terça-feira, 2 de maio de 2017

Cenário parece favorável, mas é incerto

Por Cláudia Safatle, Sergio Lamucci, Catherine Vieira, Angela Bittencourt e Celia Rosemblum | Valor Econômico

SÃO PAULO E BRASÍLIA - A recuperação da economia está em curso e a atividade deve ganhar força nos próximos meses, terminando 2017 a um ritmo anualizado na casa de 2,5%, velocidade que pode se manter ou até se acelerar no ano que vem. A perspectiva de queda dos juros e da aprovação da reforma da Previdência, ainda que um pouco diluída, amparam esse cenário, que, no entanto, tem riscos e está sujeito a incertezas, como destacam os economistas Armando Castelar, Daniel Leichsenring e Luiz Carlos Mendonça de Barros. A convite do Valor, os três participaram de um debate sobre as perspectivas para a economia brasileira nos próximos anos.

Um dos riscos apontados por Leichenring, economista-chefe da Verde Asset Management, é o de haver uma retomada sem expansão firme do emprego ("jobless recovery", em inglês). Apesar do forte aumento da desocupação no período de contração da economia, "a queda da produção foi muito mais expressiva do que a queda do volume de emprego", diz. Assim, as empresas podem demorar para contratar num ritmo mais forte.

Coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Castelar vê a questão de quando o emprego vai reagir como um "divisor de águas" para o seu cenário. Para ele, os juros devem cair neste ano para a casa de um dígito e aí permanecer ao longo de 2018, num quadro de inflação baixa e em que a reforma da Previdência é aprovada pelo Congresso, passo fundamental para indicar que a situação fiscal é sustentável no longo prazo.

Com isso, o país pode chegar ao fim do ano crescendo 2,5% anualizados, taxa que pode se repetir na média de 2018, avalia Castelar. Se o mercado de trabalho reagir, será possível chegar às eleições do ano que vem com alguma tranquilidade, acredita ele, que vê o pleito de 2018 e a situação fiscal como duas das grandes "armadilhas" a esse cenário razoavelmente positivo.

Ex-ministro das Comunicações, Mendonça de Barros considera possível um crescimento de até 3,5% a 4% em 2018. A recuperação cíclica da atividade, num ambiente de grande ociosidade, abre espaço para uma expansão mais forte, avalia ele. Para o economista, contudo, o Banco Central (BC) pode impedir a concretização desse quadro mais favorável, por não promover uma redução drástica dos juros, em níveis que ainda estariam muito elevados. "Ele deveria ter reduzido [mais] o juro, olhado o juro real!" Leichenring e Castelar, por sua vez, têm uma visão mais positiva da política monetária.

Os três mostram preocupação com as eleições presidenciais de 2018. Se a economia não decolar, as incertezas vão crescer, afetando as chances de um candidato comprometido com o ajuste das contas públicas e a continuidade das reformas. Além disso, as denúncias da Operação Lava-Jato complicam o cenário, abrindo espaço para uma eleição com "muitos aventureiros", "à esquerda e à direita, e com muito discurso populista", como diz Castelar. Esse ambiente pode afetar a economia. "Acho que existe um risco bastante plausível de que, no ano que vem, os empresários queiram aguardar o resultado das eleições antes de tomar qualquer decisão de investimento mais significativa", observa Leichsenring.

No debate, os três também trataram de problemas estruturais que comprometem a capacidade do Brasil de crescer a taxas mais altas, como a baixa poupança e as tendências demográficas do país.

Leia a íntegra do debate


A convite do Valor, os economistas Armando Castelar, Daniel Leichsenring e Luiz Carlos Mendonça de Barros participaram de um debate sobre as perspectivas para a economia brasileira nos próximos anos. Veja abaixo a íntegra.

Valor - Partindo do pressuposto de que haverá a aprovação de alguma reforma da Previdência, com alguma diluição, e olhando essa recuperação que parece estar começando, como a economia vai se encaminhar daqui pra frente? Que cenário temos para 2018? Como é que o país se desenha, olhando um pouco mais estruturalmente?

Armando Castelar: É um cenário em que a economia acelera ao longo de 2017, termina o último trimestre com uma taxa anualizada na faixa de 2,5% e tem um 2018 nesse ritmo, mais ou menos. A inflação vai ser baixa, os juros possivelmente vão terminar o ano em um dígito e continuar ao longo de 2018. De forma geral, o cenário é positivo.

A pergunta é: quando o emprego vai reagir nesse meio tempo? Acho que esse é um pouco o divisor de águas. Nosso cenário ainda é de uma taxa de desemprego na faixa de 11% e obviamente, o grande dragão da economia brasileira, que é o fiscal.

A gente, de alguma forma, tem que estar sendo capaz de dar a sinalização de algum caminho que é ajudado, obviamente, pela reforma da Previdência, mas não é só reforma da Previdência, particularmente se ela for, de alguma forma, diluída nesse processo de aprovação. A forma como o governo está lidando com o déficit deste ano, de fazer um corte de despesas, torna um pouco mais apertado cumprir a meta do teto no ano que vem, então a gente novamente deve ter alguma tensão. Mesmo que com a recuperação as receitas comecem a se recuperar, deve ser uma temática importante no ano que vem, basicamente num ano de eleição, num ano onde você, politicamente, gostaria de ter alguma folga.

O cenário, eu acho que, do ponto de vista da população – tirando a questão do desemprego, que também não é uma questão pequena – é bastante positivo. Se o emprego evoluir bem, eu acho que você pode ter uma ‘pousada’ na eleição com alguma tranquilidade.

E apesar de a taxa de desemprego ficar alta, a gente já este ano prevê aumento do emprego e uma estabilidade do rendimento real. No ano que vem você já teria um aumento mais forte do nível de emprego e do rendimento real. Então, você veria uma massa salarial com desempenho razoável no ano que vem. Isso pode dar uma sustentação, eu acho, boa para uma eleição que não seja muito preocupante.

O cenário central é positivo, mas com muitas armadilhas que podem complicar. Eu destacaria essa questão fiscal e a eleição. Eu acho que inevitavelmente vai ser uma eleição com – pra usar uma expressão do Haddad - muitos aventureiros. À esquerda e à direita, e com muito discurso populista.
Daniel Leichsenring: Em linhas gerais, o cenário que a gente tem também é de uma retomada da economia que começa de maneira gradual e atinge alguma velocidade de escape, ou de cruzeiro, ao longo do segundo semestre.

Dado o tamanho da queda, a gente teve uma contração de PIB de quase 7%, crescer 3% não deveria ser algo, assim, milagroso. A base é muito fraca e qualquer crescimentozinho – seja por um ajuste de estoque feito ou por um impulso do setor agrícola, seja porque as pessoas se retraíram tanto no auge da crise que uma melhora de perspectiva leva a um pouco do aumento do consumo – eu acho que é plenamente plausível.

Vejo mais riscos do que o cenário do Armando na questão do mercado de trabalho. A gente fez uma série de estudos recentes pra tentar verificar, na prática, o tamanho do ajuste do mercado de trabalho. A taxa de desemprego saiu de algo como 6,5% pra algo perto de 13% num intervalo de tempo muito curto. Foi um aumento muito grande do desemprego. Só que se você olha pra outras métricas que não a taxa de desemprego, o ajuste no mercado de trabalho parece estar muito longe de ter sido completo.
Se você olha o volume, a queda na produção, tanto de serviços quanto de bens industriais e compara com a queda no nível de emprego nesses setores, a queda na produção foi muito mais expressiva do que a queda do volume de emprego.

A gente está sofrendo uma perda da produtividade no trabalho. Essa métrica, no fundo, serve a vários setores da economia. A gente tem uma situação tal que poderia ter um crescimento de produção muito significativo com o mesmo volume de população ocupada se a gente fosse voltar para algum tipo de média de produtividade que se observou, digamos, de 2010 a 2014. Ou seja, a gente teve uma contração espetacular da produção e uma contração também dura do emprego, mas relativamente muito menos intensa do que a contração no mercado de bens.

