quarta-feira, 19 de abril de 2017

Quem paga a conta do arrocho | Vinicius Torres Freire

-- Folha de S. Paulo

É difícil acreditar nas contas sobre o que sobrou da reforma da Previdência: sobre o quanto a reforma deve ajudar a poupar. Dá para dizer apenas que vai sobrar algo ruim daí.

Afora milagres, este governo e o próximo terão de achatar ainda mais o investimento ou cortar e conter de fato despesas com benefícios sociais (o que não fez até agora, favor prestar atenção).

A fim de não cortar investimentos "em obras" até quase à míngua em 2019 ou 2020, os governos podem recorrer a medidas tais como:

1) acabar com o abono do PIS (salário mínimo anual extra pago ao trabalhador registrado em carteira, no PIS faz cinco anos e com salário anual médio inferior a dois mínimos);

2) dar cabo do reajuste real do salário mínimo por alguns anos. O piso dos benefícios previdenciários equivale ao valor do salário mínimo.

De outro modo, o "teto" de gastos começa a ruir já no início do próximo governo, por pressão política, social, econômica ou todas juntas e misturadas.

Como se sabe, pela emenda constitucional do "teto", o gasto federal não pode crescer em ritmo superior ao da inflação do ano anterior. Caso alguma despesa cresça além da inflação, como na Previdência, os demais gastos têm de ser arrochados.

Pelos números que voavam nesta terça (18) pelo governo, Congresso e "mercado", as mexidas no projeto de reforma da Previdência reduziriam a contenção de gastos em ao menos 21%. Segundo versões de gente mais inteirada de números e algo mais alarmada, as perdas chegariam a 30%.

Era ilusão achar que a reforma passaria inteira. Mesmo economistas do "mercado" diziam que perdas de até 20% dariam numa reforma de sucesso, bastante até para animar os donos do dinheiro grosso, os credores do governo.

Isto é, aprovar 80% da reforma (em termos de dinheiro) seria suficiente para administrar os arrochos do gasto público de modo a preservar o "teto" de gastos.

Caso o "teto" não venha a cair e se confirmem mesmo as projeções medíocres de crescimento do PIB e aumento da receita federal pela próxima década (2,5% ao ano), seria possível conter o aumento da dívida pública em prazo razoável. Seria então possível, segue o argumento, baixar de modo sistemático os juros.

Esse é o raciocínio do pessoal dito do mercado.

Um dos problemas do argumento é o passo "administrar o arrocho". Mesmo com a reforma na íntegra, seria preciso cortar em algum lugar. Uma reforma 20% menor não vai piorar tanto a coisa, no curto prazo (até 2020). Mas, ressalte-se, a coisa já era ruim.

Sim, o governo pode cortar desperdícios, como tem feito até no caso de concessão de benefícios previdenciários indevidos. Mas isso leva tempo, é trabalho de formiga e, em vários casos, politicamente difícil, ainda mais para um governo que cai pelas tabelas.

Pode-se esperar milagre. Por exemplo, que despesas sociais caiam devido a uma baixa rápida do desemprego. Sim, milagre. Mesmo que o crescimento voltasse rápido, não seria esse o caso do emprego.

Não, não adianta aumentar imposto para aliviar essa situação: o gasto é que está limitado pelo "teto", certo?

Vai sobrar para o quê? Investimento em obra, uma tragédia que prejudica o crescimento. Para algum benefício social, como o abono do PIS.

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