinas da empresa e colheu dezenas de listas com codinomes.

Um dos delatores da operação, que trabalhou para a empreiteira, contou que o grupo havia comprado um banco em Antígua, no Caribe, que movimentou cerca de US$ 1,6 bilhão em mais de 40 contas. Apesar de ser formalmente instalado no Caribe, as operações do banco eram feitas em São Paulo.

ATÉ AGORA, 83 CONDENADOS
O rastreamento das propinas — o mais amplo que se tem notícia no país — tem como base principalmente colaborações premiadas. Sem informações como as do doleiro, que admitiu fazer repasses da Petrobras para o PP, ou a de Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras que entregou à Lava-Jato o nome de todos os operadores de propina da estatal, dificilmente as investigações seriam ágeis, avaliam procuradores da força-tarefa. Até agora, 83 pessoas foram condenadas em primeira instância. Os acordos de leniência permitiram que a Lava-Jato fosse desdobrada para outras obras, além da Petrobras.

É o caso das investigações sobre propinas pagas em obras da usina de Angra 3. Foi a Camargo Corrêa, primeira grande construtora a assinar acordo de leniência, que forneceu detalhes sobre as comissões ilícitas pagas, incluindo entre os recebedores o ex-presidente da Eletronuclear Othon Silva. Também partiram da empreiteira informações sobre desvios nas obras da Ferrovia NorteSul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que deram origem a operações da Polícia Federal em Goiás e Bahia.

As propinas pagas na construção da Usina de Belo Monte, de pelo menos R$ 150 milhões, são investigadas devido ao acordo de leniência da Andrade Gutierrez.

Até agora, 37 pessoas físicas tiveram seus acordos divulgados. Juntas, se comprometeram a devolver R$ 986,2 milhões, e suas informações originaram investigações ou consolidaram casos em curso. Nos acordos de leniência, empresas se comprometeram a pagar R$ 7,1 bilhões.

Muitos dos casos revelados seguem com investigações sigilosas — a maioria envolve pessoas com foro privilegiado. Segundo o MPF, se forem considerados multas, indenizações e recursos que eram mantidos no exterior, já foram recuperados R$ 10,1 bilhões. Há ainda R$ 3,2 bilhões em bens bloqueados à disposição da Justiça.

Em nota, o procurador da República Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa Lava-Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR), afirmou que os dados reforçam a importância da colaboração premiada e quanto ela é imprescindível para recuperação de recursos desviados. “Sem os acordos haveria necessidade de aguardar o trânsito em julgado de uma condenação, o que pode levar anos, com risco concreto de o processo ser cancelado pela demora, e os valores desviados devolvidos aos criminosos”, afirmou Mattos em nota.

A expectativa é que o rastreamento das propinas continue ainda que não faltem iniciativas no Legislativo para impedir os trabalhos da operação. No ano passado, parlamentares chegaram a articular a aprovação de uma proposta que anistiava o caixa 2 nas campanhas.

— O trabalho do MPF sempre foi muito técnico e acredito que o Supremo Tribunal Federal e a sociedade não irão aceitar tentativas inconstitucionais de impedir o andamento da apuração e punição dos responsáveis — afirmou Douglas Fischer, procurador da República.

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