segunda-feira, 13 de março de 2017

Serviços respondem por quase 75% da economia

Por Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - A já elevada fatia dos serviços na economia brasileira cresceu ainda mais nos últimos anos, atingindo o equivalente a 73,3% em 2016, quase dez pontos percentuais a mais que os 64,7% de 2004. O aumento se deu em boa parte à custa da indústria de transformação, que viu a sua parcela no valor adicionado cair de 17,8% em 2004 para 11,7% no ano passado. Como reflexo da queda dos preços de commodities, a participação da indústria extrativa mineral também encolheu, recuando para apenas 1% - em 2012, o número era de 4,5%. Os dados fazem parte das contas nacionais, divulgadas na semana passada, que mostraram uma retração do PIB de 3,6% em 2016.

O peso dos serviços no valor adicionado, que já era alto, subiu para um nível bem acima de outros emergentes - na China, o número está um pouco acima de 50%; no Chile, é de quase 64%; na Índia, fica em 45%. Uma preocupação é que o setor em geral tem baixa produtividade, inferior à da indústria, o que afeta a capacidade de o país de crescer a taxas mais elevadas de modo sustentável.

Na atual recessão, a indústria de transformação, sofrendo com a perda de competitividade, apanhou muito mais do que os serviços. A produção da primeira caiu 4,7% em 2014, 10,4% em 2015 e 5,25 em 2016. Já os serviços tiveram um desempenho menos pior - cresceram 1% em 2014 e recuaram 2,7% em 2015 e também 2,7% em 2016.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, destaca ainda o comportamento bem diferente do deflator implícito da indústria de transformação e dos serviços (uma espécie de "inflação" de cada segmento), lembrando que o valor adicionado leva em conta preços e volumes. Em 2016, o deflator dos serviços ficou em 8,9%, enquanto o da indústria de transformação subiu apenas 3,8%. Isso ajuda a entender o aumento da fatia de serviços na economia, diz ele.

Esse movimento antecede a recessão. A partir da metade da década passada, o setor de serviços passou a ganhar peso e a indústria de transformação a perder, num quadro marcado pela força do mercado interno, com aumento do emprego e da renda, câmbio valorizado e elevação expressiva dos preços de commodities. A trajetória levou a uma discussão nos últimos anos sobre se o Brasil passa por uma desindustrialização precoce, com o setor de serviços ocupando espaço excessivo na economia.

É normal o segmento de serviços ganhar terreno no PIB - em países desenvolvidos, a fatia chega muitas vezes a 75% a 80% (caso de EUA, Reino Unido e França, por exemplo). A questão é que o processo no Brasil ocorreria cedo demais, considerando o atual nível de renda per capita do país. Um dos problemas é que boa parte das atividades de serviços têm baixa produtividade, enquanto a indústria têm ganhos de eficiência maiores, nota Borges.



Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Renato Fragelli diz que indústria é mais produtiva por estar sujeita à concorrência internacional, sendo muito mais propensa a absorver tecnologias diferentes. Na maior parte dos serviços, não há espaço para competição com importados. Como esse segmento tem grande peso no valor adicionado, acaba por puxar para baixo a produtividade média do país.

Fragelli diz que gostaria de que houvesse uma indústria mais robusta, eficiente e dinâmica no país, "como a da Alemanha", por exemplo. "Mas o Brasil fez tudo para não ter isso", afirma ele, citando a baixa taxa de poupança e a educação deficiente como fatores que atrapalham a indústria. Segundo ele, a poupança insuficiente, fruto em especial do regime previdenciário do país, leva a um equilíbrio de juros altos e câmbio valorizado, enquanto os problemas educacionais fazem a mão de obra ser pouco produtiva. Isso afeta a competitividade da indústria manufatureira. Se a poupança fosse maior, seria possível ter juros mais baixos e câmbio mais desvalorizado sem criar pressões inflacionárias, como na Coreia do Sul, diz Fragelli.

O estrategista da Fator Administração de Recursos (FAR), Paulo Gala, vê um problema de desindustrialização no país, apontando os longos períodos de sobrevalorização do câmbio como um problema para a competitividade do setor. "A questão cambial tem sido negligenciada desde os anos 1990", afirma ele, para quem "a brincadeira" de usar a apreciação da moeda para ancorar a inflação "atrapalhou demais". A indústria perdeu a competitividade e se desconectou das cadeias globais de produção, segundo Gala.

No setor de serviços, predominam atividades com baixa produtividade, diz Gala. Um estudo do Credit Suisse mostra que, em 2015, 54,8% da população ocupada estava empregada nos chamados "serviços tradicionais", como comércio, turismo e serviços domésticos, enquanto apenas 12,8% estavam nos serviços modernos (como os ligados à inovação, por exemplo), onde há maiores ganhos de eficiência. Para Gala, há uma regressão da estrutura produtiva do país, que compromete a capacidade de crescer a taxas mais elevadas, sem causar desequilíbrios.

Também chama a atenção o recuo da participação da indústria extrativa mineral na economia, que chegou a apenas 1% em 2016. Segundo Borges, o comportamento dos preços do petróleo e o minério de ferro explica essa trajetória. O deflator da indústria extrativa caiu 46,5% em 2015 e mais 47,5% em 2016, observa ele. A fatia desse segmento no valor adicionado chegou próximo do observado em 2000, quando ficou em 1,4%. Nos últimos anos, o ponto mais alto foi atingido em 2012, quando chegou a 4,5%. Com a recuperação dos preços de commodities e as perspectivas positivas para o segmento, parcela da extrativa tende a retomar terreno nos próximos anos. A da indústria de transformação também pode aumentar um pouco, porque caiu demais com a recessão, mas não deve voltar aos níveis observados em 2004.

Dos outros componentes do PIB industrial, a construção respondeu por uma fatia de 5,6% da economia em 2016, enquanto a produção e distribuição de eletricidade, gás, água e esgoto ficou em 2,9%. Para completar, a participação do setor agropecuário no valor adicionado foi de 5,5% no ano passado, o mesmo nível de 2005.

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