domingo, 12 de março de 2017

Um Ferreira Gullar íntimo e engraçado

Bolívar Torres | O Globo

O poeta em sua intimidade, descontraído e cheio de histórias engraçadas para contar. Este é o Ferreira Gullar capturado, há mais de 20 anos, pelo cineasta Zelito Viana no documentário “O canto e a fúria”. Em um dia de 1994, Zelito recebia o autor maranhense em casa; ao ouvi-lo conversando com amigos, teve a ideia de registrar o momento. Sem planejamento, sem microfone, quase numa operação de guerrilha, ele e o fotógrafo Walter Carvalho se apressaram para pegar uma câmera mini DV e se alternaram na gravação.

Durante 50 minutos, Gullar, morto em dezembro do ano passado, fala sobre sua arte, suas emoções e visão de mundo, repassando todas as fases de sua carreira. Editado e reunido em DVD, o depoimento informal passou apenas no Canal Brasil e só agora está sendo comercializado, como encarte de uma reedição especial, limitada e artesanal do último livro de Gullar, “Autobiografia poética e outros textos”, da editora Autêntica. Assim como o documentário, a obra, publicada originalmente em 2015, também revisita o universo do poeta através de um depoimento e duas entrevistas, uma de 1965 e outra de 2014.

— Durante os 50 minutos do documentário, é só a cara do Gullar o tempo inteiro, contando a vida dele — brinca Zelito. — E é um Gullar no auge da forma, falando na minha casa no Cosme Velho. Ele estava lá dando sopa, contando várias histórias para uma “plateia” de amigos, e eu e o Waltinho (Carvalho) resolvemos gravar. Algumas histórias são engraçadíssimas. Acho que as pessoas não conhecem esse lado engraçado dele.

O Gullar íntimo e arejado se abre para Viana, com quem tinha uma relação estreita. No jardim ensolarado da residência do cineasta, lembra de vários casos. Como a vez em que caminhava pela Cinelândia e achou que sua gravata estava “pegando fogo”. Demorou para perceber que as chamas não eram literais.

— Estava escrevendo um poema na cabeça e, de tão agitado, viu a gravata vermelha e pensou que estava incendiada — lembra Viana. — Ele vivia incendiado pela poesia, que atormentava ele.

HISTÓRIA DE AMIZADE
Amigos durante décadas, os dois fizeram outros filmes juntos. “A arte existe porque a vida não basta”, codirigido por Gabriela Gastal e exibido no cinema logo após a morte do poeta, tem textos do escritor dramatizados por Marco Nanini e poemas musicados por grandes nomes da MPB. Já o curta-metragem “Ferreira Gullar: a necessidade da arte” esmiúça as relações do maranhense com as artes plásticas.

— Gullar era meu objeto preferido de filmar — diz Zelito. — Ele falava muito bem, e na minha presença era sempre mais fácil, por causa da nossa amizade. Sempre se sentia mais à vontade gravando comigo.

Além da reedição limitada de “Autobiografia poética e outros textos”, em breve mais livros de Gullar devem chegar às livrarias. A Autêntica prepara a a reedição do livro infantil “Doutor Urubu e outras fábulas” e uma coletânea inédita de textos sobre artes plásticas. Já o livro de colagens “Os desastres da guerra”, também inédito, deve sair pela Bazar do Tempo.

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