domingo, 7 de maio de 2017

Diante de Moro, Lula pretende fazer ato político

Petista quer transformar interrogatório em ato de mobilização eleitoral

Apesar de o ex-diretor da Petrobras Renato Duque ter acusado o ex-presidente de comandar o esquema de corrupção na estatal, Lula pretende usar seu depoimento ao juiz Moro, na quarta-feira, para reforçar o discurso de vítima e criar um clima político que inviabilize a retirada de sua candidatura para 2018.

Lula fala a Moro, mas monta defesa voltada para a plateia

Petista quer transformar interrogatório em ato de mobilização eleitoral

Sérgio Roxo | O Globo

-SÃO PAULO- O cara a cara com o juiz Sergio Moro, na próxima quarta-feira, sob forte esquema de segurança montado em Curitiba, vem sendo tratado por petistas e pelo próprio expresidente Lula como ferramenta importante na estratégia de transformar o interrogatório em ação penal na Justiça Federal em batalha política, capaz de assegurar sua presença na disputa presidencial de 2018. Embora pressionado por crescentes acusações de delatores, a última do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, que o acusou de comandar o esquema de propina na estatal, Lula quer reforçar o discurso de vítima de perseguição. Até o momento à frente nas pesquisas de intenção de voto, o PT atua para mobilizar seus apoiadores no Brasil e no exterior, para onde Lula planeja viajar nas próximas semanas em busca de mais apoio.

O primeiro ato do petista é disseminar a tese de que nada do que disser a Moro no depoimento influenciará o magistrado na hora de julgá-lo no processo que trata do apartamento tríplex no Guarujá, cuja propriedade é atribuída a ele, e do armazenamento de seu acervo presidencial pela empreiteira OAS. O ex-presidente Lula é o último entre os investigados nesses processos a prestar depoimento. Por isso, o interrogatório deve ser transformado em um ato político midiático com alvo definido: os seus simpatizantes.

— O Lula está sendo tratado como condenado, e não como réu que tem direito de se defender. Passam para as pessoas que o depoimento é um mero ritual. O Moro deixa isso claro o tempo todo. Ele não tem qualquer imparcialidade para julgar esse processo — afirma o deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos parlamentares que participa das discussões sobre a estratégia de defesa do ex-presidente.

A preocupação sobre a forma como a fala de Lula no banco dos réus chegará ao público é tanta que a defesa do petista pediu autorização para fazer também imagens de Moro durante o interrogatório. Segundo Damous, a voz de Moro não pode aparecer no vídeo oficial da Justiça como algo “do além”.

— É importante que as pessoas vejam as expressões dele.

O PT e movimentos sociais ligados ao partido, como CUT e o MST, pretendem realizar atos em Curitiba desde a véspera do depoimento para, segundo Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula na Presidência, “manifestar solidariedade, denunciar as reformas do governo Michel Temer e as arbitrariedades da Lava-Jato”. A Executiva do partido chegou a marcar uma reunião na capital paranaense na terça-feira, e a bancada de deputados e senadores da legenda deve comparecer em peso.

Os petistas têm como objetivo fazer o possível para evitar que o ex-presidente seja condenado por Moro e, posteriormente, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, antes da eleição do próximo ano, o que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa e barraria a sua candidatura.

— Nossa ida para Curitiba é contra o tipo de criminalização que o Lula sofre. Espero que eles não ousem condená-lo porque o povo não vai aceitar. É muito escandaloso o que estão fazendo. Não pensem eles que isso vai ficar desse jeito. Não somos nós, é o povo — diz Gilberto Carvalho.

Existe chance, inclusive, de Lula de ir ao ato que será realizado pela Frente Brasil Popular na região da Boca Maldita, em Curitiba, no começo da noite de quarta-feira, depois de encerrado o depoimento. Apesar da grande mobilização, Wadih Damous alega que os petistas e seus aliados apenas vão reagir politicamente a uma ofensiva iniciada pela força-tarefa da Lava-Jato.

— Quem desencadeou a politização foi Curitiba. Na última quarta-feira, uma viagem internacional do ex-presidente começou a ser discutida numa reunião no Instituto Lula com a presença dos ex-ministros petistas Paulo Vannuchi, Luiz Dulci, Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Garcia e de Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso. O destino ainda não foi definido.

O ex-presidente vai anunciar que fará uma viagem para “defender a democracia no Brasil”. Os aliados de Lula apostam que internacionalmente a retirada do líder das pesquisas da disputa política seria mal vista e pensam em fazer alertas, fora do Brasil, sobre esta possibilidade. Durante o giro pelo exterior, o petista deve dar entrevistas a veículos de comunicação estrangeiros e visitar universidades.

Antes disso, porém, há o encontro com Moro. Bem ao seu estilo, Lula fez uma preparação informal para se sentar no banco dos réus. Ouviu muitos aliados e teve uma série de conversar com seus advogados ao longo dos últimos dias, mas não chegou a simular um depoimento. Também não se debruçou sobre o processo, como fazem, por exemplo o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

— O Lula não é de levar script — afirma seu ex-chefe de gabinete.

SEM USO DO TOM AGRESSIVO
O petista usou ainda a série de entrevistas que deu nas últimas semanas para rádios do país como teste. Como o alvo do depoimento é o público e não o juiz, Lula deve recorrer às suas tradicionais metáforas. Na entrevista ao SBT Brasil no último dia 26, o petista disse que o caso do tríplex do Guarujá pode ser comparado a uma mulher que vai a uma loja de sapatos, experimenta 40 pares e não leva nenhum.

— Ora, se ela não comprou, o sapato não é dela. É ocaso do apartamento e é ocaso da chácara( de Atibaia ). Se eu não comprei, não é meu — afirmou, na ocasião, o ex-presidente.

O tom agressivo e o discurso mais radical que Lula tem adotado nos atos políticos dos últimos meses não deve fazer parte do depoimento. Na última sexta-feira, por exemplo, na abertura da etapa paulista do 6º Congresso do PT, o ex-presidente ameaçou mandar prender os jornalistas que falam que ele será preso.

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