domingo, 14 de maio de 2017

A supremacia de Gilmar Mendes | Elio Gaspari

- O Globo

O ministro Gilmar Mendes zanga-se quando são feitos paralelos entre os costumes do Supremo Tribunal Federal e os da Corte Suprema dos Estados Unidos. Tudo bem, mas não passa pela cabeça de mulheres ou maridos de juízes da Corte americana a ideia de associar seus nomes a uma advocacia que atende litigantes com processos em curso no tribunal. A advogada Guiomar Feitosa, mulher de Gilmar, é sócia do poderoso escritório que defende interesses de Eike Batista, ainda que não tenha patrocinado a petição que levou Gilmar Mendes a libertá-lo.

Outro dia, respondendo a uma estudantada do Ministério Público, Gilmar disse que, “se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos de ser ‘supremos’.” Por enquanto, supremo é o tribunal. Ao mencionar sua supremacia, o ministro caiu numa armadilha da História. “Yo, el Supremo” é o nome de um romance do paraguaio Augusto Roa Bastos, tratando da vida de José Rodríguez de Francia, que governou seu país durante 24 anos, até sua morte, em 1840. Francia intitulava-se “Supremo y Perpetuo Dictador de Paraguay”.

Há uma certa bipolaridade na forma como Gilmar distribui adjetivos. Primeiro, chama de “supremos” a si e aos dez colegas. Depois, insinua que um deles, Marco Aurélio Mello, está no grupo de pessoas que “passaram de velhos a velhacos”.

Não há notícia de juiz americano que tenha fundado um estabelecimento de ensino privado em Washington. Gilmar é sócio-fundador e astro-rei do Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP, que mantém profícuos convênios com instituições oficiais.

A briga de hoje com o procurador-geral Rodrigo Janot é feroz e verbal, mas está contida numa moldura jurídica. Gilmar Mendes já brigou com o ex-procurador-geral Inocêncio Mártires Coelho, num litígio de moldura pecuniária, mantido em segredo de Justiça. Inocêncio foi sócio de Gilmar na fundação do IDP em 1998 e, em 2010, os dois desentenderam-se. A encrenca foi encerrada em 2011, a pedido de Inocêncio, que saiu da sociedade levando R$ 8 milhões.

Nessa disputa, Gilmar foi defendido pelo advogado Sergio Bermudes, seu amigo, de cujo escritório Eike Batista é cliente e Guiomar Feitosa Mendes, sócia.

VIVA O HOSPITAL DE CÂNCER DE BARRETOS

Sempre que uma pessoa estiver desencantada com a vida em Pindorama, achando que nada dá certo, é boa ideia pensar por dois minutos no Hospital de Câncer de Barretos. Com 55 anos de vida, ele atende a 1,2 milhão de pessoas por ano, não cobra um tostão (o SUS funciona) e deve seu sucesso à filantropia e dedicação de um corpo médico. Nasceu da fé e da generosidade do fazendeiro Henrique Prata. Ele é testemunha da solidariedade dos brasileiros. O hospital recebe mais de R$ 100 milhões anuais de doações, vindas de todos os andares. Com os cofrinhos espalhados pelo país, arrecadaram quase R$ 2 milhões.

O fotografo Valdir Cruz acaba de prestar uma homenagem ao Hospital de Câncer de Barretos com uma exposição de 28 fotografias de 15 pacientes, todos pobres e de todas as idades. Como diz o título da mostra, são “Retratos do Afeto”. Quase todos foram mutilados pelo câncer, mas todos sobreviveram com a ajuda do afeto de suas famílias e da atenção de uma instituição que se intitula “o hospital do amor”.

Quem estiver com muita raiva dos ladrões apanhados pela Lava-Jato pode vingarse entrando na rede e deixando uma pequena doação para o Hospital de Câncer de Barretos. Estimular quem faz o bem é uma forma de combater o mal.

Serviço: As imagens da exposição “Retratos do Afeto”, de Valdir Cruz, estão na rede.

LULA E A HISTÓRIA
Se Lula contou direito sua própria história ao juiz Moro, não se sabe. Lidando com a História do país que governou e pretende voltar a governar, é certo que fritou-se.

A certa altura, ele informou que decidiu colocar o nome de personalidades históricas nos navios da Petrobras. Assim, homenageou o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o “Marechal Negro”, Antonio Cândido.

Aos 98 anos, o professor Antonio Cândido, que foi um dos fundadores do PT, estava vivo em São Paulo e morreu na sexta-feira. Existe um personagem histórico com nome parecido, é o marinheiro João Cândido, líder da revolta da Chibata, de 1910. Ele é conhecido como o “Almirante Negro”.

É improvável que Marisa Letícia chamasse o professor Antonio Cândido de marechal.

O AEROLULA 2.0
Pode-se discutir se o apartamento do Guarujá era da família Silva ou se o seu chefe sabia das roubalheiras dos comissários do PT. A chegada de Lula a Curitiba e sua partida falam mais que mil palavras.

Havendo rotas regulares de voos para a cidade, Lula chegou e partiu no jatinho da empresa de Walfrido dos Mares Guia, ministro do Turismo e secretário de Relações Institucionais no seu governo. Ele fez fortuna pessoal no setor de educação.

O doutor Mares Guia teve uma militância ecumênica, pois estivera na posição de vice-governador de Minas Gerais ao tempo do tucano Eduardo Azeredo. Ele enrolou-se no caso do mensalão tucano, ou mensalão mineiro, e uma desavença de donas de boutiques acabou disparando o mensalão petista. Mares Guia salvou-se porque completou 70 anos e seus crimes prescreveram. A falecida Marisa Letícia nada teve a ver com o uso do jatinho do amigo.

O CRISTO DE LULA
No meio das “tralhas” que Lula trouxe de Brasília e estão retidas pelo juiz Sergio Moro, há um Cristo Crucificado de 1m10cm que em 2003 ele colocou numa pilastra de seu gabinete.

Lula e Moro poderiam se acertar, liberando o Nazareno. Trata-se de uma peça espanhola do século XVI que estava em mau estado quando foi dada de presente a Lula e ele providenciou o restauro pelo Centro de Conservação da Federal de Minas Gerais. Vale em torno de R$ 150 mil.

Numa conversa com o cardeal José Freire Falcão, Lula disse-lhe que doaria o Cristo à Arquidiocese de Brasília. É só entregá-lo.

Em tempo: Marisa Letícia nunca foi dona dessa imagem.

O CABO E O DUQUE
Para a crônica das condecorações do príncipe Philip e da sua mania de fazer piada com as medalhas alheias:

Não teria sido um almirante argentino quem devolveu um comentário grosseiro do duque de Edimburgo, mas um brasileiro, o almirante Heitor Lopes de Souza. Ele comandava o corpo de Fuzileiros Navais em 1968, quando a rainha e seu marido vieram ao Brasil.

Dois anos depois, ele contou o caso ao seu amigo Luís Fernando Freire. Philip disse-lhe que, com tantas condecorações no uniforme, deveria ter combatido em muitas guerras, ao que Heitor respondeu: “Não, mas estas medalhas eu não as ganhei na cama”.

Muitas serão as versões dessa piada, mas uma coisa é certa, o almirante não tinha papas na língua. Seu apelido era “Cabo Heitor”.

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