quinta-feira, 20 de abril de 2017

Maioria retomada | Merval Pereira

- O Globo

A vitória da base governista no pedido de urgência para a reforma trabalhista na Câmara, consertando um tropeço atribuído a erro estratégico que fizera o governo ser derrotado na véspera no mesmo caso, reafirma a sintonia da maioria parlamentar com a visão do Palácio do Planalto sobre as reformas estruturais de que o país necessita.

Depois de aprovar a limitação dos gastos públicos e a terceirização das contratações, o governo agora se empenha em uma reforma trabalhista e, principalmente, na reforma da Previdência, cujo relatório foi lido ontem. A confirmação por parte do relator Arthur Maia de que as mulheres trabalhadoras rurais terão uma idade mínima de 57 anos, três a menos que os homens, fecha o grupo de alterações na proposta original que tornam viável a aprovação da reforma no plenário da Câmara.

A correção de ontem em relação à urgência para a votação da reforma trabalhista demonstra que a derrota do governo na noite de terça-feira deveu-se realmente a um erro estratégico da liderança governista e da presidência da Câmara.

O placar de 287 votos favoráveis, 30 a mais do que o mínimo necessário, e 144 contra, mostrou a capacidade de reação da base governista, que na véspera havia sido derrotada nesse mesmo requerimento ao não conseguir os 257 votos necessários, mas apenas 230 deputados. A oposição também teve ontem menos votos do que no dia anterior, quando conseguiu 163.

As matérias que agora estão em discussão são as mais polêmicas do pacote que o governo Temer se propôs aprovar, e por isso é natural que haja mais dificuldade. Além do mais, o sistema de trocas recíprocas, o famoso toma lá dá cá, fica cada vez mais caro à medida que a dificuldade das votações aumenta.

Mas o que parece claro é que há na base governista uma tendência programática favorável ao conjunto de reformas, que segue uma linha que poderia ser chamada de liberal-conservadora. O interessante fenômeno brasileiro é que essa mesma base parlamentar apoiou os governos Lula e Dilma, e tudo indica que o fez por pragmatismo político, na certeza de que o populismo lulista era, naquele momento, insuperável no voto.

Com a crise econômica que se abateu sobre o país, o desgaste do governo Dilma corroeu a popularidade do grupo que governava há 13 anos, e o desemprego e a inflação fizeram com que perdessem forças os argumentos populistas, assustando a base parlamentar, que já se sentia incomodada com a convivência política forçada com o PT. A corrupção que azeitava as relações da base aliada, como vem sendo revelado pela Lava-Jato, amortecia eventuais divergências ideológicas com o PT.

Essa força política, hoje francamente decadente à medida que vai se revelando a sua verdadeira face corrupta, mantém uma força residual no Norte e Nordeste, o suficiente para manter Lula no jogo presidencial, mas não de maneira sustentável.

O fato de que as mesmas pesquisas que mostram Lula como líder numa eventual corrida eleitoral em 2018 indicam que, sem ele no páreo, o juiz Sérgio Moro é o mais votado, revela como é fluída a esta altura a decisão desse eleitor de regiões mais afastadas dos grandes centros do país.

Parece que persiste na base parlamentar de Temer a convicção de que o vento não mudará de direção até a eleição de 2018, e um programa conservador de reformas estruturais tem mais chance de dar resultados positivos do que a insistência numa política econômica populista que já fracassou fragorosamente, além de estar ferida de morte pelas evidências de corrupção.

A reação do senador Renan Calheiros, que, refletindo um problema pessoal de desgaste de seu clã na política alagoana, busca apoiar-se na tentativa precária de reviver o fenômeno do lulismo, parece não ter força para alastrar-se pelo Congresso.

A cada vídeo revelando as entranhas do esquema de corrupção do ex-presidente Lula e sua entourage, menos espaço resta para recuperar a imagem estilhaçada. E é provável que até a eleição de 2018 essa dificuldade se alastre pelas regiões que hoje ainda vivem de um passado glorioso que não volta mais, mesmo que Lula eventualmente venha a ser presidente novamente.

Pois na verdade nunca existiu, era artificialmente criado por marquetagem financiada pela corrupção e por políticas econômicas que não respeitavam as normas legais e favoreciam os grandes grupos econômicos. Sem as reformas estruturais que agora estão sendo tentadas, os efêmeros avanços sociais alcançados já foram quase todos perdidos.

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