terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Um governo do PMDB com certeza - Raymundo Costa

-Valor Econômico

• Governo sente-se mais fortalecido e perde a inibição

Lula está mal, a família está mal e só quem não conhece bem o ex-presidente passa adiante afirmações feitas por ele nos últimos dias, como a promessa de fazer política durante 24 horas, a partir de agora. Na realidade, Lula nunca fez outra coisa. Há menos de uma semana da morte de Marisa Letícia, no entanto, o ex-presidente é um homem devastado pela dor. "Ele está desestruturado", conta um amigo que não saiu de seu lado desde terça-feira, 24, quando Marisa foi internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O sofrimento de Lula serviu para o abraço de amigos há muito desavindos, caso de Fernando Henrique Cardoso, mas é improvável que tenha desdobramentos políticos em relação ao atual governo, como chegou a ser especulado. Ao receber a visita do presidente Michel Temer, Lula comentou alguma coisa sobre a impropriedade do momento para se fazer a reforma da Previdência, mas nada muito mais que isso. Muito menos prometeu ajudar o governo a aprovar as reformas. Não era o caso, nem o momento.

Uma conversa educada, em que Temer declarou solidariedade e disse que ligaria novamente, ao se despedir, ao que Lula obviamente respondeu "pode ligar". Não dá para apostar na abertura de diálogo governo-oposição a partir desta conversa, muito embora os interesses convergentes de ambos sejam bem maiores que os dois gostariam de reconhecer.

Passadas as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, onde elegeu seus aliados com folgada maioria, o governo parece se sentir fortalecido e menos inibido a agir em função de interesses os quais sempre disse não serem os seus. Já promoveu Moreira Franco de secretário do PPI a ministro, que era para ter sido ministro desde o início do governo Temer, mas nomeado agora parece uma sagração feita para lhe dar a proteção do foro privilegiado. Dos nomes mais próximos de Temer, Moreira era o único citado nas delações da Lava-Jato exposto a decisões da primeira instância da Justiça Federal.

Temer foi elogiado por deixar a escolha do substituto de Teori Zavascki no STF para depois de o tribunal definir a escolha de um novo relator para o processo da Lava-Jato. A indicação do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para o lugar de Teori, revela apenas a intenção do governo de se blindar politicamente às próximas etapas na Lava-Jato, aprofundando a presença do PSDB na Praça dos Três Poderes.

Ex-advogado do ex-deputado Eduardo Cunha, nome ligado ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e ministro da Justiça, Moraes é um político de estopim curto e visto como um nome de segunda linha, entre os próprios colegas, do Largo São Francisco. Enquanto aguardava a decisão do STF sobre o novo relator da Lava-Jato, Temer sugeriu que optaria por uma solução natural, indicando um ministro de tribunal superior. O PMDB quer mais ministérios, mas certamente o da Justiça não é o favorito. O aprofundamento da presença do PSDB vai além de Moraes - na reestruturação do governo ganhou também o Ministério dos Direitos Humanos, pasta extinta na passagem do governo do PT para o do PMDB, agora recriada e entregue aos tucanos. A dúvida é até onde vai a solidariedade do PSDB - ou de tucanos - quando a Lava-Jato fizer uma cabeça de ponte no núcleo do pemedebismo.

O sucesso ou fracasso da costura pemedebista ainda está por ser medido, mas o cerco a Lula foi desastroso. Temer telefonou para avisá-lo da visita. Até aí, tudo bem. A intenção de transformar a visita num fato político se configurou quando o presidente chegou acompanhado de José Sarney, ministros e parlamentares, que entraram pela porta da frente, onde se agrupavam militantes do PT. Claro que a tropa foi recebida aos gritos de "golpistas" e "Fora Temer".

Causou boa impressão no Sírio-Libanês a visita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Assim como Temer, FHC telefonou antes para avisar que iria. Entrou e saiu discretamente por uma porta lateral. As fotos dos amigos desavindos foram divulgadas pelo fotógrafo de Lula. Auxiliares de Temer alegam que não foi só uma visita de solidariedade do presidente, que declarou luto oficial de três dias, mas do governo.

O episódio, aliás, é citado como um bom exemplo da necessidade da reestruturação do Palácio do Planalto, pois mostra como é baixo o nível de organização palaciana, um dos motivos que justificaram a criação da Secretaria-Geral com o objetivo de dar mais funcionalidade e eficiência à operação política e administrativa da Presidência.

Ponto Odebrecht
Na cabine de honra do avião presidencial, cabem apenas quatro pessoas. Michel Temer, como presidente, tem cadeira cativa. Na viagem a São Paulo, para prestar solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocuparam as três outras cadeiras, na ida e na volta, José Sarney, Renan Calheiros e Eunício Oliveira. Justificativa: um é ex-presidente da República, outro o ex do Senado e Eunício, o atual presidente da Casa. Os ouvidos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do juiz Sergio Moro arderam a viagem toda - a Lava-Jato por pouco não põe tornozeleira eletrônica no primeiro e prende o segundo, que, por sinal, foi o sucessor de Sarney na presidência do Senado. O senador Eunício Oliveira, que sucede aos dois, por enquanto, é apenas citado pelo menos numa delação premiada.

Global
Um dos argumentos usados para justificar a recriação do Ministério dos Direitos Humanos requer algum contorcionismo do governo: a questão migrou da pauta ideológica para a pauta política. Um processo que se radicalizou nos últimos meses. Exemplo disso seria a situação dos refugiados Síria, que se agrava com o fechamento das portas dos EUA pelo governo Trump. O Brasil recebeu uma consulta sobre a disposição do país de recebê-los. O mais novo ministério avaliará a situação para instruir a resposta de Michel Temer.

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