quarta-feira, 5 de abril de 2017

No país dos juros altos | Cristiano Romero

- Valor Econômico

Juro alto é resultado de "pacto" perverso da sociedade brasileira

Entre todos os problemas que assolam a economia brasileira, o juro alto parece ser o mais insolúvel. Mesmo em períodos de bonança, como o do boom de commodities entre 2004 e 2010, o juro ficou bem acima dos padrões internacionais. A conclusão à que se chega quando se verificam as razões para essa chaga é uma só: existe um "pacto" perverso na sociedade brasileira que impede a solução dos conflitos que tornam o Brasil, há décadas, o campeão mundial dos juros.

É bom lembrar que o juro é um preço da economia, a consequência e não a causa dos males que nos afligem; um sintoma do conflito distributivo que caracteriza o país desde os primórdios. Não se trata, como muitos acreditam, de valor estabelecido de forma discricionária pelo Comitê de Política de Monetária (Copom) do Banco Central (BC), responsável pela definição da taxa básica de juros (Selic).

Num dado momento, o Copom pode até errar na calibragem da Selic. Mas, num ambiente de normalidade política e se o BC tiver autonomia, o erro será marginal - a taxa é dada pelos fundamentos da economia e deve ser condizente com a inflação na meta escolhida pelo governo. Na última vez em que achou que os juros são, sim, discricionários, o Palácio do Planalto atropelou a autonomia do BC, obrigando-o a baixar a Selic na marra e paralelamente fazendo intervenções nos preços de itens como petróleo e energia para baixar artificialmente a inflação, e produziu a mais longa recessão da história do Brasil.

Abre parêntesis - o desastre é recente, mas os responsáveis não devem ser esquecidos: o Palácio do Planalto estava sob o comando de Dilma Roussef (2011-2016); o Ministério da Fazenda era comandado pela tríade Guido Mantega, Nelson Barbosa e Arno Augustin; e o Banco Central, presidido por Alexandre Tombini, que, como funcionário de carreira, deveria ter gritado, mas optou por permanecer no cargo - fecha parêntesis.

Num pequeno mas oportuno estudo, economistas do banco Credit Suisse chefiados por Nilson Teixeira mostram que a taxa natural de juros ou de equilíbrio - aquela que não deixa a inflação subir acima da meta - caiu em todo o mundo desde a década de 70 do século passado. No caso das economias avançadas, a taxa de juros natural real (descontada a inflação) recuou de uma média de 3,1% ao ano nos anos 70 para 0,4% na década atual.

Nos países emergentes, a taxa natural de juros também caiu. No período recente, o juro real médio diminuiu de 2,4% entre 2000 e 2004 para 1,3% em 2016. No Brasil, os juros recuaram, mas continuam sendo os mais altos do planeta (ver tabela).
Desde a adoção do regime de metas para inflação, em meados de 1999, o juro real ficou abaixo de 5,0% apenas em dois momentos: do terceiro trimestre de 2011 ao primeiro trimestre de 2013, quando houve redução forçada do juro nominal, mesmo com a inflação elevada; e do segundo trimestre de 2013 ao segundo de 2016, quando a inflação acelerou em decorrência do ciclo "discricionário" de afrouxamento monetário.

Aplicando um modelo com equações para demanda agregada, curva de Phillips, produto potencial, crescimento potencial, taxa natural de juros e choque de juros, Nilson e sua equipe estimam que, em 2016, a taxa natural de juro real era 6,9%. "A manutenção da taxa de juros real abaixo de 5,0% nesses períodos coincidiu com a permanência de uma inflação alta. Isso sugere que o juro real nesses momentos foi inferior ao juro real de equilíbrio compatível com os fundamentos (a taxa natural de juros). A taxa de juros real no segundo semestre aumentou, totalizando 6,9% no fim do ano, como consequência da redução da inflação acima do recuo da taxa nominal. Prevemos taxa de juros real de 4,5% no fim de 2017", explica Nilson.

A queda dos juros no Brasil é um desafio não da atual diretoria do BC, mas de toda a sociedade. Muita coisa terá que mudar para que os juros se tornem civilizados. Os obstáculos, observa Nilson, são da seguinte ordem:

1) a política monetária tem baixa eficácia graças à alta inércia inflacionária (por exemplo, mais de 70% dos itens administrados no IPCA são indexados à inflação passada); ao elevado direcionamento do crédito (50% do total), que obriga o BC a calibrar os juros num patamar mais alto para atingir de maneira mais forte empresas e consumidores sem acesso a empréstimo subsidiado; à concentração "moderada" do setor bancário brasileiro, segundo definição da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos;

2) o país tem um histórico de desequilíbrio fiscal que aumenta a aversão dos investidores a risco,. Isso eleva os prêmios e portanto os juros exigidos no financiamento do Estado. Desde 1828, o Brasil deu nove calotes na dívida externa e dois na interna. Além disso, mais de 90% das despesas públicas exigem alteração legal para serem reduzidas, rigidez que dificulta o controle das contas;

3) ao lado de Argentina e Turquia, o Brasil tem uma das menores taxas de poupança do mundo - em 2015, 14,4% do PIB, face à média de 24,9% do PIB dos emergentes. Baixa poupança limita a oferta de financiamento dos investimentos e, por isso, ajuda a manter os juros altos. "Os elevados benefícios da Previdência Social no Brasil, frente a padrões internacionais, contribuem para explicar essa baixa taxa de poupança. Em tese, a aprovação da reforma da Previdência elevará a poupança doméstica no longo prazo e reduzirá a expansão dos gastos públicos, contribuindo para o declínio definitivo da taxa natural de juros", explica Nilson Teixeira.

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