sexta-feira, 7 de abril de 2017

A Reforma Política, Tiririca e o futuro | Murillo de Aragão

Blog do Noblat

Certos temas enjoam. Especialmente depois que se escreve um livro a respeito. No entanto, a Reforma Política vive me perseguindo e obrigando a alguma posicionamento. Digo que, de certa forma, a Reforma Previdenciária é como a Copa do Mundo: a cada quatro anos se tenta alguma. Já a Reforma Política é como o carnaval fora de época: todo o ano tem. Sempre inconclusiva como reforma. Mas, aqui e ali, traz alguns ganhos.

Agora tempos a Reforma Política proposta na Câmara pelo relator Vicente Cândido. Caso aprovada na íntegra merece ser chamada de reforma. É uma proposta ampla e abrangente. E com um cronograma conveniente para que o mundo político se adapte às novas regras.

Em não sendo uma "brastemp", já que o texto final não está detalhado, o relatório parcial do traz aspectos interessantes que devem ser considerados mais além da desinformação e do preconceito com que o tema vem sendo tratado. Chego a temer que os aspectos bons poderão ser cortados pelo conservadorismo do Congresso. Será uma pena.

Grosso modo, a Reforma Cândido traz os seguintes pontos em destaque:

Votação em listas preordenadas para as próximas duas eleições;

Não haverá candidatura nata;

Haverá alternância de gênero nas listas;

As coligações em eleições proporcionais serão extintas;

Haverá impedimentos à manutenção de direções provisórias nos partidos;

As listas deverão ser divulgadas e limitadas em número de candidatos;
Possibilidade de “recall”;

Após duas eleições, implantação do sistema distrital misto;

Criação de um Fundo Eleitoral derivado do Fundo Partidário;

Limite de doação de pessoas físicas ao máximo de seis (6) salários mínimos;
Candidatos podem concorrer simultaneamente a dois cargos: governador e deputado federal;

Fim do cargo de vice em todas os níveis do Poder Executivo;

Fim de reeleição para cargos do Poder Executivo, após o período de transição.

Devemos afastar o argumento de que as listas preordenadas beneficiarão investigados pela Operação Lava-Jato. A aprovação da emenda acaba de vez com a candidatura nata. Assim, a palavra final sobre as candidaturas será dada pela convenção partidária.

Por outro lado, ser investigado não deve ser fator de impedimento à candidatura. A Lei da Ficha Limpa já disciplina que candidatos condenados em órgãos colegiados ficam inelegíveis. Parece suficiente.

Um enorme avanço é o fim das coligações proporcionais. Os partidos terão que disputar de peito aberto e enfrentar a busca pelo eleitor sem pegar carona em estruturas partidárias dos outros. É uma má notícia para os pequenos partidos, mas é assim que deve funcionar.

Em seu parecer parcial, o relator propõe o “recall” sem maiores detalhes. Devemos analisar quando o autor detalhar a proposta.

Para muitos, o fim do voto em candidatos é o aspecto mais polêmico da reforma. Por exemplo: como votar em Tiririca se ele está em uma lista de candidatos? Simples: basta saber por qual partido ele disputará as eleições; o voto no seu partido irá para ele.

Caso a proposta seja aprovada, a nova realidade levará Tiririca a fazer campanha para o partido, e não apenas para si. De modo geral, os candidatos da lista deverão se unir para fortalecer a campanha do partido, ao contrário do que ocorre hoje, onde o maior adversário é o seu colega de chapa.

A proposta, por contrariar o personalismo histórico arraigado na política brasileira tem o mérito de propor a valorização do partido político.

Em um comentário brilhante do jurista Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ele disse que as listas fechadas criariam uma “partidocracia”. Apesar do tom crítico usado por ele, talvez não seja ruim passarmos a ter partidos mais fortes que disputem eleições em torno de programas e ideais.

Fenômenos como Tiririca devem continuar a existir, mas aliando sua exposição pública a propostas partidárias. Partidos e ideias devem ser valorizados em nome da cidadania e da nação. O personalismo na política não faz bem. Caso não seja assim, voltemos à proposta do "distritão": os mais votados levam as vagas sem contar a proporcionalidade dos votos totais. E, assumimos de vez que a política brasileira deve ser tocada pelas celebridades de natureza diversa.

A proposta Vicente Cândido não é o regime ideal para 2018. Mas o ideal pode ser o inimigo do bom. O que está proposto dará tempo para se chegar, mais adiante, ao voto distrital misto que, sem dúvida, um sistema político mais adequado às dimensões continentais de nosso país.

*Murillo de Aragão é cientista político

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