sexta-feira, 28 de abril de 2017

O desequilíbrio | César Felício

- Valor Econômico

Em tempos de crise, conciliação é tema fora de moda

O presidente Michel Temer vai garantindo seu lugar na história como mais um dos governantes cujo período é marcado pelo rompimento do equilíbrio de pesos e contrapesos entre os Poderes representativos. Em situações relativamente normais, é a tensão entre Executivo e Legislativo que leva a uma mediação de interesses dentro da sociedade. Agora há o Congresso no comando.

Para ficar nos exemplos mais recentes, houve ocasiões, como no governo Sarney, em que coube ao Congresso ser a arena política da composição de forças que se contrapõem. Fernando Henrique e Lula, sobretudo o primeiro, arbitraram muitas vezes dentro de seus governos o jogo de forças para forçar um Legislativo reacionário a alguma modernização. E há ocasiões, como a que ficou patente ontem, em que o Legislativo age sem os freios do Planalto.

Aprovou-se uma reforma trabalhista que pode afetar, de forma grave, receitas do governo. Na outra frente, a da reforma previdenciária, uma negociação lassa foca apenas na despesa, ignora-se meios de se garantir a arrecadação. Há todo um estímulo, nas reformas combinadas, de se realizar uma finta na contribuição sobre o trabalho que carreia recursos para a Previdência. Há um avanço de competitividade empresarial que se constrói sobre a massa salarial.

Composto em sua grande maioria por parlamentares, o governo Temer cumpre uma agenda empresarial, sem olhar para os lados. Integrado ou por empresários, ou por políticos sem muitas ilusões de voos majoritários, o Legislativo se blindou a outras vozes.

A catástrofe representada pelo governo Dilma deixou segmentos inteiros da sociedade alienados do mundo político formal. Não são apenas os tradicionais segmentos de esquerda, os movimentos sociais pagos a soldo, as igrejinhas ideológicas que se formam dentro do funcionalismo, são setores que se contam na casa dos milhões de integrantes, não milhares. No momento existe um Executivo e um Legislativo que renunciaram ao papel de mediadores de conflitos na sociedade. É um potencial combustível para perturbações de rua.

Tempos de crise
A opinião é relevante por partir de quem parte. Para o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, a Odebrecht deveria acabar. O holocausto da empresa é o que chamou de "inteira consequência da Operação Lava-Jato", em seminário sobre reforma política promovido pelo Millenium, centro de estudos que dirige.

"Não são tempos normais os que vivemos, são tempos de crise", afirmou a uma plateia de executivos de grandes empresas. Segundo Franco, neste tempo de crise implantou-se no Brasil um capitalismo de quadrilha. "Quem causou a confusão tem que arcar com ela. A responsabilidade criminal e civil deve ser ilimitada", disse o economista. Como parecia achar que não estava sendo enfático o suficiente, reforçou: "A Odebrecht está fazendo um acordo de leniência pelo qual continuará a funcionar. Como é que pode? Que história é essa? acho escandaloso".

O ex-presidente do Banco Central relembrou a atuação da autoridade monetária na época do Proer, entre 1995 e 1997, quando muitas instituições financeiras com problemas, como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus, desapareceram ao terem seus ativos absorvidos por outras organizações. "A Odebrecht e as outras empresas envolvidas precisam ser descontinuadas, ter seus ativos vendidos. Isto seria a melhor maneira de lidar com a crise política. A empresa precisa deixar de existir. Era preciso que a Odebrecht servisse de exemplo". Terminou sua argumentação com a advertência: "Se não se resolver este assunto adequadamente, dentro de algum tempo o mesmo se repetirá."

O público não recebeu a colocação de Franco passivamente e o ex-dirigente da instituição prosseguiu em sua pregação. "Emilio Odebrecht é o nosso novo Ângelo Calmon de Sá", em referência ao antigo controlador do Banco Econômico, aliás funcionário da Odebrecht antes de se tornar banqueiro.

Foi um exemplo polêmico. O Econômico sofreu intervenção em agosto de 1995 e ficou fechado por oito meses, deixando 900 mil clientes limitados a um saque do equivalente a R$ 20 mil por conta, além de 9,5 mil funcionários sem emprego. Com a injeção de R$ 2 bilhões em recursos do Proer, o equivalente hoje a R$ 7,45 bilhões, a instituição foi adquirida pelo Banco Excel. O Banco Central recebeu em troca participações do Econômico em ativos, mas ocorre que o banco que era dirigido por Calmon de Sá, veio a se saber, fazia uma avaliação questionável do tamanho de seu patrimônio.

O ex-banqueiro beneficiou-se de recursos judiciais e dos prazos prescricionais para permanecer em liberdade e com patrimônio pessoal preservado até hoje. A consequência concreta do escândalo dos anos 90 é que o antigo banco de fato desapareceu, na antecipação do processo para "purgar a efervescência do mal", como prega Franco.

O que o ex-presidente do Banco Central propõe, em síntese, é que o Brasil esqueça do conceito do "too big to fail" no meio empresarial, um raciocínio que pode ser aplicado também no mundo político. Se entra na roda o principal grupo empresarial em seu setor, por que não poderia entrar o primeiro colocado nas pesquisas para a eleição presidencial, o governador do estado mais populoso do país e os presidentes das principais siglas governistas?

O risco de se seguir a rota dos tratamentos exemplares é o da falta de controle de todas consequências. O Proer pode ter sido no tempo de Franco um exemplo de saneamento financeiro e moral de um segmento da economia, mas não deixava de ser um risco calculado: o céu não caiu sob a cabeça de quem já estava no Olimpo dos grandes bancos.

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