quarta-feira, 12 de abril de 2017

Corrupção no centro | Míriam Leitão

- O Globo

A Odebrecht havia comprado a política brasileira, e corrupção passou a ser o seu core business. Essa é a conclusão da avalanche de nomes citados pelos seus donos e ex-executivos. A lista do procurador-geral virou a do ministro relator e, ao ser divulgada, mostrou um sistema político inteiramente contra a parede. Pessoas de partidos inimigos entre si estão na mesma relação de beneficiários do esquema corrupto.

O que os políticos se perguntam é o que sobrará depois do dilúvio. As águas ameaçam tragar o governo Michel Temer com oito ministros afetados pela abertura de inquérito, e atinge dois presidenciáveis do PSDB, líderes do PT, as presidências das duas Casas do Congresso. O presidente Temer tem “imunidade temporária”, enquanto exercer o cargo.

Na avalanche de pedidos feitos a outras instâncias, para pessoas sem prerrogativa de foro, como os ex-presidentes, o processo se espalhou por vários tribunais. Alguns casos não são sólidos o suficiente para irem adiante, mas o ministro Fachin pediu que tudo seja investigado. O que um dia foi chamado por Lula de “República de Curitiba” agora é a República do Brasil.

O interessante é como a corrupção liga as partes divididas do esquema político. A hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, projeto formulado pela Odebrecht, abraçado e executado por Dilma Rousseff, pagou propina a Eduardo Cunha, inimigo de Dilma.

O que acontece depois do dilúvio? Ao aceitar todos os pedidos de abertura de inquérito feitos por Janot, o ministro Fachin determina que os políticos sejam investigados. O governo ficará sub judice, o sistema político, sob suspeição. Ao mesmo tempo, nada é rápido no STF. Pode demorar anos para que haja uma decisão em todos esses inquéritos.

Do que já se sabe, há fatos espantosos. Como uma única empresa pode ter corrompido tantos ao mesmo tempo? A Odebrecht comprava leis e medidas provisórias, fazia a obra que queria no governo, cobrava o preço que estipulava, pagava propina a políticos de diversos partidos.

Há várias constatações que o dia de ontem permite. Diante da extensão dessa lista, cai por terra a narrativa do PT de que a Lava-Jato era uma conspiração contra Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores. O que prevalece é que a Lava-Jato é uma investigação sobre a corrupção no sistema político brasileiro e que foi deflagrada contra uma prática e não contra um partido. O impeachment da Dilma não foi feito para se interromper a Lava-Jato. A operação não foi suspensa, e além disso se fortaleceu. Nem mesmo a morte do ministro Teori Zavascki interrompeu o avanço da operação.

O dia amanheceu ontem no Rio com a prisão do ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Côrtes, e a revelação de um esquema gigantesco de roubo dos recursos da Saúde para o grupo do ex-governador Sérgio Cabral, e terminou com a divulgação da lista dos pedidos de inquérito aceitos por Fachin. Isso mostra como a Lava-Jato se desdobra em várias frentes.

A economia ficará em compasso de espera, mas com as expectativas piorando a partir de agora. Será colocada em dúvida a capacidade do governo de levar adiante as reformas que estão tramitando no Congresso. Só ontem, estavam na ordem do dia três reformas: a da Previdência, a trabalhista e a lei da reestruturação das dívida dos estados falidos. A votação da lei dos estados foi suspensa.

Agora, líderes do governo, presidentes da Câmara e do Senado, ministros, relatores de reformas, líderes de oposição serão todos investigados nos mesmos inquéritos. Os detalhes divulgados vão mostrando a extensão e a profundidade da corrosão no sistema político. Uma das ações envolve Romero Jucá, Renan Calheiros e Guido Mantega. O ministro do primeiro governo Dilma teria acertado diretamente com Marcelo Odebrecht a aprovação de legislação tributária que favoreceu o grupo. 

Para aprovar a lei no Congresso, Marcelo diz que pagou R$ 5 milhões a Jucá, que afirmou falar em nome de Renan. E o dinheiro foi pago pelo presidente da Braskem Carlos Fadigas. A corrupção acabou virando o negócio principal da Odebrecht. A empresa era uma central de pagamento de propina, e o trabalho era executado pelos seus principais executivos.

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