A gente viu todo o debate nos Estados Unidos, no pós-crise, e se cunhou o termo da jobless recovery. E no Brasil eu acho que a gente está numa situação muito semelhante àquela dos Estados Unidos, que a queda do mercado de bens e de serviços foi muito mais drástica do que a queda no mercado de trabalho, sob o ponto de vista de população ocupada.

A gente fez várias contas pra diversos setores. Para você produzir hoje, precisaria ter um volume de população ocupada de quase 4 milhões de pessoas a menos do que hoje, pelo último dado da Pnad.
O segundo fato é: ao longo dos últimos dez anos, até um pouco mais, a gente viu acontecer no Brasil uma sequência ininterrupta de aumentos de salário real muito acima da produtividade.

O dado fechado de 2016 marcou o ponto mais alto na relação salário-PIB das últimas duas décadas. Qual é a contraparte dos salários sobre PIB estarem no seu ponto mais alto? É que os lucros, como proporção do PIB, estão no seu ponto mais baixo, também, dos últimos 20 anos. E eu digo isso, que é particularmente relevante para o caso que a gente se encontra, porque se as empresas querem voltar a produzir alguma coisa, querem voltar a investir para aumentar sua capacidade, elas vão ter, de alguma maneira, de recompor a rentabilidade que elas perderam ao longo desse processo.

E me parece que há vários mecanismos pelos quais elas podem tentar recuperar a lucratividade: ou vai tentar aumentar preço, que parece que a demanda de fato não aguentaria, a inflação aqui me parece clara em mostrar isso. O outro é tentar melhorar um pouco a questão financeira, via corte de juros, alavancagem, também melhoram a rentabilidade das empresas. Só que ainda assim acho que não é o suficiente.

A gente vai ter que ir pra última, as empresas vão necessariamente ter que olhar pra dentro da sua porteira e falar: “Onde é que eu tenho margem de custos em que eu posso reduzir”? E me parece que tem muito, ainda, o que ser cortado das empresas pra elas reconquistarem a rentabilidade perdida do mercado de trabalho.

Eu acho que ainda vai haver um período relativamente grande em que as empresas vão cuidar ao máximo de não aumentar a sua folha de pagamentos com pessoal em nenhuma hipótese. Na hora que a gente tiver uma certa reconquista da rentabilidade, é razoável esperar, aí sim, que a gente tenha uma retomada mais forte de investimento e daí, eventualmente, da renda real voltar a crescer, etc e tal. Da produtividade também.

Então, a visão segue um pouco mais cautelosa, que eventualmente a gente chegue, até, a ter um PIB de 2,5%, eventualmente, em 2018, mas me parece que o nosso cenário, com o qual a gente trabalha de fato, é um PIB um pouco mais baixo do que esse, talvez chegando, em algum momento, a 2,5%, mas convergindo para algo como 1%, 1,5% por algum tempo.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Tenho procurado explorar um pouco a ideia de que essa recuperação cíclica não é parecida com outras que vivemos no passado. Ela tem uma natureza própria, que dá ao que estamos vivendo um metabolismo econômico diferente do que a gente normalmente olha aqui no Brasil. A jobless recovery americana é exatamente isso. Por que a recuperação cíclica de agora não é igual à de outros momentos no passado? Pela queda da atividade econômica. Pelo hiato de produto que se criou aqui no Brasil. Nunca tivemos isso.

O Brasil está vivendo um pedaço de uma bolha de consumo de crédito e de gastos fiscais gerado pelo governo do Lula e da Dilma. Com uma diferença, que é uma das heranças malditas, de 2004, quando entramos num ciclo de commodities e o governo do Lula conseguiu fazer a mágica da multiplicação dos pães. O Brasil, quando entrou nesse ciclo, tinha ganhos de produtividade muito fortes, nós dobramos o mercado de crédito. Esse ganho de produtividade passou pro setor produtivo e o Lula, com a mão de gato dele, roubou um pouco dessa produtividade via aumento do salário mínimo.

Como nós sabemos que o salário mínimo é a base principal, no mercado de trabalho, da pirâmide de salários, quando ele aumentou o salário mínimo, as empresas foram obrigadas a empurrar pra cima toda a sua estrutura de salário, num momento em que o ganho de produtividade era tal que dava pra dar um pedaço pro trabalho e ganhar um baita dum pedaço no capital. Só que este período termina em 2008, 2009, 2010. Tem um último respiro que, foi dado pela China, em 2010, teve aquela política ultra expansionista, que empurrou o preço de commodity lá pra cima e o Brasil ganhou um novo fôlego. Só que é a visita da morte, a última euforia de um sujeito que está doente.
Passada essa fase, o ganho de salário já passou à frente do ganho de produtividade. Aí, a Dilma ainda tentou uma última cartada, com crédito público, juro do Banco Central, só que a bolha já tinha explodido.

O que nós estamos vivendo hoje é – em termos macroeconômicos e mesmo micro – diferente. E é por isso que eu fico p... da vida com o Banco Central, que tem uma política monetária como se nós não estivéssemos vivendo uma dinâmica diferente! Com esse negócio de 50, 50, 50... Agora, claramente, com os ajustes que foram feitos, com uma nova política econômica, vamos dizer assim, e com essa queda, você diz, de 7% do PIB; eu uso os 11% da absorção interna, que o argentino Fernando Montero fala. Isso, que é a mesma coisa que aconteceu nos Estados Unidos e um pouco, quase a mesma coisa, que aconteceu na Europa.

Essa dimensão da queda da demanda interna gera um metabolismo econômico diferente. Tanto é verdade que o Fed (Banco Central dos EUA) foi por esse caminho, o Draghi (Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu) foi por esse caminho e hoje você tem um sucesso extraordinário de uma política monetária que sempre foi catalogada pelos conservadores como irresponsável.

E nós estamos aqui, me desculpe, mas a maioria dos analistas, considerando como se nós estivéssemos vivendo um período de contração de demanda absolutamente normal, ou igual ao que nós tivemos no passado, e não é. Só que isso tem ainda um outro problema mais grave. Nós devíamos estar ajudando o governo Temer a se fortalecer pra enfrentar não só as reformas, como a eleição em 2018. E a atuação do Banco Central está fazendo exatamente o contrário!

Num momento em que nós precisaríamos ter, realmente, estímulos na economia para que a opinião pública começasse a sentir ... ventos melhores, nós estamos empurrando pra frente isso! E só mais uma coisa, que eu concordo com você: o mercado de trabalho nosso, ele ainda herdou do Lula, realmente, um desequilíbrio entre produtividade e salário, medido por qualquer forma que se queira medir. E que portanto, ao longo do tempo, as empresas vão ajustar isso. Agora, tem uma outra coisa que você não considerou, e pra mim é importante, que é o que eu chamo de ‘síndrome do empregado desempregado’. Que é uma coisa que o Zé Pastore (economista) fala muito. Com uma crise de desemprego como nós tivemos, mesmo o cara que está trabalhando começa a agir como se estivesse desempregado, dado o drama que é, de repente, ele ver o vizinho, parente, o amigo desempregado, sem renda totalmente. Ele trava. Então, você tem uma correlação entre empregado e desempregado, ainda, muito favorável pro empregado.

De maneira que, quando começar a pintar, na mídia, nas conversas de bar, um certo “olha, fulano de tal voltou a ser empregado, o outro...”, você começa, progressivamente, a desviar esse comportamento ultraconservador do empregado pra um comportamento mais racional em função da sua renda e da sua qualidade de vida. É este movimento – não a redução do desemprego – que vai levar a um certo estímulo de consumo. E é por isso que o meu número pra 2018 é um pouco mais alto que o de vocês dois.

Agora, isso não resolve o problema da herança de desequilíbrio de salário e produtividade que você levantou muito bem e que eu concordo. Isso é um problema pra frente.
Agora, para mim, o crucial é uma política monetária que não está levando em consideração o fato de estarmos vivendo com uma depressão, uma quase depressão com uma característica muito própria e mais do que isso: nós estamos jogando o nosso futuro aí, em 2018.

