quinta-feira, 18 de maio de 2017

A ponte caiu | Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Temer se agarrará à condição de fiador de interesses

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) protagonizou a cena mais emblemática da noite de ontem. Andando apressado pelos corredores do Senado, disse, sem fixar os olhos nos jornalistas que o cercavam, que a agenda de reformas estava mantida. Não são reformas deste governo, disse o senador, mas do Brasil. Por mais patética que pudesse parecer, a cena resume a situação em que se encontra o governo depois da denúncia revelada pelo jornalista Lauro Jardim, de "O Globo", de que o empresário Joesley Batista, do grupo JBS, havia gravado o presidente Michel Temer pedindo mesada para o então deputado Eduardo Cunha, que, àquela época, conduzia o processo de impeachment.

O presidente Michel Temer se mantém no poder graças à capacidade de aliançar Congresso, empresários, uma fatia do judiciário e a imprensa em torno de uma agenda de reformas liberais enunciada ainda no início da gestação do impeachment que recebeu o nome de "Ponte para o futuro". As denúncias põem em risco a governabilidade, dirá a possibilidade de manter o ritmo de reformas do Congresso. Não parece claro por que, o conjunto de forças que o levou ao poder, se disporá agora a mantê-lo se o presidente perder a serventia na ocupação do cargo.

O presidente vinha negociando as reformas com um grande conjunto de concessões a vários setores da economia, por meio de perdões e renegociação de dívidas tributárias. Em alguns cálculos, essas concessões já somavam o déficit projetado para o orçamento este ano. Aliançadas com sua base, essas concessões ofereciam aos parlamentares aliados do governo a perspectiva material para que buscassem sobrevivência eleitoral em meio ao vendaval da operação Lava-Jato.

A solução sobre a qual o Congresso passará a se debruçar a partir de hoje tentará preservar, no limite, as negociações que estavam em curso. Esta é uma das razões por que, uma transição conduzida pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, teria dificuldades de se viabilizar politicamente hoje no Congresso.

Visto que os dois nomes na linha sucessória da Presidência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), estão citados na Lava-Jato, é sobre o terceiro nome, o da presidente do STF, que recairia a responsabilidade de conduzir a transição caso o desfecho desta crise se encaminhe para a abreviação do mandato do presidente. Um pedido de impeachment foi protocolado ainda na noite de ontem pela Rede.

No ano recém completado, foi a condição de governo parlamentar que caracterizou a gestão Michel Temer. É um presidente que avançou pela concessão a interesses bem postos no Congresso e no mercado. A solução a ser dada para o desfecho deste governo encontra na manutenção desses interesses, seu principal obstáculo. A aposta do presidente é de que ele é o único nome capaz de manter esse equilíbrio de interesses que se movem no Congresso. É nesta pinguela que o presidente vai se amarrar na tentativa de se manter no cargo.

Contingência
Nos dias que antecederam as denúncias de Joesley Batista, potenciais réus da Lava-Jato já saíam da defensiva em que foram colocados pela divulgação da delação da Odebrecht e, nesta quarentena, já se portavam como se a operação fosse uma contingência contornável. Ninguém falava mais de anistia, manobra abortada pelas digitais indeléveis que deixaria em seus autores. O caminho do meio passou a segue em duas pistas, o fim do foro privilegiado e, no pior das hipóteses, o recurso contra a lei da Ficha Limpa.

O fim do foro é medida há muito reclamada pela opinião pública como atalho para o fim da impunidade. A Fundação Getúlio Vargas já mostrou que apenas 0,6% das ações penais em tramitação no Supremo resultam em condenação. Os parlamentares passaram a temer, no entanto, que os 11 ministros, de quem a população agora até sabe o nome, fiquem mais suscetíveis à opinião pública do que os juízes de seus Estados.

Foram convencidos pela ideia, cavalo de batalha de alguns dos criminalistas mais estrelados de Brasília, de que o fim do foro privilegiado só é ruim para quem é de Curitiba ou do Rio. Tirando os implacáveis Sérgio Moro e Marcelo Bretas, os advogados não veem na primeira instância do resto do país obstáculos incontornáveis para seus clientes.

A aposta é que o Judiciário, nos Estados, protegido pelo anonimato e por relações muitas vezes incestuosas com uma política que lhes preserva proventos além do teto constitucional, lhes faculte processos mais garantistas e prazos prescricionais mais vantajosos.

O fim do foro já passou em primeiro turno no Senado, mas não foi a pressão da opinião pública que levou à sua aprovação. O fim do foro passou a ser enxergado como uma saída para o parlamentar multiplicar as instâncias de seu julgamento enquanto busca a renovação de seu mandato eletivo.

Relator da Proposta de Emenda Constitucional que acaba com o foro, Randolfe Rodrigues (Psol-AP) não descarta o risco de o fim do foro levar seus pares a buscar a sombra das patronagens provinciais. O senador, no entanto, recorre ao Código de Processo Penal para dizer que a competência do processo é dada por suas conexões e sustentar a tese de que os arrolados no Lava-Jato cairão nas valas que lhes foram reservadas em Curitiba e no Rio. O CPP, porém, abriga o lugar e a natureza da infração, além do domicílio do réu, como igualmente determinantes para a alocação do processo.

É com esta expectativa que os deputados aguardam a PEC na Câmara. Depois do malogro da anistia, os parlamentares viveram a agonia de cada dia até serem convencidos de que a proposta é o foro perfeito. Aqueles que cairão inequivocamente nas mãos de Moro ou Bretas, temem o xadrez.

Se a mudança de foro se provar desvantajosa para o parlamentar que pretenda se recandidatar ou para o ministro em busca de um mandato eletivo haverá a possibilidade de se recorrer contra a Ficha Limpa. Desde que a lei foi aprovada, em 2010, muitos parlamentares conseguiram se candidatar, se eleger e exercer seu mandato até hoje com base em liminares e ações nunca julgadas pelo Supremo.

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