quarta-feira, 19 de abril de 2017

'Falseamento da democracia partidária', diz Gilmar sobre número de siglas no País

Sem citar nomes, ministro do STF falou de forma irônica sobre uma 'nova profissão' no Brasil, a de políticos que se dizem não políticos

Célia Froufe | O Estado de S.Paulo

LISBOA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, afirmou há pouco que o Brasil passa por um momento de "falseamento" da democracia partidária. "Temos 28 partidos no Congresso Nacional, 18 na base no governo, 35 registrados na Justiça Eleitoral e 50 candidatos a serem registrados", enumerou durante palestra nesta terça-feira, 18, na capital de Portugal, gerando burburinho entre os presentes por causa dos grandes números.

O ministro explicou que essa infinidade de partidos é fruto do bipartidarismo, do período de autoritarismo pelo qual passou o País. "Pervertemos o modelo proporcional, que já é singular, e permitimos essa soma de letras com consequências gravíssimas para o todo. O modelo faz com que as eleições tenham as distorções que todos conhecemos", considerou.

Mendes fez críticas a vários partidos. Citou, por exemplo, que Marina Silva não conseguiu o número de assinaturas necessário para criar a sua legenda e que acabou integrando a chapa com Eduardo Campos para a campanha de 2014 - o líder da chapa acabou falecendo antes da eleição. "Nessa leva de partido criados, foi iniciado o Partido da Mulher, que não tem mulher", ressaltou, tirando risos da plateia na capital portuguesa.

Para o ministro, há tantos partidos e com tantos interesses que alguns não deveriam estar cadastrados na Justiça Eleitoral, mas, sim, inscritos na Junta Comercial. "Acabam que passam a ser partidos com acesso a fundos, acesso a [tempo] de rádio e televisão, o que precisa ser corrigido. E logo, pois tem que ter impacto nas eleições de 2018."

Para quem critica a possibilidade de se esconder candidatos num processo de votação com lista fechada, Mendes argumentou que, no modelo de lista aberta, já se tem esse modelo: "Se votou em Tiririca e se elegeu Valdemar da Costa Neto. É mais fácil esconder nesse sistema de lista aberta", defendeu.

Ele disse também que o Judiciário tentou algumas vezes alterar o sistema político, mas que sempre houve uma resposta contrária do Legislativo, como no caso do projeto que foi chamado de verticalização pelos parlamentares e que acabou permitindo a livre coalizão. "Parece que há um diálogo de surdo entre os dois poderes, se é que isso é possível."

O ministro participa do V Seminário Luso-Brasileiro de Direito, em Lisboa, promovido pela Escola de Direito de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (EDB/IDP) e pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Fdul).

Não políticos. Sem citar nomes, o ministro contou de forma irônica à plateia do evento que foi criada uma nova profissão no Brasil: a de políticos que se dizem não políticos. O prefeito de São Paulo, João Doria, se elegeu com o discurso de que seria um administrador da cidade, e que não era um político.

Um dos nomes que surgem cada vez mais fortes para disputar a eleição presidencial de 2018, em seus primeiros meses de mandato Doria descreveu sua atuação à frente da capital paulista como a de um gestor e tem reafirmado que, apesar de ser filho de político e ter respeito por esse profissional, não é um deles. O prefeito, no entanto, nega a possibilidade de abandonar a cidade para disputar a eleição numa esfera acima.

Mudanças. O ministro avaliou o modelo de democracia dá sinais de déficit e que, por isso, há necessidade de mudanças, de acordo com ele. "Não é fácil, evidentemente."

Gilmar, porém, salientou que é possível o Brasil dar uma guinada em relação à política. Essa mudança, de acordo com ele, precisa ser rápida e eficiente já que as eleições à Presidência da República em 2018 estão próximas. "Rompemos cânones consideradas mais do que cláusulas pétreas, como a privatização. Poxa, deveríamos ter sido mais ousados, deveríamos ter mais avanços, pois teríamos menos problemas de governança", falou hoje em relação ao passado.

Para Mendes, o País passa agora por um momento de grande desafio, mas já teve outros e os enfrentou. "Quem poderia acreditar que seríamos capazes de dar fim à inflação crônica que marcava nossas vidas?", questionou, citando, logo em seguida a criação do Plano Real, em 1994, que foi atribuída ao então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que, na sequência, se elegeu presidente do Brasil. Fernando Henrique foi o palestrante de honra no evento que ocorre nesta terça-feira na capital portuguesa. "Então, é possível pensar em reformas em momentos de grande fragilidade. Este é o grande legado civilizatório de FHC, que mudou os paradigmas", comparou.

O momento de crise, de acordo com ele, que juntou a recessão e o desemprego, entre outros números negativos da economia dá a alguns especialistas de avaliar que o País passou por uma "tempestade perfeita". Com isso, se abre, segundo o ministro, espaço para um debate de encaminhamento de reformas. "Esse é um passo natural", pontuou. "É preciso que discutamos com abertura de espírito, com sentimento de patriotismo, a ideia de levar avante esse projeto da constituição de 88", continuou.

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