terça-feira, 9 de maio de 2017

Fim de ciclo | José Casado

- O Globo

Em maio de 1982, PT fez comício de Lula em Curitiba. Ele continua candidato, 35 anos depois. Antes novidade política, agora é autodefesa em praça pública de um réu por corrupção

Abanda passou devagar na Rua das Flores, calçadão central de Curitiba, abrindo caminho para um grupo com faixas e cartazes improvisados de um partido desconhecido (contava dois meses de registro). Surgiu, então, a comitiva com um barbudo sorridente no meio. Seguiram para o comício na Boca Maldita, onde a tradição curitibana recomenda que se fale mal de tudo e de todos, num exercício de liberdade. Na estridência daquele ajuntamento havia novidade, o prelúdio do ocaso da ditadura.

Nesta semana completam-se 35 anos dessa manifestação de Lula e do PT, em Curitiba. Outra, mais ruidosa, está prevista para amanhã. Entre ambas sobram evidências de uma estética do desalento. Naquele maio de 1982, desfilavam em defesa de utopias do igualitarismo, sempre vitais à política, sufocadas pelo regime ditatorial. Desta vez, a marcha é para comício de autodefesa de um político réu por corrupção, um direito na democracia.

Mudaram o país e o mundo, e Lula continua candidato no mesmo palanque de 12 mil dias atrás. É caso singular de concentração de poder dentro de um partido: já gastou 49% dos seus 71 anos de vida impondo-se como única alternativa ao PT, até para escolha do substituto eventual, como foi com Dilma Rousseff. O PT reduziu-se ao papel de alavanca da defesa de Lula num processo criminal. A mais organizada máquina partidária acaba de completar três décadas e meia de história prisioneira de candidato único. Tornou-se símbolo de um sistema falido de organização e método de se fazer política. Fixou-se no ponto extremo da monotonia de um sistema partidário fragmentado e impeditivo à formação e renovação de lideranças.

Há indícios da petrificação petista. Pela primeira vez, por exemplo, o partido amarga uma estagnaçãode alistadosno númeroque possuíade filiações.em marçoO 1,5 do anomilhão passado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, continuou imutável no último abril. Agregou somente 3,8 mil novos seguidores, nove vezes menos que o PSDB e o PMDB no período. No mesmo palanque há 35 anos, Lula agora lidera a repulsa nas pesquisas eleitorais. Com 45% de rejeição, segundo o Datafolha, só é superado por Michel Temer, chefe de um governo-tampão, que ele e o PT escolheram duas vezes como vice-presidente, num pacto eleitoral com o PMDB de Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Romero Jucá, entre outros.

A mesma pesquisa indica que prevalece a percepção (32%) de que Lula comandou o mais corrupto dos governos. Injusta ou não, é indicativa da corrosão da imagem do eterno candidato numa democracia que, em três décadas, só elegeu quatro presidentes pelo voto direto (Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma) — metade deposta por impeachment.

A obsolescência do que está aí se torna ainda mais evidente na proliferação de novos partidos, organizações e movimentos, como é o caso do Agora!, Novo, Nova Democracia, Muitos, Acredito, Brasil 21, Livres, Ativistas, entre outros. Procuram reduzir o distanciamento do eleitorado, com uso de tecnologias para participação direta — inclusive para projetos de leis de iniciativa popular, como permite o aplicativo recém-desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio.

O tempo passou na janela. Aparentemente, vem aí um mandado de despejo aos antigos mandarins da política brasileira.

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