sexta-feira, 31 de março de 2017

O Orçamento é ingovernável | Claudia Safatle

- Valor Econômico

Governo só decide sobre 10% do Orçamento da União

O Orçamento da União está todo carimbado. Não há como se estabelecer prioridades para o gasto público. De pouco adiantam os programas de governos ou as promessas da campanha eleitoral. As receitas já estão previamente destinadas por lei e esgotaram-se as possibilidades de aumento da arrecadação pelo aumento da carga tributária. Quem for eleito em 2018 assumirá o poder para administrar menos de 10% do Orçamento.

Antes de anunciar o corte de R$ 42,1 bilhões nos gastos deste ano, na noite de quarta feira, os ministérios da Fazenda e do Planejamento divulgaram uma nota para mostrar o grau de engessamento em que se encontram as contas públicas. "Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o Orçamento mais rígido do mundo", diz a nota.

O problema não é novo. Ao contrário, vem de longe. Com a democratização do país, cada segmento mais organizado tratou garantir seu naco do dinheiro público e a Constituição de 88 quis quitar a secular dívida social. Mas não há solução à vista.

Do gasto primário (não financeiro) total do governo central, de R$ 1,3 trilhão, já descontadas transferências para Estados e municípios, R$ 560,6 bilhões são com benefícios previdenciários e R$ 284,5 bilhões com a folha de salários do funcionalismo público. Esses dois itens consomem, portanto, 63,5% do Orçamento.

Somam-se também os R$ 57,4 bilhões de abono salarial e seguro-desemprego, R$ 50,9 bilhões com os benefícios de prestação continuada (Loas), R$ 33 bilhões de subsídios e subvenções e R$ 16 bilhões de desoneração da folha, chega-se a mais de 75% do Orçamento.

Um conjunto de outros gastos - quase R$ 15 bilhões para o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, R$ 11,3 bilhões com precatórios e R$ 14 bilhões para o fundo de desenvolvimento do ensino básico - e lá se foram quase 80% do Orçamento.

O fato é que, conforme os dados oficiais, de uma despesa total de R$ 1,3 trilhão, sobram para gastos discricionários, de livre alocação pelo governo, apenas R$ 147,9 bilhões.

Essa é a despesa sobre a qual pode-se incidir o corte ou contingenciamento do Orçamento. A nota oficial diz, porém, que mesmo aí há gastos obrigatórios em áreas como saúde e educação. Constam desse montante toda a previsão de investimentos em obras de infraestrutura do PAC (cerca de R$ 36,7 bilhões), o custeio da máquina administrativa, as emendas individuais e de bancadas parlamentares, dentre várias outras. Parte das emendas são impositivas. Boa parcela do que seria discricionário, portanto, acaba sendo obrigatório.

A despesa total deste ano é R$ 139 bilhões a mais do que a receita primária estimada. Esse é o déficit que o governo se comprometeu a registrar no exercício. Mas na avaliação do primeiro bimestre apurou-se que a queda da inflação, a recessão e a revisão do produto das concessões reduz em R$ 54,7 bilhões a arrecadação do ano. O gasto, por sua vez, aumenta em R$ 3,4 bilhões. O resultado é um rombo de R$ 58,2 bilhões, valor que falta para cumprir a meta de déficit.

Visto por essa ótica, o corte de R$ 42,1 bilhões foi uma medida dura. O que o governo conseguiu apurar de aumento de receita foram R$ 16,1 bilhões e desses, apenas R$ 6 bilhões decorrem de elevação da carga com o fim das desonerações sobre a folha e a tributação pelo IOF do crédito das cooperativas.

Da forma como está, com o grau de vinculação das receitas, o Orçamento é ingovernável. A lei do teto não altera esse quadro. A reforma da Previdência atenua. A revolução seria o Orçamento base-zero, que derrubaria todas as vinculações, deixando as prioridades serem definidas a cada período conforme as demandas da sociedade.

Meta
A meta para a inflação de 2018, de 4,5%, foi definida em 2016 e não será alterada. Em junho próximo, o Conselho Monetário Nacional se reunirá para fixar a meta de 2019. "Vamos seguir o enredo, decidindo a meta de inflação de dois anos à frente", disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Ontem, as declarações do ministro dadas pela manhã produziram ruídos, ao indicarem que na reunião de junho o CMN poderia reduzir a meta de 2018. Ele falou na Câmara dos Deputados, quando estava a caminho da Comissão Especial da reforma da Previdência. Cercado por jornalistas, o ministro teve o seguinte diálogo:

Jornalista: "Ministro, a meta de inflação de 2018 vai ser inferior a 4,5%?"

Meirelles: "Nós vamos definir em junho a meta de inflação de 2019 e revisar a meta de 2018 para saber se justificaria alguma mudança. A princípio estamos aguardando os dados de inflação, estamos aguardando a evolução das expectativas também e temos até junho para tomarmos uma decisão com segurança."

O impactante dessa notícia, no mesmo dia e hora em que o Banco Central divulgava o relatório trimestral de inflação e falava em "intensificação moderada da flexibilização monetária", é que se diminuísse a meta de inflação para o próximo ano o Banco Central, tudo o mais constante, teria que parar já de cortar a taxa básica de juros, a Selic.

Pelas defasagens da política monetária, de nove meses a um ano, as decisões de hoje já afetam os objetivos do ano que vem.

Segundo o relatório de inflação, com a taxa de câmbio e os juros esperados pela pesquisa Focus, a variação do IPCA em 2018 é de 4,5%. Só com a taxa de câmbio do Focus e a Selic constante no patamar atual é que a inflação cairia para 4,2%.

O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Viana, que concedia entrevista sobre o relatório de inflação, perguntado sobre a fala de Meirelles, respondeu que a possibilidade de rever a meta de 2018 era "desprezível".

Para reduzir uma meta de inflação já aprovada pelo CMN, como é o caso da de 2018, é necessário um decreto presidencial autorizando o conselho a tomar tal decisão. Foi assim em 2002, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso, editou decreto no dia 26 de junho daquele ano, autorizando o CMN a alterar a meta para a inflação do ano seguinte, 2003.

Meirelles disse que a área econômica vai avaliar os dados de 2017 e de 2018 "para aprovar a meta de 2019". Foi apenas uma confusão.

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