segunda-feira, 29 de maio de 2017

A bomba | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Elite política colhe resultados da sua irresponsabilidade

O cenário político continua conturbado. O preparo da massa para a pizza teve que ser adiado. A coalizão que comandou o processo de impeachment se esfacelou, perdeu o rumo e trabalha para catar os cacos. Difícil que se recomponha ou ache seu rumo. A pinguela ruiu, levando consigo muitos dos que dela se serviram para atravessar o rubicão. Tanto quanto Dilma no início de 2016, Temer é um paciente terminal. Sobrevive, contudo, por falta de alternativa. Falta o que ele próprio foi para a presidente Dilma: a alternativa que deu a todos a esperança da salvação.

Encontrar um substituto não é simples. O ungido tem que sobreviver, não pode estar contaminado pelo material tóxico que se abateu sobre Temer. Eis aí o problema: restam poucas alternativas. Para onde quer que se olhe, qualquer que seja o nome aventado como a saída, em pouco tempo, problemas aparecem e a candidatura se torna radioativa. Nenhum político cabe no figurino e apelar para juízes, aposentados ou não, representa um salto no escuro.

A situação é trágica; um verdadeiro fim de linha. A elite política brasileira colhe os resultados da sua irresponsabilidade, da inconsistência das estratégias que vem adotando, cujo exemplo mais acabado é o processo movido por Aécio Neves contra a chapa Dilma-Temer, iniciado, segundo suas confidências a Joesley, apenas para "encher o saco", uma resposta às "sacanagens" de que teria sido vítima ao longo da campanha.

Aécio e seus estrategistas tiveram inúmeras oportunidades para rever o curso da ação. O ambiente político mudou e Temer se tornou presidente com o apoio de Aécio, mas a ação não foi retirada, mesmo diante dos apelos do novo presidente. A irresponsabilidade e a inconsistência da estratégia beira a insanidade. Pior que cometer um erro, é insistir no mesmo, algo que os que se prestam a defender Temer deveriam considerar.

Ao longo da semana, na ausência de uma alternativa, as vozes em defesa de Temer ganharam força. Com o tempo, o número dos que aderiram à defesa do presidente cresceu. As gravações, disseram, não provariam que o presidente estaria apoiando a mesada para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro. Os defensores do presidente aferram-se aos detalhes, perdendo de vista o contexto e o significado do encontro escuso arrumado com celeridade incomum.

Na operação resgate, é preciso desconsiderar a intimidade e a proximidade entre o presidente e o empresário, os assuntos discutidos, a forma como Joesley foi recebido e tudo o mais, para concentrar-se em umas algumas poucas frases. Não faltam evidências que comprometem qualquer tentativa de fazer do presidente vítima de um ardiloso plano para derrubá-lo. Ainda assim, pedem-se provas irrefutáveis. A técnica pode funcionar em juris, mas não restaura a dignidade e a honra do personagem.

O contorcionismo necessário é evidente. Se o presidente é uma vítima, é preciso fabricar algozes e valores mais elevados envolvidos no caso. O truque é conhecido. A melhor defesa é o ataque. Nesta torsão, o tribunal de exceção em que a Lava-Jato teria se transformado passou a ser o inimigo a combater. Estaríamos diante de repetidas e flagrantes violações da presunção da inocência e do direito da defesa. Enfim, estaríamos diante de um ataque orquestrado ao estado de direito e à liberdade, bens supremos que pediriam defesa intransigente e resoluta.

Sem a menor cerimônia, sem o menor compromisso com a coerência, inventam-se distinções descabidas. Como quer o editorial de sábado de "O Estado de S. Paulo", de um lado estariam "políticos que receberam doações eleitorais qualificadas pelos delatores como propina", enquanto, em polo radicalmente distinto, estariam os "meliantes que elaboraram um plano de assalto bilionário aos cofres da Petrobras ". Feita a ginástica, arremata o editorialista: "Dallagnol, em sua reiterada imprudência, infelizmente comum a alguns de seus pares, dá tratamento isonômico a todos os políticos citados nas delações premiadas." Como diz o ditado, para os amigos tudo, para os inimigos, a lei.

E o que os amigos pedem não é pouco. A ex-presidente do BNDES que o diga. Como já adiantara a imprensa especializada, a gestão austera de Maria Silvia não atendia as necessidades do governo. Nota no site da CNI explicou o se espera da nova administração: "O novo presidente do BNDES não pode perder a oportunidade de executar com celeridade os projetos de financiamento para a indústria e para a infraestrutura".

Para defender Temer, convenientemente, privilegia-se o acessório e deixa-se de lado o essencial do episódio. Esquece-se a presteza com que Temer se dispôs a encontrar o empresário e o tema da conversa que o incriminaria. Temer pode não ter discutido o pagamento das mesadas, mas o fato é que para ele, como para muitos outros, é essencial que Eduardo Cunha e Lúcio Funaro se mantenham em silêncio. Por isto precisava confirmar que os acordos estavam e seriam mantidos. Aliás, não é outra a razão para que as prisões alongadas de Curitiba tenham se tornado um problema. Cunha e Funaro têm emitido sinais de que podem falar, razão suficiente para espalhar pânico Brasília afora.

Os movimentos para interromper a continuidade das investigações são flagrantes. O juiz Sergio Moro, que sabe o quanto pode esticar a corda, percebeu o risco e, fato raro, deu ouvido ao seu "coração mole", absolvendo a esposa de Eduardo Cunha. Moro conhece seus limites, sabe que nem sempre é recomendável fustigar a fera com vara curta. A prisão da esposa de Cunha poderia elevar a pressão sobre seu tribunal.

Pelo andar da carruagem e pelo que as investigações vêm revelando, o presidente até pode se safar deste episódio particular, mas dificilmente resistirá ao que ainda está por vir. Temer não depende apenas da boa índole Rodrigo Rocha Loures. A bomba continua detida em Curitiba, dando indicações de que está pronta a explodir.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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