Valor: Como o Banco Central deveria agir?
Mendonça de Barros: Ele deveria ter reduzido o juro, olhado o juro real! Não existe um juro estrutural de equilíbrio. Existe um juro estrutural de equilíbrio dependendo das condições de demanda que você tem. Então, se nós estamos com essa queda de, seja medida pelo PIB, seja medida pela absorção interna, nós deveríamos estar com um juro real, hoje, de 2%, 3%.
Valor: Uma política monetária expansionista.
Mendonça de Barros - É óbvio. Mas, claramente, qual é a função do Banco Central? Eu preciso me posicionar em função do ponto do ciclo econômico que eu estou! Se eu estou abaixo da média do ciclo, se eu estou na média do ciclo ou se eu estou no ciclo acima. Eu me posiciono aí de que maneira? Com o juro real. O juro real está crescendo! Agora, o que que é? Eu sei qual o problema do Banco Central, porque eu já fui, também, diretor do Banco Central. É: se eu, nesse momento, dou uma porrada pra baixo no juro, olha o que eu vou provocar de perdas e ganhos nos mercados futuros que tem aí! O que vão dizer lá em casa se eu reduzir o juro em 300 pontos numa reunião?
Valor: Eu queria perguntar pro Armando e pro Daniel, qual é o peso que a política monetária pode ter nessa demora da economia em reagir e de onde vem a retomada, já que do consumo não virá, provavelmente do fiscal não virá...
Mendonça de Barros: Não, pera aí: do consumo virá se ocorrer esse fenômeno de relaxamento do medo do desemprego. Porque se não tiver consumo, o PIB não anda.
Valor: Mas não virá do investimento?
Mendonça de Barros: Não.
Valor: E a questão da política monetária, o Banco Central está muito errado? Está atrás da curva? Deveria acertar? Como vai estar o ano que vem, ou como poderia estar?
Valor: Antes de avançar nessa discussão, um falou em crescimento de 2,5%, o outro falou mais ou menos em 1,5% a 1% e o Mendonça de Barros falou que acha melhor do que os dois, mas não disse quanto.
Mendonça de Barros: 3,5%, 4% pra 2018. Pelo menos na parte final. Eu acho que fecha este ano com o número do Daniel, 2%, 2,5%, no último trimestre. Eu acho que pode chegar, em algum momento de 2018, a 4%. O desemprego pode até continuar, estatisticamente, subindo, mas eu acho que vai acontecer esse fenômeno do empregado começar a gastar um pouco do seu dinheiro.
Valor: A recuperação seria uma recuperação cíclica.
Mendonça de Barros: Isso.
Valor: Aumento de investimento só viria posteriormente e só em determinadas condições.
Mendonça de Barros: Concordo.
Valor: E qual o risco de ter esse soluço em 2018 e com um governo não reformista, que não continue no que se imagina que seria um governo que levaria a retomada à prosperidade, de novo num marasmo econômico?
Mendonça de Barros: Quarenta por cento de chance.
Valor: Daniel responde, então, sobre a política monetária. Se quiser aproveitar, também falar um pouco sobre desenvolvimento.
Leichsenring: Sobre a política monetária, vou ser um pouco mais moderado (risos). Mas usualmente o Banco Central sempre se encontra numa situação em que ele tem que escolher entre a inflação e o desemprego, ou hiato do produto, ou a forma como você quer chamar. Na situação atual, de fato a gente tem tanto uma inflação abaixo da meta quanto um hiato do produto aberto. Então hoje não tem que escolher entre uma coisa e outra. Neste caso, naturalmente que abre-se um espaço significativo pra de fato cortar juros.
Desde o primeiro trimestre de 2016, na prática, houve um afrouxamento monetário bastante expressivo. Se pensar as curvas de juro no primeiro trimestre de 2016, eram taxas de juros a 16% ao ano, a perder de vista. Hoje estamos falando de uma taxa de juros um pouco abaixo de 10% ao ano, para um horizonte de quatro ou cinco anos.
Nessa velocidade, ao longo de quatro, cinco reuniões, você chegaria a 7% de juros. É um ritmo que eu considero bastante razoável. Mas de maneira geral, eu acho que estamos caminhando na situação correta. O que eu reverbero um pouco a crítica do Luiz Carlos é o seguinte: de fato, essa recuperação econômica é um animal diferente das recuperações cíclicas ordinárias que a gente teve no passado.
Nenhuma crise foi da intensidade que a da crise que gente está experimentando. E, em adição a isso, a gente tem supostamente dois fatores que agora têm uma dinâmica muito diferente do que se tinha no passado.
Um: a política fiscal. Se o teto de gasto efetivamente for cumprido, vai fazer com que o crescimento do gasto público seja muito inferior ao que a gente teve na média dos últimos 20 anos. O segundo ponto é com relação ao crédito, em particular do crédito subsidiado pelos bancos públicos. Se de fato a gente tiver uma postura duradoura neste quesito, é natural esperar que o Banco Central poderia reduzir a taxa de juros numa magnitude ainda maior.
Se a gente tiver essa recuperação da atividade econômica muito mais gradualmente e lentamente, esse espaço de taxa de juros vai se materializar no futuro e a gente vai falar, daqui a um ano, em taxas significativamente mais baixas do que é o consenso de mercado: 8,5%, ou 8%, como a pesquisa Focus (do Banco Central) indica.
Castelar: Eu acho que o Banco Central está, obviamente, com a questão do nível de atividade, da inflação. Um pouco na mesma direção que o Daniel estava tomando, com um ângulo diferente, eu acho que a visão do Banco Central é como derrubar o juro permanentemente no Brasil.
A gente já teve muitas vezes essas idas e vindas de baixa juros. Desde a estabilização, em 1994, a gente já viu, aqui, essa experiência muitas vezes.
Acho que o Banco Central não está preocupado só com a inflação de 2018, ou a taxa de crescimento. Ele quer ver se consegue construir um nível de credibilidade que efetivamente faça os juros longos – que como o Daniel observou já estão mais bem em baixa do que estavam nos últimos anos – descer mais.
Então, é um instrumento com mais de um objetivo. Se você olha o único objetivo do nível de atividade, obviamente, parece que está sendo excessivamente conservador, mas acho que ele está com um conjunto de objetivos diferentes em mente. E diga-se de passagem, tem sido extremamente bem-sucedido nesse processo.
Se a gente voltar seis meses, parece que ninguém acreditava que a inflação em 2017 ia ficar em 4,5%. Todo mundo achava que o Banco Central estava viajando ao achar que a inflação poderia cair pro patamar que caiu. Como também foi colocado, está claro na comunicação do Banco Central que ele vai reduzir juros. A discussão é com que velocidade ele deve estar baixando e não o quanto ele deve estar baixando.
Valor: Você acha que no ano que vem vamos estar, segundo a visão do Daniel, possivelmente, com um nível de juro mais baixo?
Castelar: Com certeza. Acho que tem duas incógnitas que são importantes nesse processo. A primeira é o que acontece lá fora. É bom lembrar que seis meses atrás a gente estava achando que os juros iam subir loucamente nos Estados Unidos...
Mendonça de Barros: Eu não, cara-pálida!
Castelar: O mercado, não estou dizendo todo mundo, tá certo?
Mendonça de Barros: E a minha coluna no Valor?
Castelar: Eu acho que tem ainda algum grau de incerteza com a eleição na França, com o que acontece na Europa, que é uma coisa não trivial. Também tem um componente no Banco Central que é um pouco receio de que seja pelo lado da condução do fiscal, seja pelo lado externo, a gente pode viver um processo de turbulência a curto prazo. Isso não está afastado, é uma coisa que também influi um pouco nessa velocidade com que ele está trabalhando. O que eu vejo como uma discussão mais razoável é uma coisa um pouco mais moderada do que baixar 300 pontos na próxima reunião. Eu vejo; eu sei que você vê diferente.
Mendonça de Barros: Não foi o que eu falei. Eu falei que ia abaixar 300 pontos quando ficou claro o ciclo que nós estamos vivendo.
