sexta-feira, 19 de maio de 2017

Com governo por um fio, Temer diz que não renuncia – Editorial | Valor Econômico

A frágil estabilidade do governo de Michel Temer foi violentamente abalada pela divulgação das delações de Joesley Batista, dono da J&F, controladora da JBS, em que o presidente dá seu aval à compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha. A divulgação do teor integral das gravações pode por um fim à carreira política de Temer. Não é a primeira vez que o presidente aparece em depoimentos de investigados pela Lava-Jato, mas é a primeira em que ele indica homens de sua confiança para intermediar negócios privados com o Estado, em troca de propina. Acusado pela Procuradoria Geral da República, Temer será investigado por obstrução de Justiça.

As investigações, que já alvejaram 8 ministros, entre eles o núcleo palaciano, voltam-se contra o chefe do governo em um momento crucial de sua trajetória, a da aprovação das reformas econômicas, um de seus únicos sustentáculos políticos. A sobrevivência do impopular Temer e das reformas dependem de sua capacidade de manter a base governista coesa para executar um programa mínimo de estabilidade, cujo norte é o ajuste das contas públicas, que lhe foi legada em estado calamitoso por sua antecessora. Com sua permanência no Planalto em dúvida, Temer perde quase todo seu capital político e o apoio no Congresso tende a se desintegrar, como se viu nas últimas horas em Brasília, com a debandada de partidos, como o PPS, e a promessa de entrega de cargos de alguns ministros. As reformas ficam adiadas sine die, quando, e se, a crise que envolve agora a Presidência amainar. Se Temer se mantiver no comando, seu governo provavelmente terá uma existência vegetativa até o fim.

A desconfiança sobre o futuro de Temer diante dos graves fatos relatados por delatores arruinou a confiança dos agentes econômicos e desconstruiu em um dia a tênue e exasperantemente lenta acumulação de fatos positivos na economia. A bolsa de valores caiu 8,8% e o dólar avançou mais de 8% diante do real, em um dia de pânico nos mercados. Os juros futuros, que vinham embalados na baixa diante da perspectiva de corte mais largo do Banco Central, indicam hoje aposta de um corte de 0,5% ponto na próxima reunião do Copom, quando já se dava por garantida a redução de 1,25 ponto percentual.

A paralisia do governo e o pesado clima de suspeição que o ronda precisam ser superados rapidamente, sob pena de uma recaída do país na estagnação econômica. Em arriscada aposta, que pode ser sua última, o presidente disse que não vai renunciar e pediu celeridade ao processo no Supremo. Temer não havia tido acesso às fitas quando fez seu discurso e qualquer novo e comprometedor fato aniquilará seu mandato.

Enredado no Supremo, o governo Temer pode estar com os dias contados. No dia 6 de junho o TSE julga crimes eleitorais da chapa Dilma-Temer e a divulgação das delações tende a mudar, de favorável para desfavorável, a correlação de forças dos juízes em relação à permanência de Temer no cargo. O impeachment, a cujo pedido se atiraram partidos de oposição, é uma via lenta demais e cheia de incertezas, que prolongaria, provavelmente por meses a fio o impasse atual.

Se a chapa for cassada pelo TSE, abre-se um período sucessório em que a Constituição deve imperar, como disse ontem o ministro Celso de Mello, do STF. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também citado nas investigações, assumirá a Presidência interinamente e convocará em 30 dias uma eleição indireta, em que votam os membros do Congresso. Esse nó terá de ser desatado por acordo no Congresso para que os prazos sejam respeitados.

Nesse caso, eleições diretas não estão previstas pela Constituição. Para realizá-las é necessário uma emenda constitucional, a ser aprovada por dois terços dos parlamentares, em duas votações na Câmara e no Senado, cujos ritos de votação são demorados assim como o é o tempo necessário para a organização e realização do pleito.

No caso da agora provável saída de Temer, o Congresso terá de eleger alguém que não esteja sob a mira da Lava-Jato ou carregue um currículo suspeito. O novo governo de transição até as eleições de 2018, se surgir, precisará garantir a continuidade da política econômica e monetária e procurar obter apoio razoável no Congresso. O tempo até o embate nas urnas é suficiente para que as forças políticas se rearranjem, as candidaturas se consolidem e fique claro quem será expelido da política, por problemas com a lei.

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