quinta-feira, 30 de março de 2017

Crédito tem ligeira melhora, mas segue difícil para empresas – Editorial | Valor Econômico

A oferta de crédito continua muito ruim, com piora nos empréstimos para as empresas e melhoria modesta para os consumidores. O saldo total caiu 3,5% nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, um tombo perto dos dois dígitos se considerada a inflação do período. Em fevereiro, o estoque de empréstimos saldos mostrou estabilidade (-0,1%), enquanto que a inadimplência voltou a recuar. A proporção do crédito em relação ao PIB ainda caiu, e agora para 48,7%, 4 pontos percentuais inferior em relação ao mesmo mês do ano passado. No geral, os números do Banco Central ratificam a perspectiva de crescimento bem lento da economia.

O processo de desalavancagem progrediu, o que é um bom sinal. O endividamento das famílias exibiu em fevereiro seu menor nível desde 2011 e, excluindo-se os empréstimos habitacionais, é o mais baixo desde julho de 2007, há quase 10 anos. Por outro lado, os saldos de empréstimos com recursos livres para pessoas físicas, na comparação anual, estão positivos há três meses e novas concessões, há dois, sugerindo que a procura por crédito esboça alguma reação.

As condições são mais apertadas para as pessoas jurídicas. O estoque de empréstimos caiu a uma velocidade menor (9,8% em doze meses, ante 10,7% em janeiro). Os novos empréstimos com recursos livres, porém, voltaram a recuar na comparação anual, em 13,4%, um tombo real perto de 20%. A queda no ano foi forte, de 11,4%.

Se depender apenas do crédito para empresas, a retomada dos investimentos não virá tão cedo. A concessão no mês passado caiu para a indústria de transformação, foi acentuada para a construção civil (-0,9%). Comércio e transportes também obtiveram menos crédito, assim como o setor de serviços em geral. Empréstimos para capital de giro com prazo de até um ano caíram nada menos de 22,8% no ano (em relação ao primeiro bimestre de 2016). Já no desconto de duplicatas a situação é inteiramente diversa, com expansão de 19,7% no período.

A taxa de juros no crédito com recursos livres começou a cair, ainda que vagarosamente, tanto para empresas como consumidores, depois que se consolidou a certeza de que o Banco Central poderá reduzir a Selic com mais velocidade. Os spreads não seguiram tendência uniforme. Para empresas, houve queda no mês passado, mas para as pessoas físicas ele subiu.

A economia cresceu movida a consumo nos últimos dez anos, enquanto que o investimento não acompanhou a expansão, como se nota facilmente pelas condições de infraestrutura e declínio da produtividade. É necessário reequilibrar a equação e dar primazia ao investimento, mas possivelmente será o consumo que em primeiro lugar dará algum alento à atividade econômica.

Um estudo de técnicos do Fundo Monetário Internacional divulgado ontem mostra, entre outras coisas, que o consumo no Brasil reage rapidamente à mudança nos fundamentos, algo que está em curso. Um aumento na taxa real de juros de 1% é capaz de diminuir em 2% o consumo, e a redução dos juros pode dar um importante impulso inverso, talvez não na mesma magnitude. Isso ainda não ocorreu porque o juro real ainda é maior do que quando o consumo das famílias despencou. Ele ultrapassou 5% em meados de 2014, quando a recessão começou, chegou a mais de 8% no fim de 2015 e agora voltou à casa dos 5%. Novas reduções, já asseguradas, passarão a dar um estímulo maior daqui para frente, no que serão coadjuvadas pelo menor endividamento.

O fator confiança joga papel importante no aumento do consumo e, neste caso, ele é prejudicado pelo aumento do desemprego que, no entanto, parece caminhar para um fim próximo. O estudo do FMI mensurou que o aumento de 1 ponto percentual na renda disponível teria impacto da mesma proporção no consumo. O consumo das famílias caiu 4,2% em 2016 e a mais recente projeção do BC aponta aumento de 0,4% no fim de 2017, o que indica alguma reação da renda nos próximos meses. A drástica redução da inflação favorece essa tendência.

O alívio do crédito para empresas será mais lento para alguns setores vitais, diante da combinação de corrupção no setor de óleo e gás e da falta de financiamento para as construtoras envolvidas que atuam em outros setores da infraestrutura. A reação da economia também dependerá de acesso mais fácil aos recursos, tarefa na qual os bancos serão ajudados pelo recuo importante dos juros.

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