Castelar: Agora, só duas coisas, muito rapidamente: sobre a questão do emprego, o que você falou eu concordo 100%, mas eu tiro uma conclusão um pouquinho diferente: acho que você está falando de um conjunto de grandes empresas para as quais a gente tem números de emprego formal. Nossa previsão sobre aumento de emprego é de emprego informal. Dois terços do emprego estão no setor de serviços, do qual uma parte muito grande é informal. Eu não estou discordando, estou tentando matizar um pouco a sua conclusão.
Mas concordo, a questão da produtividade, o espaço no Brasil é extremamente pouco produtivo. A gente tem um estudo que conclui que os serviços modernos no Brasil têm a produtividade dos serviços tradicionais nos Estados Unidos. É um negócio absurdo e verdadeiro.
Leichsenring: Só queria comentar o estudo que a gente fez sobre o mercado de trabalho formal e informal. Na medida do possível a gente tentou compatibilizar os dados da Pnad com as métricas das contas nacionais para avaliar, setor a setor, o nível de emprego em cada um eles, comparado com a produção. E a dinâmica que você descreveu, eu acho que está clara; o mercado informal tem uma dinâmica bem diferente do que é a dinâmica das grandes empresas, só que ainda assim a gente vê um volume de mão de obra em desacordo com o patamar atual de produção.
Castelar:- Mas o meu ponto era: será que você pode ter uma recomposição com queda de produtividade, recompondo por setor? O negócio é que você está olhando setor por setor.
Leichsenring: Isso.
Castelar: Mas você pode baixar a produtividade do trabalho na economia se você aumentar a participação de setores de baixíssima produtividade, e aí você tem espaço pra acomodar mais emprego.
Leichsenring: ... Perfeito. Acho que a crítica é perfeita, válida. Nesse caso, eu me tornaria muito mais pessimista com o Brasil, porque significa que no fato o nosso crescimento potencial vai ser muito mais fraco porque você está destruindo, ao longo do tempo, os setores mais produtivos e privilegiando os setores menos produtivos. Nesse caso, é uma questão estrutural ainda mais...
Castelar: Mais complicada.
Leichsenring: Só o último ponto sobre o que vai puxar a economia no ano que vem, se nós estivermos certos que é uma jobless recovery, você pode, sim, ter o fator do otimismo das pessoas ao deixarem de perder, ou não perderem o emprego, de voltarem a ter um padrão um pouco maior de consumo, e isso é plenamente plausível, eu acho que até é o mais provável.
Agora, isso é uma mudança de nível. Não é uma mudança na taxa de crescimento. É como se de um momento pra outro a taxa de poupança saísse de um patamar A para um patamar B e nessa trajetória você tem um pouco mais de consumo. A partir do ponto B em diante, você precisa de crescimento da massa de salário real pra sustentar o crescimento de consumo.
A gente está numa situação agora em que o consumo cresceu um pouco menos do que a massa salarial, sugerindo fortemente que tem esse componente de retração das pessoas diante da adversidade. Poderia permitir um primeiro momento de consumo um pouco maior, mas depois daquele momento seria necessário algum tipo de aumento da massa salarial pra ter algum crescimento sustentável do consumo.
Se a gente começar a ter aumentos salariais, agora, reais, sem ter corrigido a distorção do salário e da produtividade ao longo dos últimos anos, eu não acho que vai levar a gente a um momento de demanda muito bom por um período prolongado. Porque no fundo a gente tem uma certa bolha de consumo e uma certa bolha de renda em relação à produtividade.
E se as duas coisas forem ser corrigidas é porque a renda vai cair em relação à produtividade e o consumo vai cair em relação ao PIB. Então, não será do consumo, ao longo do tempo, que virá o grande empurrão pro crescimento do PIB. Deveria ser pelo investimento. Certamente não será pelo investimento público e me parece muito pouco provável que será pelas exportações líquidas, a não ser para o próximo um ano. Sustentadamente, com esse nível de câmbio, com esse tipo de rentabilidade, competitividade brasileira em relação ao exterior, não me parece. É uma trajetória que a gente espera que seja lenta e muito gradual. Eventualmente, assim, o nosso dado de PIB na planilha, no ano que vem, é algo entre 1,5% e 2,5%. A gente coloca um range muito grande porque a gente tem uma incerteza muito significativa.
E o último ponto: acho que existe um risco bastante plausível de que no ano que vem os empresários queiram aguardar o resultado das eleições antes de tomar qualquer decisão de investimento mais significativa.
Mas tem alguns outros riscos fora o setor externo, também concordo, que são significativos. Qual é a agenda que vai prosperar no Congresso ao longo de 2018, quais são os efeitos da Lava-Jato...
Não me lembro de ter uma maioria no Congresso dessa magnitude pra votar temas tão impopulares num governo que não tem nenhum respaldo popular. Só que é uma surpresa inacreditável. Pro bem. E não sei se essas condições estarão dadas de 2019 em diante ou se elas são únicas do período em que a gente vive. Enfim, um horizonte assim de enormes questões pela frente e se você não está com dúvida é porque não tem prestado atenção direito!
Mendonça de Barros: Eu estou emitindo minha opinião aqui olhando pra 2018, porque as eleições de 2018 abrem um outro universo de possiblidades sobre as quais nós não temos a menor condição, hoje, de emitir qualquer juízo mais concreto, certo?
E a nossa sorte é ter essa recuperação, e por isso eu fico muito bravo quando se joga fora. Essa recuperação cíclica caiu do céu para nós que queremos construir alguma coisa de mais eficiente pra frente.
Ela está aí porque na cabeça dos políticos está, de certa forma, essa intuição de que as coisas o ano que vem vão melhorar.
Agora, claramente, quando você pula pra 2019, construção de um cenário econômico, ele é absolutamente impossível se você não estabelecer a priori algumas premissas que vão acontecer.
São duas situações limite que a gente vive: o Brasil não conseguiu, esses anos todos depois da ditadura, construir um modelo econômico e político de sustentação de longo prazo, então sempre viveu de ciclos. Outra lição é que no ciclo da catástrofe, do abismo, a sociedade brasileira, toda vez que chegou perto, caminhou no sentido oposto e não pulou no abismo.
Valor: Aliás, Luiz Carlos, eu acho que o Congresso só responde quando está à beira do abismo.
Mendonça de Barros: Não tenha dúvida disso, não tenha dúvida!
Valor: Talvez isso explique um pouco do comportamento do Banco Central.
Mendonça de Barros: O que eu digo é o seguinte: todo mundo – empresários, o Congresso –, todo mundo sentiu o bafo da morte nos últimos dois anos. Por isso, não se explica um presidente como o Temer ter a energia pra fazer essas mudanças, se não for o bafo da morte. Porque ele não é uma pessoa dotada de qualidades pra liderar um processo como tem aí.
Mas ele é visto como a pinguela do Fernando Henrique, que é a melhor expressão que eu já ouvi nos últimos anos. E o que é pinguela? Pinguela é uma ponte que você constrói pra quebrar o galho pra aquela passagem!
Então, a nossa pinguela é pra chegar em 2019 com um presidente da República de uma certa qualidade. Com uma possibilidade – que hoje ficou mais forte, com essa denúncia toda que foi feita aí – de um sistema político em frangalhos. E de novo com a necessidade de se reconstruir o sistema político e talvez, aí, chegar com algum sucesso na causa primeira de todos os problemas que nós vivemos nesses anos todos, que foi a Constituição de 88. Quer dizer, reescrever a Constituição. E aí sim, tirando – não via limite de gasto, tal e coisa –, mas tirando do núcleo central os direitos, as obrigações do Estado, tudo isso que a gente sabe.
Valor: Eu queria fazer uma pergunta sobre a questão de eleição, justamente nisso: qual o cenário vocês veem? Em que medida a eleição vai começar a contaminar o econômico e o econômico contaminar o político?
