segunda-feira, 10 de abril de 2017

A travessia da ‘ponte’, um ano depois

Documento-base para a gestão Temer, “Uma ponte para o futuro” tem hoje oito das 20 propostas cumpridas pelo governo. Quase um ano após o presidente assumir, na avaliação do Planalto e de especialistas, o país saiu da “pinguela”.

A hora da travessia

Mesmo sem completar ‘Ponte para o futuro’, especialistas veem avanços na ‘pinguela’

Dimitrius Dantas | O Globo

-SÃO PAULO- Prestes a completar um ano no comando do Palácio da Alvorada, é do documento “Uma ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB em 2015, que o presidente Michel Temer tira as bases para seu mandato. Do documento de 27 páginas, O GLOBO encontrou 20 propostas principais: delas, Temer deixou para trás 12 até aqui. Das 20, o presidente tenta se equilibrar com seis promessas que avançam conforme o planejado e outras duas cumpridas em parte. Reformas como a da Previdência e a trabalhista já tramitam no Congresso, apoiadas por uma maioria expressiva construída pelo governo que dividiu a Esplanada dos Ministérios com 11 partidos.

Com aliados próximos envolvidos pela forte correnteza da Lava-Jato, Temer tenta completar a travessia e fazer valer a profecia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Diante das circunstâncias brasileiras, depois do impeachment, o que temos que fazer é atravessar o rio”, disse o ex-presidente, em novembro passado, ao inaugurar uma metáfora sobre a gestão Temer: “Isso é uma ponte, pode ser uma ponte frágil, uma pinguela, mas é o que se tem”.

“FOI FEITA BASTANTE COISA”
Para o cientista político Rubens Figueiredo, apesar de eventuais críticas aos projetos, o governo conseguiu tirar da gaveta reformas urgentes e indicar um norte para o Poder Executivo:

— Examine o quadro político. Foi um avanço expressivo. Pelas condições e pelo tempo, foi feita bastante coisa. Há quanto tempo essas reformas estão se arrastando?

A primeira proposta do documento vem logo no segundo parágrafo e tem tom de ordem: a formação de uma maioria parlamentar — ainda que inconsistente. “Nesta hora da verdade, em que o que está em jogo é nada menos que o futuro da nação, impõe-se a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional”, anuncia o documento, escrito em outubro de 2015, dois meses antes do então vice-presidente Michel Temer deixar a posição de articulador político do governo Dilma.

Para seu governo, Temer trouxe tradicionais opositores do governo petista, como o DEM e o PSDB. As prioridades do documento são o equilíbrio fiscal e a cooperação com a iniciativa privada. O desempenho até aqui é defendido dentro do Palácio do Planalto. Quando o documento foi publicado, o agora ministro Moreira Franco era presidente da Fundação Ulysses Guimarães e conselheiro do então vice-presidente Michel Temer. Idealizador do projeto, citou as vitórias do governo no Congresso desde a posse de Temer e defendeu a força da ponte que seu chefe tenta construir.

— Se isso é pinguela... E olha que não tem nem um ano de governo. A inflação caiu, os juros estão caindo. Nós estamos recuperando a confiança do consumidor — disse.

Para Rubens Figueiredo, o programa de Temer não está longe do que foi defendido pelos adversários de Dilma Rousseff na campanha de 2014:

— O documento foi um ensaio da parceria com o PSDB. Ele estabelece um norte daquilo que o PSDB estava prometendo na campanha. É o lado mais mercado, de um Estado mais racional, com menos gastos.

O ministro Moreira Franco sustenta que não há autor específico para as medidas definidas no documento. Entre os economistas ouvidos à época, todavia, estavam o ex-ministro Delfim Netto e o ex-secretário de Política Econômica Marcos Lisboa.

As reformas na Previdência e na legislação trabalhista saíram do papel praticamente conforme o sugerido na “Ponte para o futuro”. A expectativa, agora, é sobre o texto final que poderá ser aprovado no Congresso Nacional.

— Por enquanto o que existe é intenção, um projeto, isso já foi cumprido. O que vai sair da Câmara dos Deputados não se sabe. Mas o que o governo pede já seria um avanço — diz o professor Clemens Nunes, da Fundação Getúlio Vargas.

Nos corredores do Congresso, a Reforma da Previdência é a que mais enfrenta resistência. O governo Temer já voltou atrás duas vezes em pontos de sua proposta. Primeiro, retirou os servidores públicos estaduais da reforma. Na última semana, cinco pontos foram alterados, incluindo mudanças para trabalhadores rurais, professores e policiais, além das regras de transição para o novo regime.

Mas em comparação ao documento, o governo foi ainda mais incisivo: no texto previa que uma idade mínima de 60 anos para as mulheres se aposentarem. Na proposta encaminhada aos deputados, a idade mínima é de 65 anos e igual para ambos os gêneros. O documento indicava que o projeto deveria prever novos aumentos, levando em conta o avanço demográfico brasileiro. A sugestão foi esquecida no projeto enviado para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

A reforma trabalhista encaminhada para a apreciação de deputados e senadores prevê que acordos coletivos entre trabalhadores e empregadores prevaleçam sobre a legislação, como sugerido no documento. No entanto, o governo também foi além e aprovou uma mudança na terceirização, já sancionada pelo presidente Michel Temer. O interesse do Palácio do Planalto foi tamanho que os deputados da base aliada recuperaram um projeto esquecido, do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, já aprovado no Senado. Integrantes de sindicatos questionam a possível precarização dos direitos trabalhistas.

TRANSFERÊNCIAS DE ATIVOS AVANÇA
Outra promessa, a prioridade à pesquisa e desenvolvimento tecnológico anunciada no documento já se despedaçou: quando assumiu, Michel Temer acabou com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que funciona hoje dentro do Ministério das Comunicações. O corte de 44% no orçamento do setor foi assunto até mesmo da prestigiada revista científica “Nature”.

Um ponto que avança é a transferência de ativos do governo e concessões para a iniciativa privada, principalmente nas áreas de infraestrutura e de logística. A importância que o governo dá a esse ponto do documento é tamanha que a responsabilidade ficou com o próprio idealizador do manifesto, Moreira Franco. O ministro já levou a cabo a concessão de quatro aeroportos, processo que rendeu R$ 3,7 bilhões aos cofres federais.

Moreira Franco iniciou no governo na obscura secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos, criada por Michel Temer exatamente para aproximar o governo da iniciativa privada. A promoção para o título de ministro veio posteriormente — sob acusações de que o gesto servia para obter foro privilegiado. É esperado que o nome do ministro apareça na lista de inquéritos entregue pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deve causar mais tremores na estrutura da ponte.


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