segunda-feira, 6 de março de 2017

'Lista de Janot' ameaça dividendos da inflação - Angela Bittencourt

- Valor Econômico

'Lista de Fachin' pode gerar tensão entre Poderes

Habituado a lidar com más notícias, o Banco Central enfrenta, neste início de ano, o desafio de evitar que um bom problema se transforme em um tormento futuro. A trilha que a inflação ensaiava percorrer em direção aos 4,5% da meta desbarrancou e o indicador poderá deslizar para menos de 4% neste ano e ter dificuldade para se reerguer no próximo.

Inflação rastejante é tudo o que brasileiro pediria a Deus se o governo não pedisse antes. Mas o risco do processo de desinflação tornar-se artificial - a partir de um ponto que ninguém sabe exatamente qual é __ coloca o BC de prontidão. E por pelo menos um bom motivo: retrocesso, não raro, impõe elevado prejuízo às economias que mal se põem de pé.

O Brasil tem, contudo, a chance de crescer 0,2% no primeiro trimestre de 2017 e interromper oito trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo sim pelo não, é melhor contar com o que temos para amanhã. Nesta terça, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentará o resultado do PIB do quarto trimestre do ano passado. Feito o ajuste sazonal, a economia brasileira deve ter caído 0,6% de outubro a dezembro de 2016, segundo a projeção média de 23 analistas consultados pelo Valor Data. No ano, a contração será de 3,5%.

Sem surpresas, o BC estará mais confortável para evitar o tombo da inflação induzido pela propagação da queda dos preços dos alimentos para outros produtos. Eduardo Campos, repórter do Valor, informa que a instituição estuda como reagir a esse fenômeno incomum na economia brasileira. Contudo, tome o BC a decisão que tomar, é certo que sua ação deverá ser cirúrgica para que o governo não perca os dividendos que a inflação declinante proporciona, inclusive na formação de expectativas.

Evidências de que inflação menor e juro mais baixo são um alento para a maioria da população vêm se acumulando há algumas semanas nas redes sociais. A "inflação" foi incorporada aos debates virtuais. Sua queda, comemorada.

Responsável pelo IP Brasil (Índice de Positividade Brasil) - indicador calculado a partir da análise semanal de mais de um milhão de "posts" publicados nas redes e 250 artigos de formadores de opinião na mídia tradicional), a consultoria .Map relata que, em fevereiro, pela primeira vez na história do IP Brasil, a queda da inflação e dos juros fez parte dos dez temas mais debatidos, embora sem receber semelhante destaque nos artigos de opinião.

"A sociedade está se apropriando da inflação em queda como patrimônio dela. A inflação virou bandeira. Não é mais travestida em queda do dólar ou preço dos bens de consumo", comenta Marilia Stabile, diretora-geral da.Map.

Discussões sobre os benefícios da inflação em baixo e juros idem mostram uma mudança de comportamento dos brasileiros nada trivial - já é um dividendo que o governo pretende ter creditado em sua conta em 2018, e não por acaso. Esse é o cenário ideal para o presidente Michel Temer, com tudo mais constante.

É improvável, porém, que não se mova uma palha no Executivo e no Congresso a partir da decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquéritos para investigar ministros, senadores e outros políticos citados nas delações da Odebrecht.

O jornal "Folha de S. Paulo" publicou essa informação na edição de ontem e acrescentou que a abertura dos inquéritos e o fim do sigilo das delações estarão sob responsabilidade direta do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo.

Estão na "lista de Janot", segundo a "Folha", os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, que passou por uma cirurgia na semana passada, e Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência. Outros ministros de Temer - além se parlamentares do PMDB e do PSDB - podem estar nessa lista.

O desenvolvimento dessa questão terá consequências. Algumas óbvias, outras nem tanto. O governo poderá sofrer um revés na votação da reforma da Previdência, que já é questionada na Câmara.

A reforma está sujeita a um enguiço que o tempo e a liberação de verbas para emendas parlamentares podem vir a consertar. Porém, tudo fica mais difícil se a reforma da Previdência empacar por eventual desestabilização do Congresso. É cedo para essa afirmação, mas alguns dos parlamentares que supostamente estão na mira de Janot estão em posições de grande relevância na Câmara e no Senado. Pertencem a uma elite e têm seguidores.

Em um cenário ampliado, a importância da queda da inflação e do juro pode ser relativizada, caso ocorra uma reavaliação dos apoiadores de Temer. Não há garantia de que a "lista de Janot" se transforme na "lista de Fachin", quando o pedido para abertura dos inquéritos chegar ao Supremo. Executivo, Legislativo e Judiciário podem se acotovelar nas próximas semanas. O elenco é o mesmo, mas o cenário político pode trazer às análises novos elementos a considerar.

Maria Cristina Fernandes, colunista do Valor, recorda que o presidente Temer perdeu seus mais próximos colaboradores na mesma velocidade com a qual montou a principal âncora do governo, a maioria no STF. "Por isso, a profusão de acusações mútuas de atuais e ex-colaboradores escancara o conluio da tripulação que assumiu o leme em abril do ano passado, mas não revela uma nau à deriva", escreveu a jornalista no seu espaço em Política, na semana passada.

"Essa tripulação tem um norte. Pretende entregar reformas que distribuem desigualmente o custo do rombo fiscal e salvar uma parte daqueles que a produziram, não necessariamente nesta ordem. Temer apresenta-se a um Congresso que tem metade de seus integrantes na condição de atuais e virtuais réus do STF como um presidente que tem força junto à corte - condição que lhe é assegurada pela existência do foro privilegiado", comenta a colunista.

A "lista de Janot" poderá resgatar a imagem do Supremo. O seu Índice de Positividade desabou de 95% para 15%. O ganho obtido com a presidência do tribunal passando à ministra Cármen Lúcia foi esfolado por decisões recentes que envolveram o senador Renan Calheiros, o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes e o goleiro Bruno.

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