Castelar: Eu acho que é extremamente difícil responder a esse tipo de pergunta. Se na economia já é complicado fazer previsão, política eu acho que é quase impossível. Eu falei isso no início: eu acho que uma economia que está andando bem, que o eleitor tem a percepção de que as coisas estão melhorando, a tendência é que ele não queira balançar o barco com uma coisa mais radical. É razoável pensar isso. Se ele está desesperançado, posições radicais são mais atrativas. Num certo sentido, vira um voto de protesto contra o establishment, ou contra o que está aí.
Valor: A pinguela ficaria de pé?
Castelar: É, a pinguela fica de pé também na política.
Valor: Do ponto de vista político, o fundamental nessa recuperação seria então ter uma recuperação no emprego. Aí é que as pessoas vão saber se a coisa melhorou ou não.
Castelar: É, ou a recuperação ou visão de que ela está ocorrendo. Eu não acho que necessariamente o cidadão tem que estar já empregado. Ele tem que entender que o emprego está aumentando.
Valor: Há um desequilíbrio ainda forte entre salário e produtividade, que vai ter que ser ajustado no futuro. Ora, se não foi ajustado num tamanho de recessão que nós tivemos, o que que vai fazer esse reequilíbrio? A terceirização, por exemplo, é um elemento pra fazer isso?
Castelar: Não, eu acho que esse desequilíbrio é uma questão mais de médio prazo, que tem a ver com competitividade, com recuperação de lucro e de investimento. Eu acho que a expectativa – sei lá, o Daniel pode me corrigir se eu estiver errado – não é que tudo se corrija instantaneamente daqui até 2018. Do mesmo jeito que também o desajuste não foi construído num ano ou dois. Ele foi construído ao longo de mais de dez anos.
Leichsenring: Laboriosamente construído.
Castelar: Laboriosamente construído, né? Então eu acho que a importância disso pra eleição existe, mas não é o tema dominante. Quando tento entender por que o parlamento está votando em medidas que são impopulares quando a gente está se aproximando uma eleição, eu entendo que é porque o parlamento que está aí quer que o eleitor que vote o ano que vem esteja feliz com o que está aí, porque senão ele vai começar a votar de uma maneira muito mais radical e fora dos partidos tradicionais. Se não já felizes, pelo menos com esperança.
Eu acho que o ponto que o Daniel trouxe sobre a questão do investimento, do empresário esperar, quão mais incerta a eleição parecer, mais empresários vão esperar. Existe uma contaminação em duas direções, sem sombra de dúvida. O espaço pra você fazer reformas e fazer coisas, provavelmente em outubro desse ano vai estar se fechando e o que a gente pode fazer é torcer pra que a gente consiga andar o suficiente pra ter uma eleição que não pareça uma total loteria e, portanto, o investimento não se retraia com o risco político de uma maneira muito significativa.
Mendonça de Barros: A Lava-Jato, do ponto de vista da política, é explodir com tudo o que a gente sabe dos últimos, sei lá, 30 anos. E a reforma política mais importante que está acontecendo no Brasil é não ter dinheiro pra financiar as campanhas de 2018. Não tem!
Quem é, qual o empresário que vai dar um tostão? Aí vai aparecer ‘o dinheiro do crime’... Esquece. Não tem escala. Vamos ter uma eleição com todo esse aparato de comunicação destruído; com um aparato novo, que são as redes sociais, que ninguém sabe direito, do ponto de vista de uma eleição, como é que as coisas vão funcionar. E com toda a liderança política numa situação... Ninguém sabe o que que vai acontecer. A gente tem um governo de transição que se mostrou capaz de um mínimo de organização – e isso é verdade; está funcionando. Banco Central, Ministério da Fazenda, o controle de gastos, que já está aparecendo... E funcionando politicamente. Talvez nem ele sabe direito por que tem essa força. Mas é um pouco, pra mim, a leitura é dessa natureza do brasileiro de, num momento de uma crise dessa dimensão, escolher um lado e ir em frente.
Daqui pra frente o que nós vamos herdar do período do Lula a gente sabe: é um sistema político totalmente destroçado, sem se ter nenhuma ideia do que se pode colocar no lugar; uma economia exaurida por anos de uma irresponsabilidade, com problemas de ordem macroeconômica seríssimos e que, se não for tratado adequadamente, é um futuro muito ruim. Aí sim, é um futuro de 1,5%, sei lá eu, de crescimento do PIB.
Então, nós estamos jogando o nosso futuro político e o futuro da economia realmente no resultado dessas eleições. E mais do que o resultado dessas eleições, na capacidade do Temer de administrar esse período todo que tem aí.
Valor: Como vocês veem a questão fiscal nesses próximos dois anos? Vai precisar de mais imposto? O teto fica de pé ou vai ter que ser renegociado em 2019? O fiscal é um grande desafio ainda?
Leichsenring: Eu tenho uma opinião razoavelmente forte sobre o assunto fiscal, que é: a PEC me parece praticamente impossível de ser cumprida por mais de dois ou três anos. Uma condição absolutamente essencial pra você ter alguma chance de cumprir a PEC do teto é fazer a reforma da Previdência. Se há um ponto de partida, é esse. Porque em grandes números, política social mais Previdência respondem por praticamente metade do orçamento público federal. Mais ou menos. E que tem um crescimento vegetativo hoje da ordem de 4% ao ano, que é o número de pessoas que atingem a idade de aposentadoria. Então, se a PEC do teto diz que crescimento real do gasto público é zero e tem metade que cresce, digamos, 3%, a outra metade tem que decrescer 3% pra cumprir a PEC do teto. O que que tem na outra metade? Tem saúde e educação, que são duas rubricas que a própria PEC do teto estabeleceu como um crescimento mínimo à inflação, quer dizer, protegeu em termos reais, e você tem mais servidor público, que pelas regras de carreira dificilmente tem queda real.
Então você terminou lá com uma rubrica de ‘Demais’ que vai pagar basicamente toda a conta do crescimento dos gastos demográficos que vêm da política social mais ampla, enfim, que são as garantias constitucionais.
O que que tem nesses “demais”? Tem todo o investimento, tem toda a parte de transporte, tem tudo que é relação diplomática, defesa... Tem um monte de coisa. Na prática, pra cobrir o teto do gasto, você tem que levar esse negócio a zero. A gente vai precisar de muito mais reforma ao longo de 2019 para que o teto seja cumprido. O que está aí é insuficiente, mesmo contando com uma reforma da Previdência muito boa.
Outra coisa que a gente tem prestado muito pouca atenção, que eu acho relevante, especialmente pro ambiente eleitoral do ano que vem, é a falência dos serviços públicos pra população.
As coisas estão deteriorando a qualidade obviamente. Então, ainda que a percepção do emprego seja melhor, a gente tem um cidadão que vai estar sem emprego, ou sem muita perspectiva, sendo maltratado pelos serviços públicos.
Assim, me parece longe da gente ter um ambiente que seja altamente favorável a eleger alguém do status quo. Quem é o anti-establishment? A gente não sabe, é uma pessoa que vai se desvendar ao longo dos próximos trimestres.
As eleições municipais do ano passado mostraram claramente que o eleitor depositou um grande pedaço da culpa pela situação corrente no PT. O PT perdeu 10 milhões de votos entre a eleição de 2012 e a eleição de 2016. Ele se manifestou falando assim: “Eu estou atribuindo a culpa a este conjunto de atores políticos”, e me parece que portanto pra 2018, apenas dois anos à frente, pouco razoável o eleitor dar uma meia-volta.
Então tem vários pontos que são extremamente conflitantes e que deixam um cenário extremamente aberto. Assim, podem acontecer coisas inimagináveis daqui até lá. O fato de a gente ter um prefeito de 90 dias no seu cargo sendo cogitado à presidência da República mostra a falência das alternativas. Isso pra mim é claro!
