sexta-feira, 17 de março de 2017

A reforma política - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A discussão da reforma política chega a cavalo por causa da Operação Lava-Jato. A credibilidade do Congresso foi à lona, mas somente o Parlamento tem legitimidade para fazer a reforma

O debate sobre a reforma política voltou ao centro das discussões no Congresso. Na Câmara, articula-se uma saída para o financiamento eleitoral, o voto em lista, mas cujo o verdadeiro objetivo é possibilitar aos deputados carbonizados pela Operação Lava-Jato disputar a eleição com alguma chance de sobrevivência; no Senado, cresce um movimento para acabar com o foro privilegiado, mas isso pode ampliar as possibilidades de prescrição das ações às quais respondem os políticos enrolados, que hoje têm uma única instância de julgamento.

Há uma espécie de salvemo-nos todos antes que ninguém se salve no Congresso. O desgaste dos políticos é tão grande que até mesmo os parlamentares que se consideram imaculados temem, sem trocadilho, uma derrota fragorosa nas urnas em 2018. A chamada lista do Janot, cujos nomes estão vazando gradativamente, pode resultar no maior expurgo político da história republicana, com a diferença de que ocorrerá em plena democracia, ao contrário do que ocorreu na Revolução de 1930 e com o golpe militar de 1964. Esse expurgo, aliás, já está em curso, por causa da Lei da Ficha Limpa, que alijou das disputas eleitorais milhares de políticos em todo o país.

O fim do sistema proporcional está na pauta. É uma fórmula adotada na Era Vargas. Seu ideólogo foi o político gaúcho Assis Brasil, que propôs o Código Eleitoral de 1932, no qual adotou-se o voto majoritário para senadores e governadores e o proporcional para vereadores, deputados estaduais e deputados federais. O sistema era “o mais singelo possível”, com objetivo de garantir representação para toda opinião com “extensão considerável” e “condições de perfeita estabilidade” para a maioria. Não se pode dizer que esses objetivos foram alcançados, seja por causa do golpe do Estado Novo, em 1937, seja em razão das sucessivas crises da Segunda República, que desaguaram no golpe militar de 1964. O direito das minorias nunca foi plenamente respeitado, haja vista a cassação do registro do Partido Comunista no governo Dutra.

As ideias de Assis Brasil datam de 1893, quando saiu a primeira edição de Democracia representativa — do voto e do modo de votar, de sua autoria, mas a obra só fez sucesso quando foi reeditada em 1931, com a derrocada da República Velha. Trata-se, portanto, de uma herança do positivismo, que inspirou a proclamação da República e ainda é a matriz principal do pensamento político brasileiro. O Estado brasileiro, que vive mais uma crise de financiamento, reproduz o ideário positivista até na bandeira nacional. Vem daí a ideia de que a estrutura administrativa dos estados e dos municípios devem ser rigorosamente iguais, não importa o tamanho da população, as características de sua economia e a localização geográfica. Ou seja todo município tem que ter um prefeito eleito pelo voto direto, uma câmara municipal com vereadores remunerados, uma comarca etc. É o “federalismo verticalizado”.

Galope
A discussão da reforma política chega a cavalo por causa da Operação Lava-Jato. A credibilidade do Congresso foi à lona, mas somente o parlamento tem legitimidade para fazer a reforma. Mas o que for decidido agora será apenas uma tentativa desesperada de salvar a própria pele. O grande debate sobre a reforma política ocorrerá nas eleições de 2018, nas quais certamente estarão em disputa dois projetos: manter a atual estrutura do Estado brasileiro ou reinventá-lo. Esse debate, porém, está sufocado pela necessidade de medidas emergenciais para enfrentar a crise fiscal, entre as quais, as reformas da Previdência e trabalhista, e pela ameaça de colapso do sistema partidário por causa da Lava-Jato.

Entretanto, no Brasil, tudo é mitigado. O direito à propriedade privada foi introduzido na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, como salvaguarda para os senhores de escravos. Pilar jurídico do capitalismo, apareceu aqui como âncora do regime escravocrata, que durou até 1888. É mais ou menos o que pode acontecer com o fim do foro privilegiado para ministros, senadores e deputados enrolados na Lava-Jato, cujos julgamentos ficariam para as calendas, e o voto em lista pré-ordenada, garantindo precedência para os atuais ocupantes da Câmara, no melhor estilo lampedusiano.

Publicada em 1959, a obra póstuma de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, tem como pano de fundo o Resorgimento Italiano, a unificação da Itália, que vai de 1860 a 1946, quando ocorre a abolição dos privilégios da nobreza e o surgimento da República. O país era dividido em cidades-estados, que brigavam pelo poder entre si e eram disputadas por potências estrangeiras, até a entrada em cena do nosso conhecido Giuseppe Garibaldi, um dos líderes da Revolução Farroupilha, que voltou para a Sicília para defender os ideais da Revolução Francesa.

O Leopardo conta a história de Dom Fabrizio, um nobre que começa a perceber as mudanças na sociedade e a notar a futilidade de sua vida, cujo sobrinho Tancredi incita o tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Borbons e apoiar os Saboia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.

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