quinta-feira, 25 de maio de 2017

Dia dos fantasmas | Míriam Leitão

- O Globo

O dia foi de muita confusão em Brasília. Manifestantes de movimentos que sempre foram contra o governo Temer quebraram e queimaram patrimônio público. Como resposta, o governo cadente de Michel Temer convocou uma GLO, operação de “Garantia da Lei e da Ordem”, que significa pôr tropas nas ruas. A imagem do Exército na Praça dos Três Poderes convoca nossos piores fantasmas.

Uma coisa é chamar a Força Nacional, ou entregar à Polícia Militar o trabalho de proteger de vândalos os prédios da administração pública federal. Esperava-se um protesto pacífico, tanto que foram colocados banheiros químicos. E aí eles viraram barricadas.

O erro do governo foi propor, em seguida, a GLO. Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia disse que havia pedido a Força Nacional. Parlamentares governistas ponderavam ontem à tarde que a PM poderia resolver o problema, até porque o movimento de protesto já estava se dispersando. É falta de noção pensar em tropas, numa hora dessas, perto dos símbolos de poder. É para ser uma missão de segurança pública, mas o simbolismo é evidentemente negativo.

Os manifestantes na Esplanada dos Ministérios e os parlamentares que protestavam dentro do Congresso tinham um ponto em comum: são portadores de indignação parcial. Não ficaram indignados com a corrupção dos governos Lula e Dilma, mas ficam agora quando o flagrante é de corrupção no governo Temer. A CUT, o MST e o PT nunca se levantaram contra o saque que o Brasil sofreu.

Manifestantes quebravam e ateavam fogo em patrimônio público em Brasília tomados de súbita revolta. Dentro do Congresso, o PT e seus satélites falavam de forma inflamada contra o governo Temer. Foi revoltante tudo o que veio a público na última semana e por isso a sorte do governo Temer está selada, é apenas uma questão de tempo. Mas a manifestação de ontem era dos mesmos que não se indignaram com o saque da Petrobras, com o dinheiro do Fundo de Garantia transferido para o grupo JBS, com as propinas cobradas pelo ex-ministro Guido Mantega nos empréstimos do BNDES, com toda a corrupção em larga escala nos governos que eles defenderam contra o que chamaram de “golpe”. É uma indignação seletiva e parcial, a que parlamentares petistas e as lideranças da CUT demonstraram ontem.

Longe daqui, outro drama iluminava as contradições e a incapacidade dos governos democráticos de enfrentar os velhos fantasmas que ainda rondam a vida nacional. Em São José da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reuniu para julgar o caso Vladimir Herzog. De um lado, estavam Clarice e o procurador da República Marlon Weichert. Do outro lado, estavam o Estado brasileiro com a AGU e o advogado Alberto Toron. Marlon foi sustentar que o crime de morte sob tortura é imprescritível, Toron foi dizer que já prescreveu. A AGU foi para sustentar que a Lei de Anistia perdoou também os militares. Ou seja, 42 anos depois do assassinato de Vladimir Herzog no II Exército, o que o Estado democrático brasileiro no governo do sétimo presidente civil fez foi levar um advogado para dizer que o crime prescreveu. É vergonhoso.

O governo Michel Temer está fraco e vai continuar assim. O presidente está sub judice. O seu pior inimigo não foi a CUT, a Força Sindical ou o MST que quebraram e queimaram equipamentos públicos na falta de força política e de argumentos, mas ele próprio. Foi Temer quem lançou o golpe fatal contra o seu governo, quando decidiu receber o empresário Joesley Batista. Foi naquela noite que seu destino foi decidido.

No começo do dia, o presidente Michel Temer reuniu senadores da base e disse que está forte e permanecerá. Vários dos seus interlocutores saíram descrentes dessa possibilidade. Um senador que não esteve na reunião acha que se o presidente Temer renunciar ainda consegue administrar a transição.

Um presidente que é quase um fantasma de si mesmo tentava ontem governar o Brasil. Manifestantes trazidos por lideranças que jamais se revoltaram contra os desmandos e a corrupção do governo anterior pediam a deposição de Temer. O Congresso ficou em brigas entre oposição e governistas. E nem um velho assassinato, cometido por militares, o governo soube como enfrentar. A única resposta decente era admitir a verdade, que este é um crime sem perdão.

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