Enfim, esse é um ambiente extremamente desafiador pra gente conduzir 2019. Tem alguma chance de a gente chegar e fazer um ‘chapão’, como se fez aqui em SP. Fazer um ‘chapão’ nacional, colocar alguma pessoa que tenha algum vínculo com o sistema político, mas que não seja afetado pelos escândalos correntes, e que neste caso poderia ter um governo com uma base aliada de 400 deputados. E continuar tendo uma situação extremamente favorável pra passar reforma.
Esse é um cenário plausível. Agora, o problema que é – aí finalmente voltando à questão fiscal, já andei o mundo inteiro até voltar de novo no fiscal – é que a gente precisa desse cenário pra fazer reformas adicionais às que a gente já fez, pra ter a capacidade de cumprir o teto do gasto e com um indispensável aumento da carga tributária – a gente não vai conseguir se livrar de mais impostos – tentar contornar um pouco da trajetória de dívida-PIB do Brasil.
Que todos os cenários que a gente contempla, minimamente razoáveis, daqui a dez anos a dívida-PIB está perto de 90%. O ajuste fiscal via teto de gastos é um ajuste extremamente gradual. A gente vai transitar de um déficit da ordem de 2,5% do PIB para um superávit primário de zero ponto alguma coisa ao longo dos próximos cinco anos, seis anos. É um ajuste extremamente gradual e, portanto, sujeito a vários governos. Não é um só não; a vários, precisando fazer reformas adicionais.
Então, a situação fiscal me parece, ainda, o ambiente mais frágil que a gente tem no Brasil, por depender de muitas coisas ainda a serem feitas por um longo período de tempo pra evitar que a dívida alcance patamares bastante difíceis. Não é, em hipótese alguma, um cenário tranquilo.
Valor: Mas pegando esse cenário possível, o que parece, por tudo que eu ouvi de argumentos de vocês, é o seguinte: estamos num processo de recuperação cíclica. Daí a um cenário de prosperidade mais estrutural existe um caminho ainda abissal. E o máximo que a gente consegue enxergar é essa recuperação cíclica em 2018, meados desse ano, o ano que vem. Mais do que isso ninguém consegue enxergar. É mais ou menos isso?
Leichsenring: Acho que é.
Mendonça de Barros: Acho que está bem colocado.
Valor: Quer dizer, então nós estamos na pinguela. A pinguela é governamental, política e econômica, porque para chegar a um porto seguro na economia nós ainda temos um longo caminho a percorrer, que vai depender muito de quem for eleito em 2018?
Leichsenring: Agora, tem um ponto importante que é o seguinte: grande parte do esforço extraordinário reformista que a gente tem visto nos últimos trimestres se dedica a, enfim, salvar o paciente da UTI fiscal. A diferença, a gente brinca, é que antigamente o paciente estava na UTI, só que ele estava na UTI do SUS; com o Temer, ele foi transferido pro Einstein. Continuamos na UTI, só que numa unidade de tratamento com muito mais capacidade, enfim, conhecimento, estoque de capital – se não humano, físico – pra lidar com o problema.
A prosperidade é um bicho muito diferente desse de salvar o país da UTI, da morte. Aí depende de um conjunto de políticas que basicamente tem que desfazer todos os últimos 12 anos de política no Brasil e desfazer de um pedaço significativo da Constituição de 88.
E não é fácil, uma vez que você estabelece uma série de políticas que são destinadas a grupos específicos, grupos de interesse poderosos específicos, tirar esses benefícios não é algo simples.
E a gente tem uma agenda enorme de reformas microeconômicas e macro que têm de ser, necessariamente, implementadas pra gente vislumbrar uma melhora da produtividade. A gente precisa integrar o país ao resto do mundo. Você tem uma gama quase que infindável de problemas pra se tratar quando a gente vai falar da questão da produtividade. E da prosperidade. Por enquanto, a gente está com méritos na questão da UTI fiscal.
Castelar: Eu concordo com muita coisa que foi dita, mas tenho uma visão um pouquinho diferente, talvez mais em linha com o Daniel. Acho que o fiscal é extremamente complicado... Eu acho que se tem uma notícia boa é que se o juro cai realmente, do jeito que a gente está prevendo, e se vai cair abaixo do juro de equilíbrio, já que a gente está com um hiato de produto grande, a conta de juros vai diminuir significativamente, como vem – na verdade acho que vem agora mais por conta dos swaps do que propriamente só da queda de juros, – mas você vai ter algum fôlego de novo. ++
Se esse cenário é o que a gente não cresce, que o emprego não retoma, que não tem consumo, bom, aí você pode passar com juro de 3% real ao longo de mais dez anos, tá certo? Com juro de 3% real, a dinâmica da dívida fica um pouco mais interessante.
Então ou o PIB cresce, o consumo cresce e aí você tem receita ou você vai ter juro real, quem sabe até zero, tá certo? Se você realmente não consegue deslanchar. E aí, a questão da dívida se serena por conta não do primário, mas por conta do déficit nominal, ou operacional, como a gente costumava falar antigamente. Então, de novo: tem matizes nessa questão. Mas de novo, na questão do primário é terrível.
Valor: Vai ter que aumentar imposto em algum momento? O Daniel chamou de inevitável o aumento da carga tributária...
Castelar: Parece a solução mais fácil, agora, a sociedade não quer. Aí entra um pouco no segundo ponto, no que o Daniel falou sobre o teto. Basicamente, se eu entendi, ele disse o seguinte: “Pô, o teto está lá, mas a sociedade não topa”.
A sociedade não quer reduzir gasto com Previdência, não quer reduzir gasto com saúde – na verdade quer aumentar o gasto real com saúde, porque chega lá e a coisa não está funcionando – e assim por diante. Então, o gasto vai crescer rápido demais e a gente ou vai ter uma situação absurda, onde só vai gastar com social e Previdência ou vai ter que romper o teto e financiar o déficit via imposto.
Só que a sociedade brasileira também não quer imposto. Então, a gente sabe que a única solução que funciona nesse caso é inflação. Que resolve o problema do conflito de não querer nada de uma maneira misturada. Ou a gente vai ter uma solução pro fiscal que seja civilizada ou a gente vai voltar pra hiperinflação. Isso parece ser meio óbvio pra mim.
Nesse sentido, eu acho que o que o Brasil precisa de alguma coisa um pouquinho mais radical do que... Quer dizer: eu acho que a gente fala muito de mudar a Constituição, mas a verdade é que a Constituição já foi emendada pelo menos 95 vezes. O teto do gasto é a Emenda 95, né? Então assim, mudar a Constituição não é difícil; o problema é que a gente não quer mudar a Constituição da forma que o Daniel acha, que eu acho que precisa ser mudada. A gente precisa ter um ambiente em que as pessoas acreditem que o caminho não é simplesmente aumentar o gasto público, não ter aumento de imposto... Se aumenta imposto, aí é que o crescimento vai mais pro espaço ainda, porque o Brasil já tem uma carga que é complicada.
Luiz Carlos tem um ponto de que a gente chegou muito perto do abismo, muitas vezes, e conseguiu, mas a verdade é que a produtividade do trabalhador brasileiro está no nível que estava em 1980. Não aumentou nada, praticamente, em quase 40 anos.
Hoje de manhã eu vi uma estatística que o Brasil tinha o PIB da China em 1989. Hoje em dia o PIB da China é quatro vezes o do Brasil. O PIB per capita da Coreia era igual ao do Brasil em 1980. Hoje em dia é, sei lá, cinco vezes o que o Brasil tem.
Então a gente pode, realmente, ficar estagnado. Eu acho que esse é um cenário não-implausível. O mundo anda e a gente... Até a África está crescendo a taxa de 5%, 6% nos últimos anos.
Valor: Não tem uma luzinha de esperança?
Castelar: Hoje de manhã participei de um debate sobre integração, sobre o isolamento do Brasil em tempos de integração. E eu não vou citar nomes, mas alguém que estava lá falou: “Olha, existe uma mudança sobre essa visão, né? Existe muito mais gente que hoje em dia entende que o Brasil está ficando isolado, que você precisa... Você não pode ter a atitude que você tinha quando se negociou a Alca, que é uma posição totalmente de negação.
Eu acho que tem algum amadurecimento. A questão é se o que já existe vai ser suficiente. Eu acho que o nacional-desenvolvimentismo continua extremamente presente. Talvez a gente tenha que esperar um tempo maior para as pessoas que têm essa cabeça perderem as posições de liderança que têm e você ter pessoas que cresceram com uma visão diferente. Por isso que eu digo: não é um problema que a Constituição foi escrita e a gente não consegue mudar a Constituição; o problema é que a cabeça das pessoas é uma cabeça de anos 70, de anos 60. É a cabeça!
Valor: Estamos tentando reformar a Previdência desde Fernando Henrique. E cada governo faz um pedacinho mínimo. Provavelmente o próximo terá que fazer outra reforma.
Castelar: É verdade. A gente tem um problema estrutural da renda completamente sério. A gente está só discutindo aqui tirar da UTI, para usar a imagem dele. O problema estrutural do Brasil é seríssimo. A gente educou a população, a produtividade cresceu zero. Tá certo?
Valor: Demografia horrível, né?
Castelar: A demografia é ruim. A educação que a gente está dando aos jovens não serve no mercado de trabalho, não aumenta a produtividade. A infraestrutura, um problemão; questão tributária, um problemão... Nós podemos viver ciclos. Podem vir dois anos, você ter capacidade ociosa, melhorar, aí depois você começa de novo com uma crise... Tudo de novo. Você olha 35, 40 anos pra trás, a produtividade teve um pico em meados dos anos 70 e parou. Mas podemos continuar muito tempo pra frente sem cair no abismo.
Valor: Pois é, mas ficamos na mediocridade, crescendo aí 1%, 1,5%...
Castelar: Claro.
Valor: E perdendo posição completamente em relação ao resto do mundo.
Castelar: Absolutamente. Esse aí é o cenário que está colocado, hoje em dia.
Valor: Tem uma recuperação cíclica que parece que vai resolver tudo, mas não vai.
Castelar: Não, não vai.
Valor: O caminho é muito mais difícil para chegar a um crescimento sustentado, por muitos anos...
Castelar: E tem um problema sério, que é muito lento, olhe, é o seguinte: a parte importante do crescimento do PIB per capita nos últimos anos veio do fato de que a população ativa crescia mais do que a população total, certo? Teve alguma coisa, talvez, da ordem de um ponto percentual. Daqui até 2019, o crescimento vira e o crescimento da população vai ser maior do que da força de trabalho. E vai contribuir negativamente pro PIB per capita. Porque vinha adicionando um ponto percentual mais ou menos, vai começar a subtrair do crescimento do PIB per capita. Então, é ainda mais cenário de estagnação de renda. Essa contribuição, dado que o crescimento é tão baixo, acaba fazendo uma diferença importante e ou você vai depender realmente de alguma revolução que mude a questão da produtividade ou a gente vai ficar parado aí.
De novo: parado não significa que a gente vai ser infeliz necessariamente, inclusive porque como eu disse a gente olha muito pouco pro resto do mundo, então a gente não está vendo nada acontecer mesmo, olha só aqui pra nossa vizinhança e vai tocando a vida, tá certo? Mas é triste quando a gente vê o potencial que a gente teria tido pra fazer um desempenho completamente diferente, eu acho, da nossa economia.
Leichsenring: Eu acho que com relação ao potencial de crescimento, se você olhar de 1980 até 2016, o Brasil cresceu na média 2,5% ao ano. Nesse período, a força de trabalho cresceu 2,1% ao ano, em média. E a formação bruta de capital nesse período foi, na média, 22%, se não estou equivocado, nesse período inteiro.
O que a gente tem pros próximos dez anos? A força de trabalho, segundo o IBGE, cresce algo como 0,7% ao ano e a partir de 2025 em diante cresce zero. Então, a gente tem mais dez anos de crescimento de força de trabalho.
E a gente tem uma taxa de investimento hoje que é muito mais baixa que aquela que vigorou, na média, de 1980 até hoje. Portanto, a acumulação de capital e o estoque de capital que a gente está fazendo hoje tem sido feita a uma taxa muito mais baixa do que aquela que a gente fez nos últimos 36 anos.
Por fim, a produtividade hoje, como o Armando falou, é igual à dos anos 80. A quantidade de trabalho não muda, a quantidade total dos fatores não melhorou quase nada. A bem da verdade, a gente ainda vai precisar fazer alguma coisa de carga tributária. Do ponto de vista estrito do tamanho do Estado na economia, não me parece plausível esperar uma redução drástica nos próximos cinco anos, que mude de maneira muito significativa a questão da participação do setor privado no PIB, que pudesse, enfim, ensejar uma alocação melhor do capital e, portanto, uma produtividade melhor.
Então, o que a gente tem dos três fatores de produção que a literatura econômica usualmente trabalha pra determinar crescimento, que é acumulação de estoque de capital, o crescimento da força de trabalho e produtividade, a gente tem que a acumulação de estoque de capital e a força de trabalho vão crescer muito menos do que elas cresceram na média dos últimos 40 anos.
A produtividade... Se a gente ficar parado na produtividade que a gente tem hoje, significa que o PIB, o crescimento total do PIB vai ser necessariamente abaixo do que a gente teve nos últimos 40 anos. Então, ele é necessariamente menor do que 2,5%!
Você precisaria de um avanço da produtividade extraordinário pra gente conseguir manter os 2,5%. Então, na verdade, assim, o cenário central é um PIB rodando entre 1% e 1,5%, de maneira estrutural. PIB per capita praticamente estagnado. A gente ficar nessa situação que a gente se encontra hoje.
Enfim... Se a felicidade é a gente esquecer que existe a Finlândia, basta esquecer a Finlândia, vamos todos ser felizes! Se felicidade é a gente almejar um dia chegar a 50% do que é a Finlândia, acho que aí a gente vai ser triste.
Valor: Deixo as considerações finais pra você, Luiz, pra gente ficar mais animado. A gente termina com um tom mais otimista.
Mendonça de Barros: Não... Eu já vivi esse tipo de debate com outras gerações que não o Daniel...
Leichsenring: Continuamos no mesmo debate, inclusive! (Risos)
Mendonça de Barros: Meu primeiro patrão foi o Roberto Campos, logo depois que ele saiu do governo. Então, eu vivi com ele aquela primeira euforia de organizar as coisas e ver as coisas começarem a funcionar. Depois já não estava mais com ele quando esse sonho virou um pesadelo, no meu ponto de vista até maior que o do período do Lula aqui, em termos de irracionalidade econômica.
Depois, governo Sarney, né? Crise do Collor. O Fernando Henrique, né? E o governo do Fernando Henrique foi aonde ficou mais claro pra mim essa limitação... Por isso que eu uso o exemplo da Finlândia. Eu nunca moraria na Finlândia. Mesmo no verão. Não moraria de jeito nenhum.
Leichsenring: Eu estava achando que você tinha uma casa lá! Você estava tão fixado na Finlândia, o padrão da Finlândia... (Risos)
Mendonça de Barros: E aí você aprende o que é a sociedade brasileira. Que é uma sociedade de cigarra. Da velha historinha da cigarra e da formiga. Enquanto existem sociedades da Finlândia, que são sociedades de formiga. Mas elas são incompatíveis.
Leichsenring: Tem alguma sociedade de cigarra bem-sucedida?
Mendonça de Barros: Não; tem pior sucedida que nós. (Risos) O Brasil é um caso de sucesso de cigarra. Só que eu descobri que cigarra, você tem dois grandes tipos: você tem a cigarra que trabalha e a cigarra que não trabalha. O Brasil é a cigarra que trabalha; a Argentina é a cigarra que não trabalha.
Então, você tem aí o padrão de comparação. E que no fundo, quer dizer, a liderança política com que eu convivi extraiu o máximo do que se pode de uma sociedade como essa. Por isso que quando eu olho pro Brasil, pra frente, é 2,5%, 3% de PIB mesmo. Não é mais do que isso. Por razões simples, né? Falta de poupança...
Valor: Mas o 1% a 1,5% do Daniel?
Mendonça de Barros: É possível? É possível. Eu não tenho como provar pra você que não é isso. Eu estou aqui dando o meu testemunho, certo?
Valor: Eu acho que você está falando da questão de velocidade, né Luiz Carlos? Se você olha os anos 70 e 80, você olha o Brasil dos anos 80, aquela tragédia de morre Tancredo, assume Sarney, aquela sequência de fracasso... O governo Collor...
Mendonça de Barros: A inflação era 2% ao dia útil naquela época.
Valor: É. Você olha isso, você fala: “A gente avançou, a gente melhorou”, entendeu? Conta Movimento, Conta Petróleo, aquele monte de conta que existia, de esqueletos que a gente ia acumulando ao longo do tempo e nem sabia quem ia pagar. Agora, você olhando o quanto poderia ter ido, aí dá uma... Porque essa... A gente anda assim, dois passos pra frente, um pra trás, às vezes dois pra trás, depois mais dois pra frente, mais um pra trás... É uma... É um movimento lento, doloroso de mudança...
Mendonça de Barros: É, mas é inerente à sociedade nossa, é isso que estou dizendo. Então, é simplesmente modo de dizer. Eu não vou brigar com...
Valor: Com o espírito Macunaíma.
Mendonça de Barros: Com o Daniel. Eu não vou brigar com ele porque agora eu tenho um filho que é igualzinho a ele! (Risos) Eu não posso nem dizer que eu não tive culpa disso. Mas esse é o drama maior. O drama maior é de uma certa – que é o que eu gosto no Fernando Henrique –, de uma certa displicência em relação ao que poderia ser. Porque nós nunca vamos ser isso. A não ser que mude a sociedade.
Você não muda uma sociedade. Você engana uma sociedade. O Fernando Henrique, por exemplo, enganou! (Risos) É, enganou. A URV, aquele negócio todo foi um golpe de Estado intelectual. Com que mérito?
Valor: Acho que o Lula também enganou muito.
Mendonça de Barros: Enganou, mas o Lula, aí é que está...
Valor: Quando o nível do mar subiu, ele disse que ele é que estava subindo o nível do mar.
Mendonça de Barros: O Lula é diferente. O Lula tem um mal nele. O PT e o Lula têm um mal nele, que é o cientista político lá, italiano, né, o... Como que ele chama? Vou lembrar o nome...
Valor: O Gramsci.
Mendonça de Barros: O Gramsci, né? O Antonio Gramsci. Que é o mal, mal mesmo porque é dado o direito do partido do povo fazer tudo. Ele fez tudo que está escrito no Gramsci. E essa foi a dificuldade. E você veja a importância dele: ele enganou todos os empresários brasileiros, que viviam adorando ele! Eu não vou citar nome aqui pra não criar confusão, mas eu me lembro das pessoas, “Não, agora encontramos realmente o nosso caminho”, aquele negócio todo. Agora, que que nós vamos ter que fazer? E aí é muito mais pra geração de vocês, não a minha.
Valor: É que empresário brasileiro adora um dinheirinho barato, né?
Mendonça de Barros: É, aí você vai ter que fazer agora o quê? Nós vamos ter que reconstruir um pouco esse caminho. É o desafio do... Depois das eleições de 18. Só que o que eu digo que é assim é: hoje a gente tem uma visão do que tem que fazer muito melhor do que se tinha 20 anos atrás com o Fernando Henrique.
Outra coisa: nunca, desde a Constituinte, houve controle de gasto do governo federal. O Fernando Henrique fez o controle de gasto, nós fizemos o controle de gasto dos Estados, mas não fizemos do governo federal.
Agora fez. Não é suficiente? Concordo com você, mas é uma mudança de paradigma. E essa é outra coisa que o brasileiro, no Brasil a gente faz: o Brasil nunca volta atrás. Você vê todas as privatizações... Pô, vocês não imaginam o que foi privatizar a Vale.
Valor: Eu estava contigo na sua sala.
Mendonça de Barros: Então: você sabe por que que foi! E aí, e aí você tem aí um pouco desse cinismo. O Senado não queria aprovar a privatização da Vale por interesses próprios. E o Fernando Henrique me chamou uma vez e falou assim, “Olha, a liderança lá, do jeito que você quer passar, não passa. Então, você arranja um jeito de dourar a pílula”. E nós arranjamos. Criamos um golden share.
Porque essa é outra coisa que você aprende, lidar com político. Quer dizer, realmente eles não valem nada e só tem uma vantagem: eles são ignorantes. (Risos) Então nós falamos pra eles o seguinte: “Olha, tudo bem. Vocês estão preocupados com a Anglo American, aquilo lá, então vamos fazer o seguinte: o governo vai ficar com uma golden share”.
Aí explica o que que é golden share, levamos... Naquela época não tinha Wikipedia, mas aí você faz um pequeno exame. Falaram “Ahhh! Então o governo com essa ação controla e tem o poder de veto de tudo”? “É, exatamente”. “Então, nessas condições está aprovado, nós vamos aprovar”.
E ninguém me perguntou o que é a golden share. Aprovaram a golden share sem definir o que era golden share. Aí nós fomos lá. “A golden share, a empresa não pode mudar de ramo, não pode mudar a sede, não... Sem autorização do governo”. Nunca mais se falou no assunto.
Então, esta é um pouco, é talvez a única esperança que a gente tem. Quer dizer, cada ciclo... Vem aí um, vai, mas vai aparecer um grupo de reformistas, certo? Que vai pegar um pouco do que foi feito agora, um pouco do que precisa continuar e nós vamos dar um outro passo. Agora, cigarra. Não tira, põe mais de 3% no crescimento do PIB, nós vamos crescer? Você sabe bem. Não tem poupança, não tem essa... Agora, não tem o inverno da Finlândia. (Risos)
Mas é a sociedade que a gente tem! Graças a Deus é a cigarra que trabalha, que tem cigarras muito piores, porque além de tocar violão, não gosta de trabalhar.
Agora, de novo: infelizmente, 20 anos atrás foi o Real, quer dizer, aquele momento realmente de uma falta de percepção, de capacidade de olhar pra frente e nós conseguimos, o Fernando Henrique conseguiu, com o trabalho do pessoal lá da PUC do Rio, fazer um...
Agora, depois, essa energia vai sendo consumida, nós tivemos o azar de ter o ciclo da commodity. Porque o Lula é o ciclo da commodity. Se não tivesse, certo? Você não teria. E não teria criado um outro tipo de problema que nós nunca tivemos, que foi realmente aumento de salário muito acima de produtividade durante oito, dez anos. Certo?
E agora, infelizmente nós vamos viver a mesma angústia, de ir pro tudo ou nada. Porque a eleição de 2018 é tudo ou nada. Ou nós vamos numa direção correta, com todas dificuldades, certo? Ou pode aparecer um caos que tem aí.
Eu, particularmente, até por conhecer mais as cigarras brasileiras, neste momento elas se unem e não se jogam do precipício. Mas posso estar errado dessa vez.
Valor: Quer fazer a última, rapidamente? Um minuto?
Leichsenring: Discordo que não é nem pessimismo. Eu acho que é um realismo meio doloroso, assim. É sofrido chegar às conclusões que eu chego e eu penso todo dia na vida das minhas três filhas, que eu tenho nesse país, o que elas vão fazer quando elas crescerem. Acho que talvez eu vou começar a ensinar elas a tocar violão... (Risos) E vamos todos ser felizes no verão, tá certo? (Risos)
Castelar: Logicamente você pode ver isso como pessimismo, mas eu acho também que alertar para os problemas é o começo de você tentar resolver. Porque então, assim, nem o Daniel, eu imagino, nem eu estamos fazendo isso por um sadismo de que a gente esteja torcendo por esse cenário. Eu acho que o ponto é “Vamos encarar que tem um problema sério” ou, de novo, falei aqui, também acho que a sociedade pode optar por continuar celebrando o verão, até, que é longo no Brasil, e vai em frente. É uma opção também. E é democrática e é justa. Agora, precisa saber quais são as consequências disso – ou, se quiser resolver e quiser tomar um outro caminho, precisa ser realista de que tem problema.

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